O avanço da tecnologia pode criar uma nova cultura ecológica. Essa ideia tem sido objeto de estudo da Ecosofia, corrente cuja origem encontra-se no pensamento do filósofo e ativista francês Felix Guattari e envolve áreas como Biologia, Economia e Comunicação Digital.
Simpósio promovido pelo Centro de Pesquisa Atopos da Escola de Comunicação e Artes da USP reuniu recentemente, em São Paulo, alguns dos principais pensadores da Ecosofia, como Michel Maffesoli (veja entrevista aqui) e Derrick de Kerckhove, professor do Departamento de Letras da Universidade de Toronto, no Canadá. Criador da Psicotecnologia – termo usado para designar toda tecnologia de suporte à linguagem capaz de estender ou amplificar o poder da mente humana – De Kerckhove conversou com a repórter Cristina Tavelin sobre as transformações da relação entre indivíduos e meio ambiente na sociedade atual e o papel dos meios digitais nessa transição.
Ideia Sustentável: Vivemos um momento paradoxal. Estamos cada dia mais interconectados, no mundo digital, ao mesmo tempo em que buscamos retomar uma relação mais orgânica com o planeta. Há espaço para esses dois movimentos simultâneos?
Derrick de Kerckhove: Acredito que sim. Estamos entrando numa condição de entropia entre o espaço digital e o físico. Os dois sistemas estão em colaboração. Todas as forças do físico e da mente agora são expandidas e exteriorizadas por pensamentos digitais. O corpo do planeta torna-se a extensão da pessoa por meio da interconectividade global. Marshall McLuhan já dizia: “Vestimos toda a humanidade como nossa pele”, ou seja, estamos interligados por um sistema elétrico integrado e todo seu conteúdo. E isso traz uma forma muito forte e diferente de responsabilidade sobre nós mesmos como produtores de nossa identidade.
IS: Qual a importância das tecnologias na conscientização para a sustentabilidade? Acredita que a internet seja uma ferramenta forte o suficiente para educar as pessoas sobre um conceito tão complexo?
Kerckhove: Quando a sociedade está em transição, a mudança aparece como uma pressão pelo novo policiada pelo modelo antigo. Elementos conservadores vão resistir, muitas vezes, principalmente tratando-se de tecnologia e cultura. Temos alguns grandes obstáculos nesse sentido, como o financeiro – quando não se pode pagar pelo suporte para acessar esse conhecimento -, algo que está diminuindo; e o cognitivo – quando apenas adeptos mais precoces são capazes de utilizar esses aplicativos e as pessoas não acessam a rede por insegurança. Porém, os indivíduos desenvolvem novas sensibilidades para superar esses problemas, pois há uma mudança radical de atitude em âmbito global e também no sentido da autopercepção. Se você possui sistemas como GPS ou Google Earth em seu celular, que já podem ser adquiridos até pelas pessoas com menos recursos, seu espaço mental já está naturalmente em expansão.
IS: As pessoas estão pressionando e punindo empresas por meio de suas atitudes?
Kerckhove: Sim, absolutamente. Existem muito exemplos. Um dos mais divertidos aconteceu YouTube, quando um grupo de consumidores teve suas bicicletas roubadas e decidiu exigir o reembolso da empresa Kriptonite. Eles compraram um cadeado caro vendido por essa companhia, mas descobriram que era muito fácil abri-lo. Esses clientes decidiram postar um vídeo na rede ensinando a fazer isso. Em princípio, a empresa negou tudo; então houve pressão e finalmente ela ressarciu os compradores.
IS: Acredita que o discurso da sustentabilidade deveria ser mais atraente em termos de linguagem?
Kerckhove: Existe uma emoção equivocada. O movimento ecológico nos faz sentir culpados, e isso é um grande erro. Esse tipo de discurso deveria ser mais positivo, fazer as pessoas se sentirem bem. Você não é mais responsável que o seu vizinho, mas pode tomar atitudes melhores.
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