Acreditando na arte do possível

Acreditando na arte do possível

Por Cláudia Piche

“Sou engenheiro florestal de formação. Mas, com o passar do tempo, me tornei um psicólogo.” Assim se autodefine o australiano Scott Poynton, fundador e presidente da organização internacional The Forest Trust, sediada na Suíça, sobre sua missão de pacificar e mediar o diálogo entre organizações não governamentais e empresas. A TFT nasceu, em 1999, a partir da pressão de ONGs sobre companhias que compravam produtos madeireiros do sudeste asiático, fruto de ilegalidade e desmatamento.

Hoje, com 130 pessoas espalhadas em 15 escritórios pelo mundo, a organização ajuda cerca de 100 empresas a “discutir a relação” com suas cadeias de fornecimento, buscando torná-las mais sustentáveis. Entre elas, gigantes como Nestlé, Leroy Merlin e Marks&Spencer. No Brasil, atende Natura, Grupo Pão de Açúcar, Camargo Correa e também empresas de menor porte, como a Rondobel, do setor florestal.

Poynton acredita que, hoje, há empresas que mudam sua estratégia de negócio por acreditar efetivamente que fazer a coisa certa pode dar lucro. E inclui parte das brasileiras nisso. A maioria, no entanto, precisa de uma “faísca”, que em geral vêm da pressão de ONGs e consumidores. O importante, diz ele, é encontrar meios de desenvolver a arte do possível.

Ideia Sustentável: De que maneira a The Forest Trust estabelece pontes entre empresas e fornecedores, buscando tornar as cadeias produtivas mais sustentáveis?

Scott Poynton: A nossa real essência é a de ser um tradutor. As empresas e as ONGs falam línguas diferentes. Tentamos fazê-las se entender mutuamente. Muitas vezes, ONGs costumam achar que as empresas são “do mal”, e, portanto, as perseguem, dificultando o relacionamento. Não existem “demônios” no mundo corporativo: é muito raro ver pessoas nas empresas que querem o mal.

Às vezes, o que acontece é que as empresas não têm o espaço para mudanças práticas. Ninguém acorda de manhã pensando “hoje vou matar um orangotango e isso é uma coisa legal”. O problema é saber como não fazer isso. A TFT procura ajudar nesse sentido.

IS: Imagino que não seja um trabalho fácil. Quais as maiores dificuldades nesse processo?

SP: Não podemos nos iludir: o modelo de negócios ainda é muito focado na maximização dos lucros. Isso é verdade para as empresas, mas também para os indivíduos dentro das empresas. Não há problemas nessa visão, é apenas um fato. Quando a TFT começa a trabalhar com uma companhia, seu interesse é mudar práticas. Antes de tudo, esclarecemos que a mudança será necessária, e não se pode escapar dela. Naturalmente, o desconhecido em relação ao um novo modelo gera receio.

No entanto, mostramos que ele também traz oportunidades. Gerenciar os riscos relacionados a uma maior pressão por parte de ONGs e consumidores pode ser uma oportunidade de se diferenciar, de atender a uma demanda cada vez mais clara. Muitas vezes a mudança pressupõe um custo inicial. Por isso, faz-se necessário, primeiro, subir essa montanha para conseguir enxergar o panorama no longo prazo.

E as empresas estão sempre muito focadas no curto prazo, em diminuir custos e aumentar lucros. Precisamos fazê-las ver os benefícios atrás da montanha. O desconhecido tira da zona de conforto. Quando se dá o primeiro passo, a empresa começa a ver que faz sentido. Superar o medo ainda é a barreira principal.

IS: As empresas enxergam o valor agregado que as práticas mais sustentáveis trazem e conseguem comunicar isso ao consumidor?

SP: O nosso trabalho é acompanhá-las numa jornada, que envolve a inovação. Veja o exemplo da Blackberry. Ela ficou em sua zona de conforto, estabeleceu-se por longo período nela e não percebeu a chegada das novas tecnologias, o que a levou a sair do mercado. É essencial ajudar as empresas a enxergar o longo prazo, melhorar suas práticas de gestão de qualidade e responsabilidade socioambiental, tornando-as mais dinâmicas. Certificações ou prêmios, por exemplo, ajudam na caminhada.

Mas não podem ser um fim em si mesmos. Importa mais que a empresa internalize a ideia de que ser responsável é bom para a sociedade e para o meio ambiente, mas sobretudo para ela própria, que vai se beneficiar com mais lucro no longo prazo. Essa jornada complexa possui três grandes eixos de trabalho. O primeiro são os valores. A empresa precisa saber o que quer, na sua cadeia de valor. O segundo é a transparência – deve ir às fábricas, às florestas, enfim, aos seus fornecedores.

Ao conferir transparência aos seus valores, abrem-se as lacunas para o terceiro passo, aquele em que a TFT coloca mais energia: a transformação das práticas para a mudança. As empresas são como as pessoas: mudam quando estão desconfortáveis com algo. Para mudar práticas é preciso estabelecer um ecossistema de mudanças – na Europa, a presença das ONGs e a pressão dos consumidores é essencial. No Brasil, esse componente parece ter menos força.

IS: Na sua visão, o que produz essa “faísca” nas empresas brasileiras?

SP: Embora a faísca produzida pelas ONGs não esteja tão forte no Brasil, observo a atuação de empresas extremamente responsáveis,  como a Klabin, que não precisou desse tipo de pressão para fazer a coisa certa. Boas companhias precisam ser conscientes do impacto de suas operações no seu entorno. Tanto melhor que os CEOs ou conselhos estejam atentos a isso, sem a necessidade de um apoio externo.

Vejo que a faísca pode estar em indivíduos dentro das empresas que enxergam as consequências de não se fazer a coisa certa. Isso não acontece somente no Brasil, mas em nível mundial. Algumas poucas empresas têm essa visão, como a Natura. Insisto em afirmar: empresas não são demoníacas – elas precisam de uma certa educação para olhar além do lucro, de suas operações e do curto prazo. Talvez não estejam compreendendo a complexidade e dependam de algo apenas para abrir os olhos.

IS: Como vê o papel da liderança no processo de mudança das empresas?

SP: Para mim, é fundamental envolver os CEOs e executivos nesse processo. Constituem peça fundamental, porque é responsabilidade deles zelar pela visão de longo prazo. No dia a dia, a TFT trabalha com gerentes de sustentabilidade, de compras e de marketing, que são pessoas focadas em assuntos muito particulares.

Então, se você concentra os seus esforços de comunicação apenas nesses agentes, talvez não consiga tanto avanço. Agora, se você consegue envolver o CEO, convencendo-o do interesse em fazer a coisa certa, os avanços costumam ser mais expressivos e muito mais rápidos. Há mais chances de o processo fracassar se não houver uma compreensão por parte do CEO. Nos diversos países em que atuamos, a função mais crítica dos colaboradores da TFT está em convencer as altas lideranças.

IS: Qual a melhor maneira de educar empresas para a sustentabilidade?

SC: Os estudos de caso são essenciais. As empresas precisam de exemplos de sucesso – mas também de insucesso – para enxergar o peso de suas decisões. Acredito muito no desenvolvimento do que chamo de “a arte do possível”: muitas empresas dizem que não é possível, não vai dar certo e que não podem mudar. Precisamos trocar o foco, mostrando o que dá para fazer. Os estudos de caso, no entanto, relatam a jornada do outro. E toda empresa tem a sua própria história.

É importante não utilizar a experiência alheia como uma referência absoluta a se copiar. Trata-se de um guia sobre como outros resolveram seus problemas. Cada companhia é única e precisa do primeiro passo, de uma primeira atitude para mudar. Não necessariamente os estudos de caso fornecem o motor para a mudança. A preocupação da sociedade também é algo essencial.

Na Europa, há setores muito bem organizados, assim como a mídia, focados no tema da sustentabilidade. E sempre dispostos a denunciar os impactos. Esse é um caminho de longo prazo, mas extremamente efetivo para mudar a cabeça das empresas.

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