Crise e sustentabilidade

27 de janeiro de 2009

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Com o aumento das incertezas em torno da crise econômica mundial e a recessão declarada em alguns países, cresceram também as especulações sobre o quanto o quadro de turbulências vai impactar o movimento de sustentabilidade que, até o setembro negro de 2008, caminhava em permanente expansão. Duas parecem ser as correntes de pensamento entre os analistas de ocasião. Uma francamente cética e outra prudentemente otimista. Os argumentos e posições de ambas as partes merecem reflexão.
Na opinião dos céticos, a crise atual interromperá, sem data para retomada, o fluxo de recursos para a sustentabilidade. Exceção feita ao que for essencial para a estratégia de negócio no curto e médio prazos – crêem – tudo o que demandar custo novo em mudanças de processos de produção ou desenvolvimento de produtos sem mercado líquido e certo será colocado em compasso de espera até uma reacomodação segura da economia.
Com o preço do barril de petróleo em baixa, espera-se um desestímulo nos esforços de pesquisa de energias alternativas à matriz fóssil, em trajetória ascendente até setembro, principalmente na Europa, por conta das metas de redução de emissões de carbono assumidas com o Protocolo de Kioto. A visão de oportunidade, que vinha orientando o movimento de sustentabilidade em muitas companhias, cederá espaço à de risco. E a de investimento perderá terreno para a de custo e controle. Frente a um quadro de perplexidade – e para acalmar os ânimos de acionistas cada dia mais nervosos – a cultura exclusivamente focada na noção de bottom line retornará com força total. A de triplle bottom line ficará para depois, vítima de um adiamento sem culpas, bem-visto até pelo mercado e –o que é pior – amplamente justificado pela necessidade de um comportamento mais defensivo e austero na gestão de recursos em tempos de recessão.
Quem adiava investimentos em sustentabilidade, baseado na tese de que os consumidores ainda não estão dispostos a pagar o preço dela nos produtos, ganhará um pretexto de reforço. Quem cinicamente empurrava o tema com a barriga, para não pagar o preço da mudança sustentável sob o falso dilema de que ela reduz competitividade, terá mais tempo para dar desculpas.
Os otimistas pensam diferente. Mas mantêm uma certa prudência. Nenhum deles acredita, por exemplo, no aumento de recursos para a sustentabilidade, entre outras razões por causa da escassez de crédito e pela urgência de maior eficácia operacional. No entanto, apostam que as companhias líderes não diminuirão investimentos em pesquisa e desenvolvimento de processos, práticas e produtos verdes porque sabem que, com ou sem crise, não há outra alternativa senão a da sustentabilidade. Entendem que não poderão ser prósperas no longo prazo se continuarem a retirar do planeta 30% a mais de recursos do que ele é capaz de repor, se persistirem lançando volumes insustentáveis de carbono na atmosfera ou se suas atividades seguirem ampliando desigualdades sociais e conflitos e tensões delas decorrentes.
Líderes que são, elas enxergam mais adiante. Como todas as crises, esta também vai passar. E ao seu final, restarão mais fortes as que compreenderem um dos recados mais óbvios deste início de milênio: acionistas, investidores, funcionários, fornecedores, comunidades e clientes vão valorizar crescentemente os princípios éticos da sustentabilidade – simplesmente porque isso é o certo a se fazer — e desejarão cada vez mais se relacionar com empresas que conjugam bons resultados econômico-financeiros com justiça social e conservação ambiental. Ainda que, no momento, estejam mais preocupados com o esfriamento da economia do que com o aquecimento global, esses públicos saberão recompensar mais tarde as que mantiveram seus compromissos sustentáveis mesmo quando o contexto se apresentava desfavorável.
Já disse Dante Alighieri que o inferno reserva um lugar mais quente àqueles que optam pela neutralidade em tempos de crise. A sabedoria da frase se aplica aqui a discussão de sustentabilidade. Toda crise pressupõe escolhas. E a que o mundo está experimentando hoje não é diferente. A considerar que ela teve sua origem no fracasso de um modelo econômico insustentável, fundado na ideia do crédito fácil, da ganância por altos e rápidos retornos e da ilusória produção de riqueza a partir do trânsito de dinheiro virtual, o melhor lado a se escolher deve ser mesmo o da sustentabilidade.
Na origem, a palavra crise (do grego krisis) deriva do verbo krino e significa “fazer passar em julgamento”, separar, cortar, decidir, escolher. Um sentido mais próximo do que tem hoje na língua portuguesa seria “uma mudança súbita que obriga a uma avaliação.” É essencialmente isso o que  se está vivendo: uma mudança de grandes proporções que vai levar a uma profunda reflexão sobre os pilares insustentáveis nos quais está escorada a economia mundial.
Na triagem proposta pela palavra crise, passarão no crivo (outro termo originado da mesma matriz etimológica), as companhias mais éticas, mais transparentes, mais solidárias e mais comprometidas em gerar riqueza real sem prejudicar pessoas ou destruir o meio ambiente.  Enfim, ficarão as mais sustentáveis. Alguém ainda tem dúvida de que a China continuará crescendo mais de 10% ao ano e os norte-americanos manterão seu perdulário padrão de consumo sem nenhum prejuízo para a saúde do planeta?
Artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil em 18/11/2008.

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