Entrevista com André Urani – "O Brasil não é um país pobre"

Entrevista com André Urani – "O Brasil não é um país pobre"

Em 2005, quando ainda assinava como revista Ideiasocial, a Ideia Sustentável entrevistou André Urani, diretor executivo do IETS. O assunto da discussão foi a grande desigualdade social existe no Brasil. Apesar de ainda ser um tema atual, a entrevista retrata da situação do país durante o ano em que foi realizada.
Essa entrevista faz parte do rico conteúdo pertencente ao arquivo da Ideia Sustentável.

O Brasil não é um país pobre, mas um país com grande quantidade de pobres

No ano passado (2004), o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – IETS, do Rio de Janeiro, mostrou um Brasil que pouca gente consegue enxergar: um país que não é pobre e que investe muito mais dinheiro que o necessário em políticas públicas sociais. Surpresas à parte, esse aparente quadro de otimismo traz consigo dados bem menos animadores: uma nação com grande quantidade de pessoas pobres, notável falta de foco nas propostas e ineficácia na realização de programas sociais.
Investimos 23% do PIB em programas sociais, sendo que uma transferência direta de apenas 2% seria suficiente para cruzar a fronteira da pobreza. Mesmo assim, temos cerca de 55 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha de pobreza (com renda mensal inferior a 80 reais) e 20 milhões classificados como indigentes (ganhando menos de 38 reais por mês). O que está errado então?
Quem responde e explica o paradoxo da realidade brasileira é André Urani, diretor executivo do IETS e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
 
Ideiasocial – O Brasil é um país pobre ou país com forte desigualdade social?
André Urani – O Brasil não é um país pobre. É, na verdade, um país com grande quantidade de pobres. A principal causa de nossa pobreza é o excesso de desigualdade social. A ação do governo não é pequena, mas indolente do ponto de vista do combate á pobreza. Segundo estimativas do IPEA, se a desigualdade de renda fosse compatível com a renda per capita e a capacidade de geração de recursos no Brasil, o número de pobres seria 60% menor. O dado é impressionante.
Na prática, se fosse possível fazer uma transferência direta de renda para cada pessoa que vive abaixo da linha de pobreza, o montante necessário para levá-las a cruzar essa fronteira seria de apenas 2% do PIB. O Estado brasileiro gasta mais de dez vezes esse montante em políticas sociais. E, no entanto, cerca de um terço da população brasileira continua vivendo abaixo da linha de pobreza. Logo, o gasto é mal feito. E para quem não precisa tanto. Nessa situação, não há outro caminho a seguir senão o de aprofundar as reformas institucionais com o propósito de retirar o Estado das mãos dos segmentos mais organizados da sociedade e redirecioná-lo, prioritariamente, em favor dos mais pobres.
Isso se faz com políticas sociais baseadas em diagnósticos claros e compartilhados entre os diferentes níveis de governo, o setor privado e a sociedade civil. O governo não pode ser o único responsável por monitorar e avaliar essas políticas. Empresas, organizações de terceiro setor e a sociedade em geral devem participar ativamente do processo, construindo mecanismos que garantam a eficácia e a eficiência do gasto público na área social. É preciso, penso, ir além de uma monitoração do que se gasta, do quanto se gasta e com quem se gasta. É necessário fazer um controle da carga tributária arrecadada para financiar tais investimentos, coibindo a ação dos salvadores da pátria de sempre que, a cada nova eleição, surgem com suas idéias mirabolantes impossíveis de serem financiadas sem novos tributos.
 
IS – O sr. afirmou que o Estado brasileiro é indolente no combate à pobreza, gasta mal e normalmente para quem não precisa. Poderia dar um exemplo?
AU – O Estado brasileiro ainda é o resultado de um projeto de desenvolvimento traçado na segunda metade do século 19. Por estratégia deliberada, ele concedia privilégios a grupos que se inseriam na órbita estatal. Até hoje uma fatia considerável de esforços dos governos privilegiam esses mesmos grupos.
O processo de democratização, gerado pela Constituição de 1988, assegurou novos direitos ao cidadão. Era de se supor, portanto, que os mais necessitados tivessem acesso a mais recursos do investimento social público. E, no entanto, continuam a receber a maior parte desses recursos os grupos de sempre, aqueles que têm maior capacidade de vocalizar as suas demandas. Este fato explica porque, mesmo com investimento social além do necessário, não se soluciona o problema da pobreza no Brasil. Os mais pobres não têm capacidade nem condições de vocalização de suas demandas. Eles são desarticulados, têm dificuldade em aparecer aos olhos dos políticos. Ficam apartados. Desse modo, gasta-se muito no que não se precisa tanto e pouco no que se precisa muito.
Como exemplo de um grupo que não está entre os mais necessitados e soube vocalizar suas necessidades, cito os aposentados pensionistas. Quando o governo anunciou a taxação de seus recebimentos, rapidamente eles se mobilizaram para chamar a atenção da sociedade. Pelo desenho do projeto inicial, a cobrança atingiria direta e indiretamente (levando em conta as famílias dos aposentados) cerca de 2% da população. A questão é que 80% desse contingente se encontram entre os 20% mais ricos do País e a totalidade deles está entre os 30% mais ricos. Mesmo assim houve um movimento tão forte e tão barulhento que o governo se viu forçado a dobrar o limite mínimo para taxação. Só com essa alteração o projeto foi aprovado no congresso.
 
IS – O IETS aponta como estratégia ideal para o enfrentamento da pobreza, uma integração de ações que “combinem crescimento econômico e redução da desigualdade de renda, com o redirecionamento do gasto público social em favor das camadas menos favorecidas da população”. Como isso pode ser feito de maneira eficaz?
AU – O setor privado e a sociedade civil podem desempenhar papéis importantes na construção de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo com foco na melhoria da qualidade de vida da sociedade como um todo. Ou seja: na combinação de
crescimento econômico e justiça social. As organizações não-governamentais têm, muito freqüentemente, capacidade de inovar, algo que o setor público não consegue. Mas dificilmente essas organizações, quase sempre muito pequenas, atingem a escala desejável para seus projetos. O desafio, aliás, é o de transformar projetos em processos.
Para ampliar o impacto de suas atividades, as ONGs devem ser, de fato, capazes de se aproximar e se compor com governos e empresas. Parafraseando o sociólogo Rubem César Fernandes, do Viva Rio, as ações inovadoras das organizações da sociedade civil só obterão a escala necessária quando se transformarem em políticas públicas ou novos mercados. Tais avanços dependem, portanto, do amadurecimento do chamado terceiro setor, de sua capacidade de ser mais transparente, de ter melhor gestão e de ser aberto a parcerias de diferentes tipos.
As empresas privadas, por sua vez, têm mostrado interesse em um modelo de desenvolvimento capaz de combinar crescimento econômico e maior justiça social. Disso depende, por exemplo, a capacidade de geração de lucros no longo prazo em áreas nas quais têm investido um bocado no Brasil nos últimos anos. Posso citar, como exemplo, as telecomunicações. Para empreender um modelo como este, no entanto, é preciso mudar a natureza das instituições que gerem a maior parte da economia, pois elas nasceram em outro contexto histórico e, no meu modo de ver, já deram o que tinham que dar. Realizaram no passado o que se propuseram. Mas nesses novos tempos, não perceberam que as demandas mudaram e já não se pode mais viver de disputas políticas.
O necessário e oportuno amadurecimento na cooperação entre ONGs e empresas, fundamental para o desenvolvimento do País, só ocorrerá mediante uma transformação cultural que considero urgente. Os dois lados devem abandonar a velha mania de valorizarem primeiro suas marcas em detrimento dos resultados da parceria. Se a exposição da marca ocupa o primeiro plano do debate, corre-se o risco de deixar a eficiência à margem. Para atingir a escala que vai multiplicar processos sociais transformadores o único caminho viável é a junção de forças e competências. E quando essa sinergia acontece, as marcas individuais desaparecem ou perdem destaque na medida em que o trabalho torna-se coletivo. Em nome do País, é urgente acabar, de uma vez por todas, com a disputa de egos e logotipos, mudar a escala de valores e renunciar à visibilidade em favor da eficácia.
 
IS – O que deve ser feito para mudar uma estrutura tão complexa e com problemas crônicos como a do Brasil, levando em conta prováveis fortes resistências e o alto custo de uma transformação tão profunda?
AU – A desigualdade de renda não é um dado da natureza. É uma construção política. Decorre do acesso desigual dos cidadãos a ativos e a serviços muito diferenciados como propriedade privada, educação, saúde, tecnologias da informação e da comunicação, crédito e energia, entre tantos outros.
Reduzir a desigualdade supõe, antes de mais nada, democratizar o acesso a essas benesses. Em uma sociedade complexa como a brasileira, a tarefa não pode ser realizada isoladamente por um único ator. É evidente que o Estado nacional continua tendo um papel importante, mas há muito perdeu o monopólio do protagonismo que detinha no período da industrialização, época em que substituiu, por exemplo, as importações. Necessário se faz constituir pactos entre diferentes níveis de governo, sociedade civil e setor privado em torno da criação de ambientes nos quais o acesso a esses ativos e serviços seja o mais amplo possível, especialmente para os cidadão de menor renda.
Arranjos como este, por diferentes razões, apenas são viáveis no âmbito local. É aí que se encaixa, ou deveria se encaixar, toda a lógica do tal “desenvolvimento local”. O conceito de “local” não deve ser definido burocraticamente com base em divisas ou limites regionais nem obedecer necessariamente aos recortes administrativos convencionais. O território relevante, dependendo do tema, pode ser intra ou intermunicipal, ou ainda interestadual.
 
IS – Qual o papel específico das empresas na diminuição das desigualdades sociais no País?
AU – Como afirmei anteriormente, interessa ao setor privado ingressar em novas dinâmicas de desenvolvimento. Não se tenha dúvidas disso. Tome-se como exemplo uma operadora de telefonia fixa. É evidente que a demanda por seus serviços ampliará na medida em que a população local tiver mais acesso a educação, saúde, transportes, capacitação profissional, crédito e energia elétrica. O mesmo vale para uma organização financeira. A procura por crédito aumenta e o risco de inadimplência cai na mesma proporção em que melhora a qualidade de vida das pessoas. A participação da empresa em estratégias de desenvolvimento que combinam crescimento econômico com justiça social não implica infringir a lógica de maximização de lucros. Muito pelo contrário.
As empresas de telecomunicações constituem um exemplo interessante. Como todo mundo sabe, elas têm investido altas somas no Brasil e precisam rentabilizar esses investimentos, prestar contas aos acionistas e gerar lucro. Para alcançar suas ambiciosas metas de retorno precisam, portanto, penetrar em segmentos de clientes até hoje nunca atingidos, nas classes C, D e E. Quando se olha para essas famílias, de menor poder aquisitivo, percebe-se que elas estão focadas no trabalho informal ou na micro e pequena empresa. Representam estruturas vivas de geração de renda que, com maior acesso às telecomunicações, poderão aumentar sua produtividade e ascender na escala social. É um círculo virtuoso. Então um caminho relativamente óbvio para as empresas de telecomunicações alcançarem os segmentos de renda mais baixa é investir na redução da pobreza. Mas, também é óbvio, que empresas de telecomunicações são especializadas em telecomunicações e não em fornecimento de crédito popular. Nem se quisessem poderiam atuar sozinhas. Precisam de cooperação. Para expandirem seus mercados necessitam de parcerias, com, por exemplo, neste caso específico, organizações de terceiro setor ou empresas especializadas em crédito.
Tenho dúvidas, no entanto, sobre até que ponto os departamentos de responsabilidade social das empresas estão dispostos a abrir mão de seus projetos egocêntricos para ingressarem em um amplo jogo de parcerias, capaz de propiciar ambientes nos quais os brasileiros de baixa renda possam a ter acesso a um amplo leque de serviços para melhorar sua produtividade.
 
IS – Quais os principais entraves para o funcionamento da estratégia apontada pelo IETS?
AU – O principal entrave é ideológico. Precisamos nos libertar da herança do
nacional-desenvolvimentismo que imperou no século 20, sobretudo no Brasil, e que até hoje habita a mente de grande parte da população e dos formadores de opinião. Segundo essa visão de mundo, desenvolvimento se confunde com crescimento e dever ser um processo comandado pelo Estado nacional. O Estado tem, ou deveria ter, poderes de intervir nos mais diferentes mercados para favorecer o dinamismo de setores econômicos e sociais considerados “estratégicos” para o futuro da nação.
Trata-se de um modelo autoritário. Não foi por acaso que levou à instalação de tantas ditaduras e à eclosão de guerras mundo afora. Ele se baseia na promessa de modernidade para aqueles que “se comportam”. Fundamenta-se na idéia de que não é preciso que as pessoas se organizem, ou que invistam em seu próprio bem-estar, na medida em que o paizão cuidará de tudo. O paizão – como sabemos – tem deixado muita gente a ver navios, gerando mágoa, ressentimento, frustração e, por tabela, a necessidade de um novo sentimento de paternidade. A população precisa se libertar desse modelo mental de dependência e paternalismo. É necessário perseguir a emancipação, amadurecer como sociedade. Nada disso é simples. Vai levar décadas. Mas está na hora de começar.
 
IS – Que realidade social poderíamos ver hoje se o Estado brasileiro tivesse, no passado, interferido menos na economia?
AU – A intervenção do Estado tem uma justificativa histórica. Em um dado momento de nossa existência, ela foi necessária para transformar um país pobre e rural em uma nação de classe média-alta, urbana, com estrutura econômica mais complexa e diversificada. O problema é que promoveu um avanço importante sem, no entanto, diminuir o número de pobres. Eles mudaram de endereço. Trocaram os casebres do campo pelas favelas nas periferias das grandes cidades. Isso criou uma enorme quantidade de distorções econômicas, sociais, ambientais e mentais. Temos hoje de enfrentá-las para poder fazer o País avançar.
A carga ideológica distorce a maneira como a sociedade brasileira se auto-representa. Ainda acreditamos, por exemplo, ser um país pobre. Aqui as elites se fantasiam de classe- média, como se estivessem na Europa e não na América Latina. Não somos a Europa, mas também não somos pobres: 78% da população do planeta vivem em países com capacidade de geração de recursos per capita menor do que a brasileira. No Brasil, alguém com 3.100 reais de renda familiar per capita, inclui-se no grupo 1% mais rico da população. Com 800 reais, enquadra-se entre os 10% mais ricos. Provavelmente, todos os que estão lendo esta entrevista encontram-se em um desses dois grupos, e levarão um susto ao saberem que não são classe-média como imaginavam, mas ricos!
 
IS – Que conseqüências essa distorção da realidade traz para os investimentos na área social?
AU – O imaginário distorcido dificulta o avanço em processos de reformas institucionais que redirecionem o Estado em favor dos mais pobres. Embora minoritários, os grupos diretamente beneficiados pelo modo com que o Estado funciona hoje – idosos, membros de famílias chefiadas por assalariados do setor formal, funcionários públicos ou empregadores, gente de alta escolaridade – são politicamente fortes e organizados o suficiente para defenderem os seus interesses utilizando os meios de comunicação de massa.
Os que deveriam se beneficiar de uma mudança, no entanto, apresentam perfil bastante diferente. Além de desorganizados, compõem-se, em sua maioria, de crianças, membros de famílias chefiadas por trabalhadores informais urbanos ou rurais, de baixa escolaridade e invisíveis aos olhos da opinião pública. Quem mais avançou no processo de reformas na América Latina foi o Chile. Mas para tanto, precisou que Pinochet fizesse o trabalho sujo, desmanchando Estado nacional-desenvolvimentista. À democracia restou a tarefa prazerosa  de reconstruir. O desafio atual no Brasil é o de avançar nas reformas, aprofundando a democracia.
Precisamos de um esquema de gastos mais eficiente, com democratização do acesso à informação. Dentro do próprio Estado, os diagnósticos não são homogêneos principalmente quando se misturam os níveis de governo. Para se saber aonde se vai é preciso saber em que ponto se está.
 
IS – O IETS coloca o Plano Real como um divisor de águas para a economia brasileira “combinando integração com o resto do mundo, crescimento econômico e inclusão social”. Fala em melhorias dos indicadores sociais, mas o que vemos hoje é um Brasil com muitos pobres e, altos índices de desemprego, inclusive entre segmentos da velha classe-média. Parece que a idéia de inclusão social não avançou tanto quanto se esperava. Por quê?
AU – É preciso admitir, explicitamente, que reformas implicam alguma dor. Nenhuma mudança importante ocorre sem que haja perdas e sofrimento para alguém. Diante disso, é preciso criar mecanismos capazes de amenizar as inevitáveis perdas. Na Europa, há as políticas compensatórias. Sem os chamados amortecedores sociais, os que sofrem os prejuízos agem de forma a provocar um engessamento do processo, produzindo um círculo vicioso.
Mas é necessário cuidado. Os amortecedores sociais também têm seu preço. E o País não pode pagar mais nenhum preço. Dada a carga tributária atual excessivamente elevada, qualquer novo amortecedor social deve substituir algo que já existe sem impor novos custos á população. Para implantá-los de forma eficaz, precisamos avançar no processo de reformas.
O governo Fernando Henrique errou ao não conjugar um pacote de políticas compensatórias mais agressivo com as reformas que buscou implementar. Como conseqüência houve um enfraquecimento político de seu projeto de transformação do Estado e da sociedade. Lula se elegeu com um programa anti-reformista. Hoje, para ganhar mais fôlego em sua prioridade de combate à pobreza, vê-se forçado a avançar na agenda de reformas. E o pior: sem capacidade política para fazê-lo.
Agora que já está provado que Papai Noel não existe, antes das eleições de 2006, as forças reformistas devem se unir em torno de uma agenda mínima até o momento ainda não estabelecida. Isso para evitar que na próxima mudança de governo apareça um novo salvador da pátria com uma idéia brilhante e um plano mirabolante nunca antes pensado para mudar toda a nossa vida no curto prazo.
Montar a tal agenda mínima pressupõe ampliar a base informacional para identificar e dimensionar os nossos reais problemas e proceder às devidas escolhas sociais. Quando isso acontece, a sociedade e o setor privado podem analisar melhor as alternativas para os seus problemas. Quanto mais se sabe, menos chance se tem de cometer injustiças. Um bom diagnóstico é fundamental para um governo estabelecer suas escolhas, mas é necessário que ele compartilhe com a sociedade a base de informações que subsidiou suas ações prioritárias. Há três anos, por exemplo, o IETS realizou um estudo que identificou mais de 140 iniciativas voltadas para os jovens na periferia do município do Rio de Janeiro. Embora as ações se dessem nos três níveis governamentais não havia nenhuma política integrando-as em benefício, na ponta, do atendimento mais eficaz das necessidades desses jovens. Todo mundo trabalha, todo mundo gasta e as ações perdem efetividade por falta de um simples esforço de organização estrutural dos projetos.
 
IS – Transferência de renda pura e simples é uma política eficaz ou apenas uma solução pontual, já que ela parece não emancipar quem a recebe, gerando a dependência do Estado que o sr. questiona? Em que momentos a transferência de renda se faz necessária?
AU – Concordo apenas em parte que políticas de transferência de renda são meramente paliativas. A condicionalidade inerente a elas, pelo menos em tese, deve levar ao acúmulo de ativos – capital humano e social – que são úteis no combate à pobreza em longo prazo. Isso certamente não é suficiente, mas necessário. Não vejo como escapar de algo semelhante nos próximos dez ou vinte anos.
 
IS – Com o crescimento das desigualdades sociais, que futuro o senhor vê para o mercado interno brasileiro, já que o poder de compra vem crescendo junto a um grupo cada vez menor da população?
AU – Não é verdade que o consumo esteja crescendo apenas nas camadas mais ricas da população. Veja o imenso sucesso das Casas Bahia. Nas favelas do Rio de Janeiro, não conheço um domicílio que não tenha TV, aparelho de som e geladeira. Agora chegou a hora de rebocar as paredes, por dentro e por fora, e de comprar os móveis. A pesquisa do IBGE sobre orçamentos familiares de 2003 mostra, goste Lula ou não, um extraordinário avanço nos padrões alimentares dos brasileiros.
O problema é que ainda há confusão de conceitos entre fome e insuficiência de renda. A fome existe, mas é um problema razoavelmente modesto num país de dimensões continentais como o Brasil. Nem fome nem insuficiência de renda são conceitos simples como tendem a parecer. Suas soluções também não podem ser simplistas. Há toda uma complexidade de análise, principalmente quanto à insuficiência de renda, pois vivemos em um país com diversas realidades e diferentes demandas para proporcionar sobrevivência digna. Não se pode equiparar as demandas de um povoado rural no interior de Minas Gerais, por exemplo, com aquelas de uma família que vive em uma favela do Rio de Janeiro.  Ainda estamos muito longe do país que queremos. Mas, aos poucos, vamos melhorando.
 

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