José Goldemberg – Parte 1

José Goldemberg – Parte 1

Em 1978, um artigo publicado na prestigiada revista Science, escrito pelo físico José Goldemberg, revelou ao mundo o etanol e a primeira tecnologia de exploração da cana-de-açúcar como combustível. Era um tempo de crise do petróleo. Por isso, a empreitada brasileira foi vista exclusivamente como uma estratégia econômica. Pouca atenção se deu ao fato de que representava uma alternativa viável de geração de energia de fonte renovável. As mudanças climáticas se encarregaram, no entanto, de botar os pingos nos is, enfatizando não só a escassez da commodity que move o mundo, mas também aos impactos da emissão de CO2, resultante da sua queima.
Agora, a boa nova anunciada por Goldemberg é que os países em desenvolvimento não precisam repetir os paradigmas tecnológicos seguidos pelas nações desenvolvidas. Em linha com o technological leapfrogging, conceito elaborado pelo físico na década de 80 para designar estratégias de fomento às energias renováveis, ele defende a adoção de metas de redução de emissões pelos países em desenvolvimento. “A adoção da meta é um esporão para se procurar tecnologias limpas. No momento em que se fixa um limite, surge a obrigatoriedade de tomar as medidas para concretizá-lo”, afirma.
Segundo o físico, na perspectiva de desenvolvimento de baixo carbono, a maior economia da América Latina assume, naturalmente, uma posição vantajosa. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que pode ser autossuficiente em energia”, reforça Goldemberg. Mas para que o potencial de desenvolvimento sustentável se realize na plenitude de suas possibilidades, o professor acha que falta sobretudo planejamento. Diante das dificuldades de obter as licenças ambientais para construção de novas hidroelétricas, o governo aprovou a construção de termelétricas, o que, segundo o professor da Universidade de São Paulo, demonstra que o Ministério das Minas e Energias não está levando tão a sério o problema das mudanças climáticas. “A verdade é que os ambientalistas têm que ser enfrentados com as alternativas que existem, e as opções são as hidrelétricas ou as usinas a carvão, claramente muito mais poluentes, ou mesmo a nuclear. A partir daí a escolha tem que ser feita. Governar é fazer escolhas e defendê-las depois de tê-las feito”, dispara Goldemberg com a habitual verve crítica.
Difícil abordar o tema da energia no Brasil sem se referir a algumas das muitas ideias defendidas por Goldemberg, um pensador do mundo acadêmico que nunca recusou as convocações que recebeu para atuar na vida pública.  Depois de passar pela diretoria da Eletropaulo na década de 80, comandar a Secretaria de Ciência e Tecnologia (1990-1991) e o Ministério da Educação (1991-1992) no curto governo Fernando Collor de Melo, articular a Eco 92 e capitanear a pasta de meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo (2002-2006), Goldemberg preside hoje o Instituto de Eletrotécnica da Universidade de São Paulo.
No ano passado, obteve reconhecimento internacional ao ser homenageado com o Blue Planet, um dos mais importantes prêmios ambientais, oferecido pela fundação japonesa Asahi Glass. O físico também foi apontado como um dos Heróis do Meio Ambiente, pela revista norte-americana Times.
Na entrevista a seguir, concedida a Juliana LopesRicardo Voltolini, Goldemberg analisa os desafios e oportunidades relacionados à questão energética, no Brasil e no mundo.
Ideia Socioambiental: Considerando a questão das mudanças climáticas e o potencial de geração de empregos das energias renováveis, o senhor acredita que esse setor conseguirá atrair mais investimentos no médio e longo prazo?
José Goldemberg: Com a crise econômica do ano passado, o mundo se deu conta de que a superação desse quadro requer mudanças no sistema financeiro, mas também no modo de produção. Então, passou-se a olhar a crise como uma oportunidade. E a iniciativa partiu de gente como Gordon Brown e Obama, primeiro-ministro da Inglaterra e novo presidente dos EUA, que lideram as grandes economias do mundo. Toda orientação que esses países estão seguindo é de tentar estabelecer o que eles chamam de economia verde e isso reflete nos pacotes de estímulo recentemente lançados. Dos planos econômicos anunciados por diversos governos, 6% dos valores previstos destinam-se à economia verde, incorporando ações que acabarão por ajudar a resolver problemas ambientais. A China, por exemplo, investirá U$S 68 bilhões, os Estados Unidos, U$S 67 bilhões, a União Européia, U$S 12 bilhões e o Japão, U$S 8 bilhões.
Todo esse investimento privilegiará atividades que conduzem a uma economia verde, como projetos de energias renováveis ou medidas de eficiência energética. Isso mostra que há uma preocupação real com o aquecimento global e que a crise atual está servindo de instrumento para tentar resolver os problemas ambientais. As razões são várias. Uma delas é que as energias renováveis geram mais empregos do que as não renováveis. Existem números que comprovam isso. Pegue-se, por exemplo, a Petrobras, que produz dois milhões de barris de petróleo por dia. Dividindo essa quantidade de barris por 50 mil, o número de funcionários da companhia, cada empregado gera 40 barris. Fazendo a mesma conta para o etanol, gerado a partir de cana de açúcar, o resultado é bem diferente. O Brasil produz 16 bilhões de litros por ano, ou 300 mil barris por dia de etanol. Em compensação, a indústria sucroalcooleira emprega 700 mil pessoas. Cada empregado produz meio barril. Conclui-se, portanto, que o setor de álcool produz menos que a Petrobras, mas gera mais empregos. O mesmo acontece com outras fontes de energia renovável, como a eólica, por exemplo. Com a crise, os países se deram conta desses números e passaram a estimular o setor das energias renováveis para recuperar a economia e, ao mesmo tempo, reduzir suas emissões. Essa mudança de percepção, por parte de alguns governos, deve se refletir nas negociações de Copenhague, em dezembro próximo.
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