Nas últimas décadas temos assistido o crescimento e a profissionalização do 3º setor no Brasil e no mundo. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,o 3º setor é responsável por 1,5% do PIBdo país e, atualmente, gera cerca de 1,5 milhão de empregos. Neste universo complexo e heterogêneo, que já conta com mais de 276 mil organizações da sociedade civil brasileiras, a questão da inclusão das pessoas com deficiência tem se destacado como um importante desafio, pois se apresenta como uma pauta transversal às demais causas sociais. Entre outras questões da diversidade humana, a deficiência aparece como um recorte da etnia, da geração, do gênero e da orientação sexual.
Aos poucos, a sociedade contemporânea tem abandonado o modelo da segregação, onde a estratégia social era criar serviços específicos para este público. Ao invés disso, tem se fortalecido a prática da inclusão, com a perspectiva de se construírem espaços e serviços capazes de acolher todas as pessoas, inclusive as com deficiência. Este desafio tem propiciado a interlocução do 3º setor com os demais (empresas e governo), já que a experiência técnica acumulada pelas organizações dedicadas a atender as pessoas com deficiência passou a ser fundamental para implementar os programas de inclusão no ambiente profissional, educacional e social. Nesta nova concepção, com um mercado tão vasto e em ascensão, o 3º setor tem ocupado um espaço de autoria cada vez maior nas transformações sociais que estão acontecendo em todo o mundo.
No ano de 2006, o Comitê que foi criado em 2002 pela ONUpara redigir o conteúdo da “Convenção Internacional de Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência”, finalizou o texto que reconhece os direitos das pessoas com deficiência à saúde, educação, capacitação profissional e participação no mercado de trabalho, além do acesso aos serviços públicos e exercício da cidadania. A 8ª e última reunião do Ad Hoc, que aconteceu em agosto na sede nas Nações Unidas, em Nova Iorque, contou com cerca de 800 representantes de organizações da sociedade civil de todo o mundo, mobilizadas para subsidiar tecnicamente os representantes oficiais dos 192 paises da ONU nas negociações que resultaram neste documento.
A delegação brasileira teve destaque pela postura conciliadora e pelas propostas que levou à ao longo dos 4 anos em que se trabalhou no conteúdo da Convenção. Nosso país possui a melhor legislação em defesa das pessoas com deficiência na América Latina, mas sua aplicação ainda exige o esforço de todos os setores da sociedade. Entre os desafios, está o cumprimento da Lei 8.213/91, regulamentada pelo Decreto 3.298/99, que obriga as empresas com mais de cem funcionários a contratarem um percentual de pessoas com deficiência. Esse tipo de ação afirmativa ainda é novidade no Brasil, mas existe na Europa e nos Estados Unidos desde 1.950.
Não se discute mais aqui sobre o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, isso já é consenso. O desafio, hoje, é encontrar as estratégias adequadas para capacitá-las profissionalmente e, assim, atender as necessidades do mercado. Se, por um lado, as empresas podem ser flexíveis em suas exigências na hora da contratação de um profissional com deficiência, por outro, há requisitos de qualificação dos quais não podem abrir mão. O primeiro passo para solucionar esta equação é conhecer as alternativas oferecidas pela nossa própria legislação.
Uma oportunidade ainda pouco explorada é a contratação de aprendizes com deficiência, já que as mesmas empresas comprometidas com as cotas de pessoas com deficiência também são obrigadas a contratar jovens aprendizes (Decreto 5.598/05, art. 424 a 433 da CLT). Esta é uma possibilidade de se solucionar a necessidade de qualificação das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que se atende à legislação referente ao contrato de aprendizagem. Contratadas como aprendizes, as pessoas com deficiência podem ser formadas pela empresa e, em seguida, compor a cota de profissionais com deficiência.
Aí entra novamente o 3º setor. O contrato de aprendizagem, que até 2.005 era possível somente entre as empresas e os Serviços Nacionais de Aprendizagem, hoje também pode ser feito com Organizações Não Governamentais, que vêm aprimorando suas metodologias de capacitação profissional deste público e estão disponíveis para compartilhar este missão com as empresas. A Lei 11.180/05 trouxe esta possibilidade e também aumentou a idade máxima do público-alvo de 18 pra 24 anos. O que poucos sabem é que esta mesma Lei extinguiu o limite de idade para a contratação de aprendizes com deficiência. Na prática, a empresa pode contratar um aprendiz com deficiência de 30, 40 ou 50 anos. Esta é uma alternativa inteligente, criativa e viável para vencer a barreira que algumas empresas têm enfrentado na busca de candidatos profissionalmente qualificados, gerando benefícios para ambos os lados.
Uma sociedade verdadeiramente democrática é aquela que trata todos os seus cidadãos com respeito e equiparação de oportunidades. A tecnologia social desenvolvida pelo 3º setor para o trabalho de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade pode e deve ser aplicada no planejamento das escolas, das empresas e dos governos, pois representa uma oportunidade de desenvolvimento e crescimento social.
A deficiência é mais uma das características possíveis ao ser humano. Reconhecê-la, respeitá-la e oferecer os recursos necessários à participação eficaz de todas as pessoas em todos os contextos sociais é um importante passo para alcançarmos um mundo inclusivo, mais justo e igualitário. Este é um movimento de aprendizado coletivo em que uma coisa é certa: todos ganham.
*Flávia Cintra é jornalista, ativista de direitos humanos e desenvolvimento inclusivo. Atualmente é Vice-Presidente do Instituto Paradigma.
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