O papel das tecnologias na nova economia de baixo carbono
Nas últimas décadas, vivenciamos uma revolução silenciosa, movida a bits e fibras ópticas. O avanço da tecnologia da informação superou apostas de futurólogos e ficcionistas. Novidades como realidade aumentada, telepresença, telefonia móvel, eletrodomésticos e equipamentos inteligentes pouco a pouco foram sendo incorporadas ao nosso cotidiano, influenciando novos comportamentos. Mas a grande mudança ainda está por vir e diz respeito a modelos de produção e estilos de vida mais sustentáveis. Nesse quesito, a tecnologia está na sua versão 1.0.
Aos poucos os potenciais em campos como gestão eficiente de recursos, logística e desmaterialização deixam de ser desenvolvidos apenas em caráter experimental para ganhar o portfólio das empresas. O setor de tecnologia e computação é visto como um dos mais sensíveis às questões socioambientais pelos consumidores. A série de pesquisas do Monitor de Sustentabilidade (saiba mais no dossiê sobre consumo responsável, na edição 17), realizada pela Market Analysis, constata essa percepção. Os resultados agregados para os 14 países, incluindo o Brasil, onde o Monitor acompanha as tendências desde 2001, apontam esse segmento como o de maior capital reputacional em matéria de sustentabilidade. Mesmo enfrentando menos prestígio socioambiental do que detinha no início da década, a indústria de TI e computação consegue manter uma folgada liderança em comparação com os outros setores.
“Em grande medida, essa vantagem decorre da convicção sobre seu baixo impacto ambiental, mas também de uma percepção criada de que esse setor observa uma ética de investimento no funcionário, contribui para a redução de despesas e está alinhado com uma das frentes nas quais se concentram as maiores expectativas de engajamento empresarial: a educação e a inclusão na modernidade”, explica Fabián Echegaray, diretor geral da Market Analysis.
Por outro lado o jogo não pode ser considerado ganho. “Na medida em que não apresentar respostas convincentes para questionamentos sobre a responsabilização pela coleta e reciclagem dos equipamentos, sua imagem de polidez ambiental poderá sofrer abalos”, adverte Echegaray.
As empresas de tecnologia começaram a considerar questões socioambientais tratando de seus processos internos, como redução do consumo de energia em data centers, e acabaram desenvolvendo soluções inovadoras para o mercado. “A TI ajuda a criar dados, armazenar e entender de forma inteligente essas informações. Se o pensamento estratégico por trás disso contemplar a sustentabilidade, obviamente esse instrumental permite avançar bastante em termos socioambientais”, afirma Vania Ferro, especialista em TI e principal executiva da 3Com no Brasil entre 1993 e 2001, comandando a chegada da empresa no País.
A capacidade da área de TI de tornar a informação mais acessível e ágil tem proporcionado grandes progressos econômicos e sociais. O relatório The Global Information Technology Report (2008–2009) destaca esse papel. “A tecnologia da informação e comunicação está constantemente revolucionando os processos produtivos, os acessos aos mercados e interações sociais. Ela também tem um impacto na eficiência dos governos, promovendo a transparência, melhores serviços e a comunicação para os cidadãos”, destaca o documento.
O desafio agora é trabalhar o triple bottom line, trazendo a sustentabilidade para o centro da estratégia, em busca de soluções que aliem benefícios econômicos, ambientais e sociais. “Primeiro, deve-se pensar em termos ambientais, em economia de espaço e de energia. Mas o uso de TI deve ser considerado também do ponto de vista de indicadores sociais, promovendo a inclusão por meio da democratização da tecnologia. Deve-se pensar a cadeia de valor de produção de modo a promover o desenvolvimento social”, destaca Vania.
Esse desafio passa pela revisão do próprio modelo de negócio, cuja premissa é a substituição no curto prazo. O formato de inovação baseado prioritariamente no produto e na introdução contínua de novidades no mercado vai radicalmente contra os princípios de sustentabilidade. Tereza Cristina Carvalho, diretora do Centro de Computação Eletrônica (CCE-USP), alerta que o consumo tem aumentado além da necessidade a partir do advento da internet. “As pessoas, há algum tempo, trocavam o celular a cada um ano e meio; hoje trocam de sete a oito meses porque surge um modelo com novos recursos. O próprio mercado cria essa noção de necessidade que leva as pessoas a consumirem mais do que o necessário. A dificuldade em reutilizar produtos é um problema. Algo pouco comentado é que a tecnologia tem um impacto social, vira um vício”, destaca.
Ainda que enfrente resistências, ao menos no que diz respeito à ruptura com o modo tradicional de fazer negócios, a sustentabilidade apresenta uma lógica bastante pragmática para a área de TI, como exemplifica Michael Wallace. Co-autor com Lawrence Webber do livro Green Tech: How to Plan and Implement Sustainable IT Solutions (Tecnologia verde: como planejar e implementar soluções de TI sustentáveis, ainda sem tradução para o português), Wallace lembra que as tecnologias verdes proporcionam economia de recursos se todo o ciclo de vida for observado. “Por exemplo, uma fonte de alimentação de um computador desktop com a certificação 80 Plus proporciona economia de US$ 30 por ano em redução no consumo de energia quando comparada à de um desktop padrão. Além disso, um computador desenvolvido com base na fácil separação e disposição de materiais é mais barato de descartar do que aqueles fabricados com alto nível de materiais tóxicos”, exemplifica Wallace.
Se utilizada de forma consciente, a tecnologia da informação desempenha um importante papel como ferramenta para tomada de decisão responsável. “Ao proporcionar informação de melhor qualidade e em tempo real, a TI permite que os indivíduos façam melhores escolhas em relação, por exemplo, ao consumo de energia”, afirma Wallace.
De acordo com a Global e-Sustainability Initiative (GeSI), o maior auxílio da tecnologia da comunicação e informação será possibilitar a eficiência energética em outros setores, proporcionando uma economia de carbono cinco vezes maior que o total de emissões de todo o setor em 2020 – hoje o segmento representa 2% das emissões globais.
O estudo Carbon Conections – quantifying mobile’s role in tackling climate change (Conexões de carbono – quantificando o papel dos móveis para combater as mudanças climáticas) dá uma ideia desse potencial. O relatório, produzido em parceria pela Accenture e Vodafone, destaca 13 oportunidades em cinco áreas-chave: desmaterialização; smart grid a partir do suporte à geração e venda de energia localmente; logística; gestão e planejamento de cidades e produção inteligente.
Quando menos é mais
O uso eficiente de energia é, de fato, o grande tema para TI. Essa preocupação inclui o desenvolvimento de equipamentos mais eficientes, mas passa também por aspectos amplos de construções e locações, bem como a consideração de todo o ciclo de vida do produto, sua pegada de carbono e o descarte final.
Wallace resume a quatro os principais desafios a serem enfrentados pela área em tempos de sustentabilidade. Segundo ele, os servidores deverão se tornar mais tolerantes ao calor, permitindo que os data centers operem mais quentes, reduzindo o consumo de energia despendido com ar-condicionado. Ele também destaca como tendência a eliminação do uso de pisos elevados para o resfriamento nos centros de dados, para, em vez disso, trazer o resfriamento diretamente à fonte de calor.
O redesenho de data centers também é um dos focos de pesquisa do CCE da USP. “O design dos centros de dados é relevante para o mercado. Criamos o conceito de corredor quente/corredor frio, para minimizar a necessidade de ar-condicionado”, explica Tereza.
Segundo o documento TI – A chave para um mundo mais sustentável, produzido pela consultoria Atos Origin, a virtualização e consolidação de servidores podem reduzir o número de máquinas a uma proporção de cerca de 8/1.
Ainda segundo o estudo, as organizações precisam se planejar hoje para assegurar no futuro suprimentos de energia de fontes de baixo carbono. Entre as medidas necessárias destacam-se desde a mudança de data centers para países com disponibilidade dessas fontes até a autogeração de energia, que é limitada atualmente pelos custos muito elevados.
Outra possibilidade apontada pela Atos Origin se dá na gestão de edifícios energeticamente eficientes. Atualmente, a energia destinada a aquecimento, resfriamento e iluminação representa mais de 40% do consumo dos edifícios na Europa. E a tecnologia de informação pode auxiliar na elaboração de construções mais inteligentes, planejadas para funcionar com máxima eficiência para cada ambiente.
Um exemplo desse enorme potencial é o Pearl River Tower, que está sendo construído em Guangzhou City, no sul da China. Esse edifício faz uso de inovações como células de combustível de alta temperatura; um sistema fotovoltaico de geração de energia e controle de painéis para mantê-los frescos; turbinas eólicas para gerar energia, que podem ser alimentadas por equipamentos mecânicos, e um sistema especial de refrigeração onde a água passa através de tubos fixados no edifício.
Wallace vislumbra também que os dispositivos de TI se tornem cada vez mais conectados, conferindo recursos para monitorar, coordenar e aprimorar a eficiência.
O estudo TI – A chave para um mundo mais sustentável destaca, por exemplo, as vantagens da gestão à distância em viabilidade, segurança, performance e eficiência energética a partir de sistemas que podem ser ativados ou desligados à distância, economizando energia, custos e tempo.
Alinhado a essa proposta, Wallace destaca como tendência o desenvolvimento da comunicação de alta velocidade, facilitando que os trabalhadores estejam em qualquer lugar e reduzindo a necessidade de deslocamentos.
O trabalho à distância já é uma realidade em muitas organizações, mas há ainda um vasto campo a ser explorado na área de telepresença, por exemplo. Câmeras de vídeo combinadas com softwares de comunicação podem reduzir viagens com uma infraestrutura interna para voz e vídeo. O estudo da Atos Origin revela que o ano de 2009 liderou um aumento de mais de 25% nos minutos de conferência de voz e 13% menos viagens na comparação com 2008, resultando em diminuição de custos e criando benefícios ambientais significativos com a redução das jornadas em transportes sobre rodas, ferroviários e aéreos.
A necessária mudança de comportamento
A sustentabilidade impõe às empresas de TI desafios de ordem técnica, e sobretudo cultural, uma vez que traz profundas mudanças no modo tradicional de fazer negócios e na relação com stakeholders.
“A mudança necessária passa pelo planejamento estratégico a partir de um pensamento mais amplo, que não inclua somente indicadores de crescimento econômico das empresas ou esteja atrelado apenas ao desenvolvimento de países, mas também a fatores sociais e ambientais”, destaca Vânia Ferro.
A nova realidade, marcada pela circulação mais rápida de informações na internet e redes sociais, tem forçado empresas e governos a tornarem-se mais transparentes. Para Wallace, esse contexto desafia as estruturas organizacionais tradicionais. “As empresas precisam ajustar a forma como conduzem seus negócios para tirar total proveito das tecnologias disponíveis. As soluções de TI podem proporcionar um ambiente mais democrático, reduzindo a necessidade de comando e controle para que o trabalho seja feito”, afirma. Wallace lembra ainda que os profissionais mais jovens querem se comunicar e colaborar no trabalho, assim como fazem na sua vida pessoal, o que nem sempre é possível no ambiente altamente estruturado da maioria das organizações.
Vânia destaca ainda o papel dos demais stakeholders no desenvolvimento de soluções em conjunto com as empresas. E dá um exemplo de como as comunidades podem participar na produção de determinada tecnologia. “A juventude brasileira é extremamente criativa e os adolescentes têm uma facilidade muito grande em lidar com as inovações tecnológicas. Por conta disso, são excelentes produtores de jogos e ferramentas de entretenimento. Se eles forem capacitados adequadamente, mesmo sem uma educação formal completa, é possível inseri-los na cadeia produtiva de inovações tecnológicas e fazer com que todas as populações avancem também economicamente”, afirma.
A especialista destaca a importância de criar tecnologias democráticas em países como o Brasil, em que grande parte da população é economicamente desfavorecida. “À medida que as tecnologias passam a ser disponibilizadas para as comunidades, avança-se no desenvolvimento de educação de qualidade e na inclusão dessa população”, destaca.
A Ideia Sustentável constrói respostas técnicas eficientes e oferece soluções com a melhor relação de custo-benefício do mercado, baseadas em 25 anos de experiência em Sustentabilidade e ESG.