O aquecimento global passou a ser mais urgente preocupação mundial porque, além de englobar importantes questões ambientais, sociais, econômicas e culturais, as pessoas começaram a sentir na pele os efeitos das mudanças climáticas. Esta é a opinião de Lloyd Timberlake, diretor de Comunicação do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development) e diretor executivo do escritório da América do Norte.
A organização atua em parcerias com empresas de todo o mundo pela construção de um planeta sustentável, focada em energia e clima, desenvolvimento, ecossistemas e no papel dos negócios. Com uma visão ao mesmo tempo pragmática e otimista, ele falou à repórter Carmen Guerreiro sobre alternativas energéticas, a relação entre os problemas sociais a ambientais, a função dos governos e a mudança de atitude das empresas. Timberlake diz admirar o potencial do Brasil e o quanto o país evoluiu a ponto de se tornar uma aposta respeitável no mundo globalizado: “As pessoas vêem o Brasil hoje como uma nação que resolve problemas”.
IdéiaSocial – Como o senhor analisa a rápida mudança de atitude e comportamento das empresas frente à ameaça do aquecimento global?
Lloyd Timberlake – As empresas maiores estão trabalhando a questão há bastante tempo. Mas, para elas, o aquecimento global atingiu um ponto limite graças a um conjunto de fatores: de repente houve uma transformação na postura da sociedade, começou a circular mais informações sobre o assunto, graças a iniciativas como o filme de Al Gore e, o mais importante, passamos a sentir na pele os efeitos das mudanças. Nos EUA, não tivemos inverno neste ano, até fevereiro. Flores cresceram em janeiro, e o natal foi muito mais quente do que em anos anteriores. O mesmo aconteceu na Europa. Isso significa que se as pessoas podem sentir, não precisam ser cientistas para compreender o que está acontecendo. Quando cheguei a São Paulo, o motorista de táxi me disse: “Não temos mais estações”. O clima está mudando de fato e isso é perceptível: as pessoas sentem, lêem sobre o assunto, os jornalistas começam a escrever e as geleiras derretem. Outra questão é que as empresas, quando percebem que haverá mudança nas políticas públicas para combater as mudanças climáticas, querem liderar esse movimento, não serem conduzidas ou obrigadas. É por isso que estão se preparando mais rapidamente do que antes.
IS – Graças ao cargo que ocupa na WBCSD o senhor está na posição de observador privilegiado de como as empresas, nos mais diferentes lugares do mundo, estão lidando com o tema das mudanças climáticas. Quais países estão mais ou menos preocupados?
LT – As empresas e as pessoas tendem a pensar diferente em cada país. Mas tudo depende de como o tema é abordado. Na Índia, por exemplo, durante uma reunião, fomos informados de que a população não se importa com as mudanças climáticas. Lá, eles não vêem e não sentem o problema como em outros países. Um dos diplomatas indianos disse: “Realmente não nos importamos se as crianças da América do Norte não podem esquiar no inverno. Temos pessoas pobres e problemas maiores por aqui”. André Fourie, o diretor executivo do National Business Initiative, representante do WBC na África do Sul, contou-me que o mesmo acontece no seu país. Lá quando se pergunta às pessoas sobre mudanças climáticas, elas não se importam. Mas se a ênfase recai sobre as secas e a falta de água, aí sim elas mostram preocupação. Regra geral, quando a abordagem é muito científica ou distante da realidade local, as pessoas tendem a não se preocupar tanto. Mas quando se trata o tema partindo de um enfoque do cotidiano, como a falta de água para regar o jardim, por exemplo, elas passam a prestar atenção.
IS – Problemas sociais sempre existiram, especialmente depois da globalização. Porém, problemas ambientais tornaram-se rapidamente mais importantes e urgentes na agenda das empresas. Por que os sociais perderam o status de importância comparado aos ambientais?
LT – Quando ocorreu o seminário da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, desenvolvimento sustentável era sinônimo de questão ambiental, como a poluição. Na metade dos anos 90, porém, as empresas começaram a ser cobradas por conta de questões sociais, como emprego de trabalho infantil e manutenção de locais com péssimas condições de trabalho. Foi então que inventaram a noção de Responsabilidade Social Empresarial. Debaixo desse guarda-chuva, colocaram o meio ambiente. Mas os temas sociais, de fato, foram priorizados. Agora, com as mudanças climáticas, o quadro, mais uma vez, virou de ponta-cabeça e as questões ambientais reassumiram o topo das agendas. Isso aconteceu também por causa da avaliação do ecossistema do milênio (?????), que descobriu que dois terços dos “ecosystem services” [necessidades humanas atreladas aos ecossistemas] em declínio. Isso realmente alarmou os membros do WBC. Assim, elegemos os ecossistemas como um de nossos focos. As mudanças climáticas são apenas uma parte dos ecosystems services.
IS – O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) mostrou que países pobres estão mais propensos a sentir os efeitos das mudanças climáticas. Isso significa que a África poderá receber maior atenção e investimento empresarial nos próximos anos?
LT – Essa é uma questão importante do desenvolvimento sustentável, porque os aspectos ambientais e sociais se complementam. Um dos preceitos da sustentabilidade é atender às necessidades humanas do presente sem deixar de garantir as condições de vida das gerações futuras. Há um evidente traço social nesse ponto. Hoje, estamos todos preocupados com as carências da população africana, que usa muito o solo e a água, porque vive basicamente da agricultura. Com as mudanças climáticas, a sobrevivência será muito mais difícil para as pessoas que vivem lá. Em paralelo, também queremos atingir os objetivos de desenvolvimento do milênio até 2015, e entendemos que ecossistemas estão sendo degradados. Por isso, temos mais dificuldades no atendimento das metas sociais. Tudo está conectado. Por exemplo: queremos educar as meninas. Mas elas não podem ir para a escola se têm que andar todo dia oito quilômetros para buscar água. Ou se têm que trabalhar para ajudar na plantação. Ou se vão mais longe buscar madeira.
IS – O continente africano está sendo observado com maior interesse pelas empresas?
LT – As empresas com as quais trabalho sabem que algumas populações, como as européias, não estão crescendo tão rápido. Em determinados lugares, estão até decrescendo. Assim, elas precisam atuar no mundo em desenvolvimento, onde 95% da população vêm aumentando. E, se vão se estabelecer nesses países, as companhias devem beneficiar as populações e encorajar o desenvolvimento local. Essa é a razão pela qual as empresas querem se instalar em países da África, América Latina e Ásia. Mas elas também entendem que precisam agir com transparência em seus processos. Antes, se uma empresa fizesse algo ilegal no Congo, demoraria meses até que fosse divulgado. Hoje em dia, está na televisão no dia seguinte. No WBC, começamos um projeto chamado Sustainable Livelihoods, no qual empresas tentam encontrar formas de fazer negócio com as populações mais pobres, afetadas por secas e outras doenças, de forma a apoiá-las em um processo de desenvolvimento mais sustentável.
Trabalhamos em países da América Latina para fazer com que empresas realizem negócios com moradia e água para pessoas de baixa renda. Se conseguirmos fazer funcionar nesses países, podemos levar o modelo para a África, o que é muito mais difícil. Houve crescimento da população africana, mas a verdade é que ela está muito espalhada. O continente não é muito denso. Então fica difícil chegar até as pessoas, educá-las, comprar suas produções agrícolas e levá-las ao mercado. A África também é um pedaço de terra muito antigo, o solo está sendo usado há séculos. Por isso, todos os nutrientes foram retirados. Na África não há o tipo de infra-estrutura e organização social da América Latina. São muitos os problemas a serem superados.
IS – Para os países africanos, as empresas, assim como é para o Brasil, as empresas devem ter também o papel de agentes socioeconômicos de desenvolvimento?
LT – Sim, mas, novamente, a ocupação principal da África é agrícola, com pequenas propriedades familiares. Então não há o mesmo tipo de iniciativa privada. Não existem muitas empresas trabalhando juntas. Em cada país da América Latina, temos um parceiro, um conselho nacional de negócios para o desenvolvimento sustentável. Na África, só temos na África do Sul, Zimbábue, Argélia e Egito. Mas é difícil encontrar empresas dispostas a se reunir e formar um conselho desse tipo. Estamos trabalhando nisso.
IS – Os países europeus e suas empresas estão mais conscientes em relação à sustentabilidade e ao aquecimento global?
LT – Sou um americano que morou na Europa, por isso freqüentemente penso nas diferenças entre os dois lugares. Na Europa, existe um grande número de pequenos países, acostumados a tentar ser bons vizinhos. Por causa disso, eles estão mais preocupados com os seus efeitos nos vizinhos do que nós estamos, nos Estados Unidos. A RSE é, portanto, muito mais forte na Europa. E também existem países como a Holanda, no nível do mar, e a Inglaterra, uma ilha, que se preocupam com o aumento do volume das águas. Muitas dessas nações têm sistemas agrícolas que querem preservar. Estão muito preocupados com o aquecimento global e como o fenômeno vai mudar a sua paisagem interna.
IS – Como as empresas americanas enxergam o fato de o governo dos EUA não ter assinado o Protocolo de Kyoto? A posição delas mudou nos últimos anos com a celeuma mundial em torno das mudanças climáticas?
LT – A questão não é apenas que o governo dos EUA não quer assinar o Protocolo de Kyoto. Ele não quer fazer nada. Por causa disso, um grande número de membros do WBC nos Estados Unidos estão formando a USCAP (United States Climate Action Partnership) [Parceria dos Estados Unidos pela Ação Climática], que está chamando a atenção do governo federal para estabelecer políticas nas quais as empresas possam investir. Não podemos investir em eficiência energética e eliminação do carbono sem sabermos quais serão as políticas. E o governo não nos diz. Nos EUA, a ação está no nível do Estado. Temos o Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia, que quer criar um mercado de carbono, e estimular a produção de carros movidos a hidrogênio. Ele tem muitos sonhos. Mas o que está tentando mostrar é que essa questão não é uma dificuldade econômica. É uma oportunidade econômica. A Califórnia é, de certo modo, uma das regiões economicamente mais fortes dos EUA. Portanto, se conseguir tornar-se líder em tecnologia de eficiência energética, com baixas ou nulas taxas de carbono, poderá vender isso para o resto do mundo. E outros países têm sonhos similares.
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