Estamos no cheque especial. Os juros desta economia são bem pesados e nosso credor, o planeta Terra, não está disposto a negociar. Agora é oficial: a demanda da humanidade por recursos naturais superou a capacidade do planeta de produzir ou renovar esses recursos. Para atender aos padrões de consumo atuais – e também a toda estrutura construída para sustentá-los – seriam necessários 1.7 planetas Terra. Portanto, não precisa ser nenhum gênio da lâmpada para afirmar que os modelos de produção precisam mudar – até porque, se continuarem do jeito que estão, não haverá o que produzir nem para quem produzir.
Atualmente grande parte da cadeia produtiva ainda opera de forma linear, com foco apenas no crescimento econômico e no consumo, retirando recursos naturais do meio – inclusive aqueles não renováveis – que são processados e transformados em montanhas e montanhas de resíduos. É a cultura do descartável, que começa ali dentro das empresas, no modelo de negócios. Já a economia circular é a melhor solução para evitar o esgotamento de recursos: ela associa desenvolvimento econômico a um melhor uso destes recursos naturais, por meio da otimização nos processos de fabricação com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. Desenhando, de uma forma bem simples, funciona assim:
“No modelo circular, não preciso produzir mais e mais para vender muito. Eu preciso produzir melhor”, resume Diego Iritani, CEO da Upcycle, consultoria que nasceu do Centro de Pesquisa em Economia Circular da USP.
Produzir melhor, nas palavras de Iritani, significa, além de utilizar menos recursos e aproveitar materiais, gerar menos resíduos. Fechar o ciclo e reutilizar, produzindo menos descartáveis.
“O principal desafio das empresas é levar a circularidade para o coração do modelo de negócios: todos os produtos devem sair neste novo formato, ou seja, precisam durar. Nem todo mundo entende isso. Celulares, por exemplo, são feitos para serem trocados quando têm uma tela danificada ou uma bateria. As indústrias até possuem práticas internas de logística reversa, de reciclagem, mas ainda fazem produtos lineares. Por que não fazer aparelhos que podem ser reparados quando quebrados?”
Como nem todos os bens podem ser duráveis, um outro exemplo de fazer economia circular é criando produtos e embalagens compostáveis, que retornarão ao meio ambiente, fornecendo os nutrientes necessários para a criação de novos materiais.
Segundo Iritani, esta proposta não significa reduzir lucros – e sim quebrar paradigmas.
“Em vez de focar em um único produto, que seria logo descartado, você foca em contratos e projetos mais estáveis. Você pode vender a manutenção do produto, por exemplo. Ou partes do celular – e não um aparelho inteiro. Trata-se de uma mudança de lógica. A empresa vai lucrar, sim, só vai mudar o foco. Na economia circular, o lucro é mais distribuído, há novas oportunidades. Quanto mais estratégica será minha manufatura, menos material será usado, e assim ela será mais lucrativa”.
EM QUE PÉ ESTAMOS?
Uma pesquisa feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), divulgada pela Agência Brasil, em 2019, mostra que 76,5% das indústrias brasileiras desenvolvem alguma iniciativa de economia circular, embora a maior parte não saiba que as ações se enquadram nesse conceito. Entre as principais práticas estão a otimização de processos (56,5%), o uso de insumos circulares (37,1%) e a recuperação de recursos (24,1%). A pesquisa também mostra que 88,2% dos entrevistados avaliaram a economia circular como importante ou muito importante para a indústria brasileira.
Ou seja: as empresas brasileiras estão conscientes da necessidade desta transição de modelo de negócios, mas nem todas sabem o que estão fazendo, muito menos como fazer.
De acordo com Iritani, um primeiro passo para quem quer aderir à economia circular é entender qual o seu momento. “Há varias estratégias e a empresa não precisa adotar todas elas – tem que ver o que faz sentido ali, qual seria a abordagem”.
Para ajudar neste processo, a Upcycle, em parceria com a CNI e a USP, lançou uma plataforma gratuita chamada Rota de Maturidade para a Economia Circular. Por meio deste sistema, a empresa faz um cadastro e um autodiagnóstico para saber seu grau de maturidade, seus gaps e de que forma pode começar a adotar boas práticas. No final, a empresa recebe recomendações para fazer o melhor uso dos recursos naturais e ter ganhos econômicos.
“Não se trata de opção. Não tem saída: ou as empresas entram de cabeça na economia circular, ou não vão sobreviver. A tendência é termos cada vez mais regras e regulamentações a este respeito. As métricas estão sendo estabelecidas e os produtos com alta emissão provavelmente passarão a ser proibidos – já existem restrições de comercialização na Europa, por exemplo. Então, é preciso fazer esta transição enquanto é tempo”.
*este conteúdo faz parte do Especial “Economia Circular”, publicado mensalmente por NetZero, com o patrocínio da Papirus.
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