Boa Idéia – Tributação verde

Boa Idéia – Tributação verde

Mecanismos fiscais e tributários transcendem o mero intuito arrecadatório e passam a ser discutidos com o caráter de incentivo a uma economia de baixo carbono
O dicionário legal na área de proteção do meio ambiente acaba de ganhar um novo verbete. Trata-se da palavra incentivo, uma vantagem concedida pela administração pública, por meios tributários, destinada a estimular atividades econômicas, sociais e culturais. A prática não é nova em segmentos tradicionais, como o automotivo e de construção, mas com a finalidade de estimular o desenvolvimento sustentável, a discussão é recente e inaugura uma nova lógica na legislação ambiental brasileira
Denominado controle ativo, esse novo modelo contrapõe-se ao de comando e controle, tradicionalmente adotado por governos e legisladores. “Ao invés de desestimular comportamentos, busca-se estimular atitudes positivas. O estabelecimento de sanções, unicamente, nada agrega em termos de pró-atividade. Por isso, é importante dar prioridade ao estímulo – sem deixar de lado as punições – para então modificar o status quo”, afirma Consuelo Yatsuda Moromizato, desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Segundo a deseembargadora, especializada em meio ambiente,  essa nova lógica resultou da evolução dos elementos norteadores da legislação ambiental. “O princípio do poluidor-pagador foi inicialmente cogitado como forma de internalizar os custos dos impactos ambientais, que eram considerados externalidades”, explica. Na sequência, surgiu o princípio do usuário-pagador que desvincula a imagem do poluidor do infrator. “Essa ideia prevê a compensação financeira pelo uso dos recursos naturais, a exemplo do que ocorre com a lei de royalties para exploração de petróleo”, afirma.
Os mecanismos tributários e fiscais assumem um papel importante, sobretudo, no processo de transição para uma economia de baixo carbono, ao fomentar a adoção de tecnologias mais limpas.  “É fundamental que os governos criem políticas de incentivo, além de possibilitar a aquisição de equipamentos com financiamento subsidiado. Essa contribuição do setor público contribuirá para a mudança de tecnologias nas empresas em um movimento na direção de uma economia sustentável”, ressalta Consuelo.
Para Adriano Pires, presidente do Centro de Infraestrutura (CBIE), políticas de incentivo seriam importantes aliadas do desenvolvimento de novas fontes de energia renovável no Brasil. Mas, em sua análise, o governo ainda não faz o devido uso desses mecanismos. “O País precisa de políticas públicas que definam qual será nossa matriz energética no futuro. A implementação dessas políticas pressupõe mecanismos fiscais e tributários, que infelizmente ainda são pouco utilizados. O governo não tem dado sinais no médio e longo prazo nem para o investidor nem para o consumidor. Deveria se discutir uma política tributária em relação à energia porque gasolina e diesel, entre outros combustíveis fósseis, não podem ser prioridade para o País, na medida em que demandam alto custo ambiental”, reforça.
É certo que a consolidação da nova lógica de incentivo exigirá uma quebra de paradigmas. Segundo Werner Grau Neto, sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, o exemplo mais emblemático dessa transição é a Amazônia legal. Criada em 1953 para ser um pólo de desenvolvimento econômico, a região recebeu uma série de estímulos, como fundos de financiamento com taxas diferenciadas, cujo objetivo central era a expansão do agronegócio. “Hoje, mudou o paradigma. A  Amazônia legal deixou de ser uma área estabelecida para o desenvolvimento econômico puramente e passou a ser uma área para o desenvolvimento econômico de maneira sustentável. Ao invés de só desenvolver, agora obriga-se preservar para desenvolver”, afirma.
Serviços ambientais
O desmatamento em curso na Amazônia consiste em indicador claro de que os mecanismos de punição previstos na legislação brasileira não têm sido suficientes para preservar o meio ambiente. A integração de instrumentos de mercado, assim como de autorregulação, aos dispositivos regulatórios impõe-se como urgente, até mesmo para assegurar a atividade econômica em equilíbrio com os ecossistemas no longo prazo.
Essa questão fica clara quando se analisa a situação dos serviços ambientais. De acordo com a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM), inventário científico  liderado pela Organização das Nações Unidas, 15 dos 24 serviços ambientais considerados essenciais para a vida humana estão desaparecendo ou perdendo gradativamente a função. Como conseqüência desse cenário, a atividade pesqueira, por exemplo, pode ficar inviável no modelo atual para o horizonte de 2040.
Não por outra razão, a precificação desses serviços vem sendo discutida como uma forma eficaz de dificultar o uso indiscriminado dos recursos naturais. No entanto, para que se efetive, é essencial que a preservação seja mais lucrativa do que a destruição.
Dentro dessa lógica, o mercado de carbono é um dos instrumentos pioneiros e mais bem-sucedidos de remuneração por serviços ambientais. Mas há também os projetos de reservas legais que partem do princípio do não-poluidor recebedor. “O raciocínio é simples: assim como quem descumpre a lei recebe sanções negativas, quem a cumpre deve ter vantagens econômicas”, explica Consuelo.
Werner chama atenção para a experiência do Banco Mundial e do governo do Estado do Amazonas no projeto da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do JUMA, no município de Apuí, região sul do Estado do Amazonas. “Ao criar uma estrutura de venda dos créditos de carbono fixados pela floresta, a iniciativa proporcionou os recursos necessários para a manutenção e fiscalização da unidade de conservação”, ressalta.
A mesma noção se aplica aos produtores rurais que mantém reservas legais em suas propriedades. “A reserva legal constitui um custo para o fazendeiro. No entanto, com a precificação dos serviços ambientais e a possibilidade de desenvolver projetos para geração de créditos de carbono, ela passa a ser vista como receita. É aí que se destaca o novo conceito do produtor recebedor. Estabelece-se assim uma quebra de paradigma nos princípios que vão orientar as regras jurídicas e as políticas públicas futuras”, afirma.
Com o objetivo de fomentar essa prática, a Agência Nacional das Águas (ANA), em parceria com a The Nature Conservancy (TNC), deu início, em 2007, ao programa Produtores de Água e Floresta, que remunera produtores rurais pela restauração e manutenção de florestas “em pé” de suas propriedades.
Segundo Fernando Veiga, coordenador de serviços ambientais da TNC, a iniciativa pretende valorizar o cuidado com a natureza partilhando uma alternativa ecologicamente correta com uma sociedade habituada ao extrativismo. “Pagar uma bonificação ao produtor é muito mais eficiente, do ponto de vista econômico, do que ter de remediar os problemas gerados pela falta de manutenção dos serviços. Quando a floresta e seus serviços não funcionam bem, o produtor acaba tendo que gastar para recuperá-los”, ressalta.
No âmbito das iniciativas municipais, algumas cidades brasileiras criaram o chamado ICMS ecológico, por meio do qual estabelecem destinar  5% dos 25% da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, repassada pelos Estados, a projetos de preservação ambiental. Apesar de louvável, o mecanismo ainda é visto com reservas por alguns especialistas.
Segundo Maurício Chapinoti, da Pinheiro Pedro Advogados, mesmo funcionando como indutor, o ICMS ecológico, apresenta limitações na medida em que reparte o já restrito montante de receitas do Estado, correndo o risco, inclusive, de ser alvo de disputas entre os municípios. “Para quem é investidor ou para o consumidor esse instrumento não altera em absolutamente nada a vida dele. Já do ponto de vista do município altera muito, porque ele passa a ter mais receita. No entanto, como o bolo não cresce, os outros municípios não gostam desse tipo de decisão”, explica.
Ainda de acordo com Chapinoti, o proposta de criação de um Imposto de Renda verde (PL-5974/2005), atualmente em tramitação no Congresso, está sujeita risco similar, uma vez que entrará no mesmo conjunto de mecanismos de incentivos tributários, como o da Lei Rouanet. “Esse projeto de lei propõe a dedução de parte do imposto de renda para destinação a projetos ambientais. Mas como a regra tributária põe todos esses benefícios em uma mesma caixa, estabelecendo um limite geral de 6% para todos eles, a adoção de mais esse mecanismo, fará os projetos de cultura competirem com os de meio ambiente, sem mexer em nada na renúncia fiscal do Estado”.
Para o especialista, seria melhor que cada tipo de projeto observasse um limite específico de dedução, como acontece hoje com oFundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (Fumcad).
Imposto x incentivo
Em todo o país, são muitos os movimentos e iniciativas a favor de leis indutoras da preservação ambiental. Em seu “Manifesto em Defesa da Reforma Tributária Ambiental”, alguns procuradores da República e Promotores de Justiça pregam benefícios tributários para recompensar produtos e processos ambientalmente adequados e tributação mais pesada, por outro lado, para desestimular os que escolhem atividades altamente impactantes ao meio ambiente.
Na mesma linha, o deputado federal Roberto Rocha (PSDB-MA) encaminhou há três meses uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 353/09), que estabelece diretrizes gerais para uma “reforma tributária ambiental”. A PEC se baseia naEnvironmental Tax Reform (ETR), mecanismo de reforma tributária com finalidades ambientais adotado por diversos países europeus a partir da década de 90. Segundo essa noção, o grau de aumento ou diminuição do peso tributário incidente sobre determinada atividade empresarial precisa ser proporcional aos benefícios ou prejuízos ambientais por ela gerados. No final das contas, porém, a carga tributária total deve permanecer a mesma.
A proposta de reforma tributária brasileira traz três mudanças principais na Constituição vigente. Introduz o princípio da extrafiscalidade (possibilidade de utilização dos tributos como mecanismo de estímulo ou desestímulo de atividades) ambiental para todo o conjunto de impostos e contribuições do País; institui imunidade tributária em favor de bens e serviços considerados ambientalmente interessantes e distribui as receitas tributárias, entre os entes da Federação, em razão de critérios ambientais.
Antecipando tendências
Ante um cenário no qual a pressão por processos e produtos mais limpos será cada vez maior, muitas empresas têm revisado seus processos produtivos. Conhecer de que maneira as suas atividades impactam e são impactadas pelos serviços ambientais é o ponto de partida para uma ruptura nos modelos de negócio.
A tarefa está longe de ser simples, uma vez que todas as métricas convencionais simplesmente ignoram as chamadas externalidades, que incluem justamente os impactos ambientais e sociais.
Pensando nisso, o World Business Council for Sustainable Development, em parceira com o Meridian Institute e o World Resources Institute (WRI), elaborou a Avaliação Empresarial dos Serviços dos Ecossistemas. A metodologia auxilia as empresas a examinarem tanto os impactos quanto as dependências que possuem dos serviços ambientais, como uma modo de compreender melhor os riscos e as oportunidades a serem enfrentadas em futuro próximo.
De acordo com Charles Iceland, membro associado do WRI, as empresas estão ingressando em uma era de “duplo fluxo”, em que dependem dos serviços ambientais para produzir, ao mesmo tempo em que o meio ambiente também depende da ação das companhias para, por meio de sistemas de conservação, continuar fornecendo seus serviços naturais. “Saber os riscos que serão enfrentados em decorrência de prováveis mudanças nas regulações governamentais é importante. Mas conhecer os serviços ambientais dos quais se depende é ainda mais urgente, já que o sucesso da atividade está intimamente associado a eles. A identificação das oportunidades e riscos gerados por mudanças no ecossistema deve orientar a tomada de decisão de toda e qualquer empresa”, ressalta o pesquisador.
Box: Iniciativas de pagamento por serviços ambientais no Brasil

  • Proambiente: o Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar (Proambiente), criado em 2000 pela sociedade civil e incorporado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2003, premia com um terço de salário mínimo agricultores e pecuaristas que incorporam práticas menos impactantes em sua produção, como, por exemplo, a não-utilização de agrotóxicos ou a implantação de sistemas agroflorestais (SAF’s);
  • ICMS ecológico: os Estados brasileiros repassam, por lei, 25% da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Alguns municípios criaram regulamentações que permitem alocar 5% desse repasse em projetos de preservação ambiental;
  • Compensação ambiental: trata-se de uma “compensação” financeira aos impactos ambientais inevitáveis em empreendimentos (como, por exemplo, testes com químicos no mar para a perfuração de jazidas de petróleo) , paga aos Estados que, por sua vez, investem o dinheiro em projetos de preservação;
  • Reposição florestal: voltado para empreendimentos madeireiros, trata-se de um mecanismo de fomento ao reflorestamento de áreas, seja por meio do cumprimento de regras de manejo florestal (só é permitido cortar uma parcela de árvores, e não todas), ou do pagamento de uma taxa de reposição, que financiará o reflorestamento em outras áreas;
  • Isenção fiscal para RPPN’s: mecanismo que isenta do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR), proprietários deReservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN’s);
  • Em fase de implantação: existem outras políticas públicas de pagamento por serviços ambientais ainda não implantadas, que dependem de aprovação ou regulamentação. É o caso, por exemplo, do imposto de renda (IR) ecológico, que propõe a aplicação de um  percentual do imposto devido pelos contribuintes em projetos ambientais.

Iniciativas de PSA em outros países

  • México: o governo federal mexicano premia financeiramente comunidades e donos de propriedades rurais que preservam suas florestas e áreas de mananciais;
  • Costa Rica: o governo local criou uma taxa, que incide sobre o consumo de água e gasolina do País, revertendo o montante arrecadado  a proprietários de florestas (cerca de US$ 80 por hectare/ano de mata preservada), tratados como prestadores de serviços ambientais.

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