Por Ricardo M. Casetta
O livro “Economia do Meio Ambiente: Teoria e Prática” organizado pelo economista Peter May é mais do que um ponto de partida para entender as principais questões relacionadas ao tema título do livro. Ele traz (em suas 370 páginas divididas em 16 capítulos) discussões bastante interessantes sobre as limitações da economia tradicional, os custos incorridos pelas sociedades ao utilizar modelos insuficientes e premissas irrealistas e as possíveis saídas para “consertar o estrago” ocasionado por uma teoria econômica que sempre enxergou a natureza como infinita tanto para os inputs (extração de recursos) como para os outputs (rejeitos de materiais e poluição). Por incrível que pareça, ainda hoje se utiliza dos mesmos princípios e postulados tão bem criticados há quase 50 anos por diversos economistas fora do “mainstream”.
O livro está dividido em três partes: uma de fundamentos, a segunda sobre políticas públicas e práticas empresariais e uma terceira parte que aborda basicamente a economia da biodiversidade e serviços ambientais. Em diversos capítulos há contraposições entre as correntes da teoria neoclássica que tratam do assunto (economia ambiental e economia dos recursos naturais, por exemplo) com a economia ecológica, que coloca a economia no seu devido lugar, como uma ferramenta a serviço da humanidade e não acima das questões sociais e muito menos acima das questões que regem a vida na Terra.
Os seis capítulos que compõem a primeira parte discutem praticamente todos os principais assuntos teóricos que competem à economia do meio ambiente: substituibilidade entre os diversos tipos de capital, crescimento econômico versus finitude planetária, progresso técnico e pressão sobre os recursos naturais, crescimento econômico e bem estar humano, crescimento antieconômico, instrumentos econômicos de correção das externalidades negativas, mensuração da sustentabilidade e críticas ao PIB, contabilidade ambiental etc. Algumas contextualizações e digressões históricas merecem destaque, como as feitas no primeiro capítulo por Ademar Romeiro, onde ele defende que a economia do desenvolvimento sustentável será uma “economia política da sustentabilidade”, ou seja, “…incluindo considerações morais e éticas em contraposição à economia sem adjetivo”. Além disso, dadas as limitações científicas existentes para se avaliar adequadamente os limites planetários e a resiliência dos ecossistemas, o processo de tomada de decisão não deveria ficar apenas a cargo da comunidade científica, mas ser mais amplamente discutido e decidido por um grupo maior de stakeholders, uma parcela maior da sociedade.
A economia sempre foi um direcionador do modelo civilizatório da humanidade e as sociedades sempre se desenvolveram às custas do mundo natural, o que não gerava muitos problemas num mundo vazio e composto apenas de camponeses, artesãos, militares e clérigos. Na realidade atual, o nosso desenvolvimento, no entanto, vem comprimindo os ecossistemas naturais de uma forma nunca antes vista, a ponto de diversos cientistas concordarem que estamos passando por um evento de extinção em massa (o 6º evento, o 3º maior deles e o maior dos últimos 65 milhões de anos, desde que a vida surgiu na Terra há cerca de 3,5 bilhões de anos) dada a taxa de extinção das espécies estar hoje cerca de mil vezes maior que a taxa natural.
Nesse contexto, nada mais salutar do que relembrarmos a etimologia das palavras economia e ecologia. A primeira significa algo como “administrar ou gerenciar a casa” enquanto a segunda significa “conhecer a casa, estudar a casa”. Como seria possível administrar algo sem o conhecer antes? Mas a economia tradicional cometeu esse equívoco que a economia ecológica pretende corrigir. Diversos autores do livro buscam mostrar essa relação quando reconhecem que só após um estudo ecológico detalhado do meio em questão seria possível definir o nível de produção e consumo máximos bem como tentar valorar parte dos serviços ecossistêmicos “prestados” às sociedades humanas. Nesse tema, o artigo de Andrei Cechin e José Eli da Veiga é muito esclarecedor.
No capítulo 6, que trata da crítica à contabilidade tradicional do PIB, Carlos Eduardo F. Young nos lembra bem das limitações existentes no atual modelo de contas nacionais em que a produção é a única fonte de riqueza e quanto mais quisermos gerar riqueza mais devemos, por exemplo, transformar áreas nativas em toras de madeira e pasto ou mesmo poluir água e ar para depois criarmos serviços de despoluição.
E como o segmento empresarial tem se envolvido com todo esse debate? Como bem coloca Valéria da Vinha, o ambientalismo empresarial surge como resposta à pressão da sociedade e à ação regulatória e fiscal do Estado, primando pelo discurso da ecoeficiência sem, no entanto, questionar o sistema capitalista de produção por acreditarem que o desenvolvimento sustentável é um projeto a ser implementado “sob a coordenação do setor privado”. Segue a autora: “O princípio da ecoeficiência está fundado no axioma neoclássico de que o progresso tecnológico sempre será capaz de dar respostas às dificuldades de maximizar lucros encontradas pela produção capitalista ao longo da sua trajetória.”
O que o empresariado não enxerga é que, mais do que a própria intensidade tecnológica de extração de recursos naturais e geração de rejeitos, o que mais gera impactos ambientais é o efeito escala, inerente ao sistema de produção capitalista que requer sempre o aumento contínuo da produção, mesmo para uma população estável. O relato de Maria Cecília Lustosa é claro, porém preocupante: “o aumento da produtividade dos recursos é possível porque a poluição é, muitas vezes, um desperdício econômico.” Mas e se não fosse? Enquanto estivermos envolvidos nessa lógica, sempre será necessário que algo, além de essencial para a preservação dos ecossistemas e do nosso próprio bem-estar ou um imperativo moral, também seja economicamente viável?
Além da perspectiva empresarial e do tema inovação, a segunda parte do livro trata basicamente de política ambiental (com a transição de modelos estritamente de comando e controle para mecanismos mistos que utilizam instrumentos econômicos e de um foco em padrões de emissão para um foco de padrões de qualidade), energia e comércio exterior. Mesmo restrito a um tema específico como “energia, inovação tecnológica e mudanças climáticas”, Alexandre d’Avignon consegue transcender as questões mais técnicas e incorporar nas suas considerações a Hipótese Gaia, pois “não se respeitando os limites e sistemas existentes na biosfera, a vida na Terra pode estar ameaçada”. E por meio de um retrospecto histórico muito bem relatado, lembra que a partir da Revolução Industrial “a relação homem-natureza se altera, o homem passa a ser sujeito e a natureza, objeto de sua intervenção”. Infelizmente essa visão de mundo é predominante em praticamente todos os setores de quase todas as sociedades do planeta.
Um relato disso pode ser identificado no capítulo sobre comércio exterior e meio ambiente que detalha a situação do agronegócio brasileiro. Entre 1990 e 2003, a comercialização média no Brasil de defensivos agrícolas e de fertilizantes químicos por hectare (ou seja, em termos relativos, para um mesmo espaço de terra, independente da expansão agrícola) cresceu 147% e 180%, respectivamente. A mentalidade de que o homem tem que corrigir a terra (como se a natureza tivesse se enganado em alguma parte do processo) intoxica nossas terras e águas (rios, lençóis freáticos e aqüíferos) e desregula desde os microclimas até o clima global. Na contramão da tendência mundial “o governo brasileiro, na maioria das vezes, mantém uma posição negociadora tradicional sobre temas ambientais na OMC, ou seja, não se compromete com disciplinas ambientais nesse fórum sob risco de perdas comerciais” (Luciana Togeiro e outros). Mas o cerco está se fechando e quanto mais o Brasil protelar caminhar para uma agricultura sustentável, mais ele perderá oportunidades de manter ou expandir determinados mercados consumidores que cada vez mais pretendem impor barreiras não tarifárias (no caso, de cunho ambiental), além de comprometer, é claro, o próprio capital natural tão rico de que dispõe.
A última parte aborda o desafio de valorar a biodiversidade, as relações existentes entre biodiversidade e economia rural, os mercados por serviços ambientais, o princípio poluidor-pagador aplicado à água e o manejo de recursos naturais na Amazônia. Mas falando em valorar a biodiversidade, é possível colocar um preço na natureza? Ou ainda, isso seria desejável? E a quem? Isso ajudaria a reduzir os impactos ambientais ou poderia até acelerá-los? Os economistas infelizmente acreditam que tudo pode ser precificado, mas um dia enfrentarão a realidade que nem tudo tem preço, apenas valor intrínseco, avisou o matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen muitas décadas atrás.
Veiga e Ehlers no seu capítulo sobre biodiversidade e economia rural não poupam críticas à Revolução Verde (em curso até hoje), quando muitos agrônomos e economistas acharam que poderiam aplicar na agricultura os mesmos mecanismos de produção em escala aplicados na indústria. Mas a homogeneização obtida nesse processo tem minguado a base genética e reduzido a diversidade biológica. E hoje se sabe que a estabilidade de um sistema natural ou mesmo agrícola é função direta da diversidade, onde agroecossistemas estáveis tendem a absorver mais facilmente perturbações exteriores. Ou como colocado por May e Veiga Neto: “A estabilidade, a funcionalidade e a sustentabilidade dos ecossistemas dependem em grande medida da sua biodiversidade”. Uma recomendação para conter as enormes perdas com a biodiversidade é taxar as atividades que contribuem para a degradação da natureza e aplicar os recursos naquelas que buscam a sua conservação e nos pagamentos por serviços ambientais. Marilene Santos advoga, no caso do uso da água por exemplo, que “a cobrança deve ser implantada gradualmente para que se logre eficiência política”. A questão é saber se o planeta agüenta, mesmo porque ele não é regido por essas convenções humanas.
Nesta última parte do livro, há uma outra recomendação comum que permeia a maioria dos capítulos: envolver as comunidades nas discussões e decisões sobre as alternativas aos modelos estabelecidos de produção e consumo e identificar formas sustentáveis de produção local, a fim de reter o homem no campo e garantindo a subsistência dessas famílias e a manutenção dos sistemas ecológicos.
Enfim, o livro é uma excelente contribuição teórica e prática à discussão mais que urgente sobre desenvolvimento econômico e manutenção das bases vitais do planeta. O papel da “ciência” econômica como agente causador da maior parte dos descalabros vividos pela humanidade pode se tornar, eventualmente, um importante agente de mudança dos rumos da nossa sociedade. Infelizmente, essa discussão ainda não é tida como central nas faculdades de economia brasileiras nem nas associações de classe e muito menos entre os economistas que ocupam importantes cargos tanto nos governos quanto nas empresas.
Ricardo M. Casetta é economista e assessor técnico na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo
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