Especial – Conhecimento que se multiplica

Especial – Conhecimento que se multiplica

O papel das empresas na educação de seus públicos para a sustentabilidade
Consultoria
“As empresas do futuro serão aquelas que descobrirem como fazer com que as pessoas se comprometam e queiram aprender, desde o chão de fábrica até a alta gerência.” Assim, Peter Senge descreveu um dos maiores desafios de gestão na era do conhecimento em seu livro A Quinta Disciplina, publicado pela primeira vez em 1990. Mais atual do que nunca, a tese de Senge ganhou uma nova amplitude ao incluir também os demais públicos de relacionamento de uma companhia. A capacidade de transferir conhecimento e estimular novos comportamentos passou a ser um fator de competitividade.
“Para conseguir isso, as organizações devem ser coerentes com as mais elevadas aspirações humanas, que vão além das necessidades materiais”, já advertia Senge. Nesse cenário, valores como bem-estar, qualidade de vida, respeito ao meio ambiente e valorização da diversidade – humana e biológica – assumem uma nova escala, redimensionando o relacionamento da empresa com seus públicos.
Depois de superar o nível de mera consulta para alcançar o diálogo, o próximo estágio do engajamento de stakeholders é o da educação. E, nesse caso, as empresas têm tanto a ensinar quanto a aprender. Saem à frente aquelas que conseguem estabelecer relações de confiança, compartilhando seu conhecimento para construir, coletivamente, as soluções sustentáveis de que a sociedade tanto precisa.
Dessa experiência, por vezes caótica, começam a surgir as bases de um novo modelo de desenvolvimento econômico e político, em que o poder resulta não mais da capacidade de concentrar, mas de compartilhar conhecimento. “Trata-se de uma quebra de paradigma. Viemos de uma sociedade na qual conhecimento é poder. A partir do momento em que o conhecimento passa a ser um ativo circulante, é necessário haver uma mudança de comportamento. Vale mais compartilhar o que se sabe do que guardar. Essa é uma mudança radical. O poder hoje está na troca”, afirma Maurício Curi, gerente-geral da Educartis, consultoria especializada em inteligência coletiva.
Historicamente, o setor privado tem sido protagonista de importantes mudanças de modelos econômicos, políticos e, fundamentalmente, de comportamentos. Isso porque se encontra em uma posição estratégia que lhe permite articular-se com diferentes setores da sociedade. “Somos um centro de convergência de vários interesses. Por isso, devemos assumir o papel de educar para a sustentabilidade. Como tem a capacidade de influenciar seus fornecedores, colaboradores e clientes, a empresa não pode se furtar a assumir essa responsabilidade”, afirma Domingos Figueiredo de Abreu, vice-presidente e diretor de Relações com Investidores do Bradesco.
Mais do que uma obrigação moral, a tarefa de educar as partes interessadas para a sustentabilidade tem se revelado importante fonte de inovações e um exercício fundamental para o planejamento estratégico do negócio. “Se a empresa tiver clareza de propósito, vínculos fortes com as pessoas e estabelecer regras claras de atuação e participação, independentemente do chapéu que usar, o stakeholder – cliente, consumidor, produtor ou colaborador – nunca vai perder a relação com a organização. Se ela souber valorizar seus conhecimentos, sempre terá a sua inteligência preservada”, destaca Curi.

A empresa sou eu
Sobre uma companhia já se disse que ela é um organismo vivo resultante das vontades, escolhas, valores e aspirações das centenas ou milhares de indivíduos que a compõem. Os funcionários são, sem dúvida, a principal força motriz de uma organização. A primeira lição dos manuais de relações públicas também se aplica à educação para a sustentabilidade: o público interno deve ter prioridade.
Cabe aqui o ditado “arrumar a casa para ordenar a alma”, pois é a partir do enfrentamento de seus dilemas internos que as empresas podem traçar estratégias para os desafios apresentados na perspectiva de desenvolvimento sustentável. “A primeira demanda foi nos autoeducarmos para entender o que significa prestar serviços de energia elétrica de modo sustentável, até para compreender e contextualizar o conceito de sustentabilidade no nosso negócio”, afirma Demóstenes Barbosa, diretor de Gestão de Meio Ambiente e Crédito de Carbono da AES Brasil.
No entanto, esse exercício requer novas abordagens, muitas vezes incompatíveis com estruturas mais rígidas e centralizadoras. “O grande desafio é fazer com que a transversalidade do tema integre o dia a dia de cada uma das áreas da empresa. Isso demanda mudança de cultura, pensar fora da caixa, sair da zona de conforto”, ressalta Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour.
Nesse esforço, além das ferramentas tradicionais de comunicação interna, como jornais, boletins e murais, as empresas também vêm investindo em estratégias de mobilização mais ousadas, como desafiar os funcionários a inserirem o conceito em suas vidas pessoais ou ainda estabelecer metas de sustentabilidade atreladas à análise de desempenho e remuneração dos funcionários.
É o caso do Walmart, que criou o Projeto Pessoal Pela Sustentabilidade – PPS. Por meio dele, cada funcionário escolhe um tema para rever seus hábitos e adotar comportamentos mais sustentáveis. O programa está dividido em sete eixos: Água, Energia, Compras Responsáveis, Mobilização, Resíduos e Reciclagem, Voluntariado, Saúde e Bem-Estar. Mais de 50% dos colaboradores já aderiram à iniciativa. “Além disso, há metas de sustentabilidade incorporadas à avaliação de desempenho.
Todos possuem objetivos de acordo com suas responsabilidades e eles têm peso até nos bônus recebidos pelos funcionários”, afirma Julia Noble, gerente-assistente de
Sustentabilidade da rede varejista.
Para facilitar a inserção das questões socioambientais em todas as áreas da empresa, tornando-as objeto de exercício de construção coletiva, não são poucas as companhias que elegem líderes e os preparam para atuar como multiplicadores. “Em cada unidade, transformamos pessoas em pontos focais de sustentabilidade, os Single Points of Accountability (SPA). Eles têm nosso apoio para educação em sustentabilidade. A cada dois meses realizamos um encontro dos SPAs, quando identificamos e compartilhamos as melhores práticas”, destaca Thaís Magalhães, consultora de sustentabilidade da Alcoa.
Tratado cada vez mais como uma “competência” a ser reconhecida, estimulada e desenvolvida, a sustentabilidade subiu para o topo da agenda dos departamentos de RH. Na Philips, a área de treinamento dispõe de ações e programas específicos, dedicados a identificar novas lideranças sustentáveis e capacitar os líderes atuais para esse novo desafio. Um bom exemplo é o Desafio Philips de Melhorias Sustentáveis, voltado para os estagiários. Trata-se de um concurso interno por meio do qual são selecionadas soluções para questões cotidianas da empresa.
“Um grupo, por exemplo, descobriu que produzíamos uma enorme quantidade de banners que poderia ser reciclada, gerando renda para ONGs ou até retornando como possíveis brindes para a empresa”, conta Marcus Nakagawa, assessor de Sustentabilidade da Philips. A solução, aparentemente simples, revela uma capacidade de pensar e agir segundo o conceito de triple bottom line.
Na companhia, os trainees também recebem uma capacitação em sustentabilidade. Em outra frente, executivos são preparados para o desafio de um modelo de gestão baseado no desenvolvimento sustentável. “Chamamos nossos principais consultores de treinamento da Academia Philips de Educação (formação destinada aos executivos) para poder passar alguns conceitos para eles também”, reforça Nakagawa.
Como esse é um aprendizado que não se esgota facilmente, as campanhas e ações de sensibilização iniciais acabam resultando na formação de espaços permanentes de diálogo. Desse modo, são criados conselhos, fóruns e comissões para discutir as questões socioambientais, bem como capacitações presenciais e a distância voltadas para o tema.
“Não basta dar a informação e educar. É necessário que a sustentabilidade faça sentido para o colaborador. Para haver um engajamento efetivo, temos o Banco de Ideias Sustentáveis (BIS), que traz a discussão para o dia a dia do funcionário. Só em 2009, recebemos mais de 1300 ideias. Selecionamos uma proposta em cada categoria (três no total) e elas serão implementadas este ano”, afirma Maria Eugenia Sosa Taborda – superintendente de Sustentabilidade do Itaú-Unibanco.
A definição de diretrizes que orientem a atuação da empresa em relação às questões socioambientais é o passo seguinte. Compreender o que é a sustentabilidade no seu negócio e estabelecer um propósito claro para atingir esse objetivo facilitará o posterior diálogo com os demais públicos da empresa e a continuidade das ações no longo-prazo.
Muito além de uma política de portas abertas
“Não existe empresa bem-sucedida em sociedade falida.” Pérola comum nos cadernos de anotações dos gestores de sustentabilidade, essa famosa frase de  Bjorn Stigson, presidente do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), chama atenção para a necessidade de gerar valor econômico, ambiental e social de forma equilibrada. Exercício esse que começa pelo relacionamento com a comunidade do entorno.
E para contribuir de maneira efetiva com o desenvolvimento local, mais do que ensinar, as empresas estão aprendendo a ouvir. Aos poucos as companhias se dão conta que não têm condições, por exemplo, de investir sozinhas em educação para desenvolvimento do seu capital humano e social. A saída, portanto, é estimular o protagonismo da comunidade, auxiliando-a a identificar seus potenciais, bem como a desenvolver as competências necessárias para explorá-los.
Esse desafio fica ainda mais nítido em projetos como o da Alcoa, em Juruti, no oeste do Pará, cidade onde a companhia implantou um empreendimento de mineração de grande porte na Amazônia Brasileira – às margens do Rio Amazonas. Dada a complexidade da operação, cabe à empresa possibilitar condições para que o município seja capaz de assegurar o seu próprio desenvolvimento no longo prazo, quando a mineração não estiver mais presente.
A empresa criou o Conselho Juruti, que coordena os trabalhos relacionados à implementação da mina, bem como os programas de educação voltados para a comunidade.
A Alcoa também mantém uma parceria com o Instituto Peabiru para viabilização do projeto Escola de Sustentabilidade, que capacita representantes, organizações e o governo local para elaborar projetos de desenvolvimento sustentável e buscar recursos financeiros na sociedade, além de verbas estaduais e federais.
O diálogo com a comunidade tem sido fundamental para a construção do modelo de gestão do negócio, que resulta da consulta a públicos diversos. “A escuta tem mudado nosso modo de definir prioridades. O melhor exemplo disso é o modelo Juruti Sustentável, resultante do diálogo com diversos stakeholders. Todas as unidades tiveram uma mudança significativa, perderam o medo e atuam de forma pró-ativa”, destaca.
Ir a campo para conhecer quais são de fato as necessidades e demandas da comunidade do entorno e identificar parceiros locais é determinante para assegurar a continuidade das ações no longo. Essa foi a primeira lição aprendida pela AES Brasil quando a empresa iniciou o planejamento do projeto de restauração da mata ciliar do no Vale do Rio Tietê, onde opera centrais de distribuição de energia.
“A escala é tão grande que a empresa sozinha não consegue assegurar que tudo ocorra de forma sustentável. Tivemos que mapear os stakeholders envolvidos nesse projeto. Já são mais de 40, notadamente as governadorias dos municípios no Vale do Rio Tietê, as autoridades ambientais e o Ministério Público”, afirma Demóstenes Barbosa, diretor da AES Brasil.
Nesse processo de identificação e aproximação junto às partes interessadas, julgamentos pré-estabelecidos caem por terra. Barbosa conta que depois do processo de diálogo, públicos considerados críticos tornaram-se parceiros importantes. “Próximo aos nossos reservatórios na região oeste do Estado de São Paulo, há assentamentos do Movimento dos Sem-Terra. Decidimos capacitar as famílias lá instaladas para operar viveiros sociais, como uma alternativa de geração de renda”, explica . As famílias contarão com o apoio técnico da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) para a coleta de sementes nos fragmentos de florestas e produção das mudas que serão adquiridas pela AES Brasil para reflorestamento.
A empresa também avalia a possibilidade de explorar a produção de mel, uma oportunidade de geração de renda e fator determinante para a sustentabilidade da floresta, uma vez que as abelhas são atores de polinização natural.
Continue: Conhecimento que se multiplica – parte 2

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