Ponto de Vista – “O Brasil já se posiciona como uma potência na transição para uma economia de baixo carbono?”

20 de junho de 2010

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Com recursos naturais abundantes para a construção de matrizes energéticas limpas e ocupando a linha de frente dos países em desenvolvimento, o Brasil tem tido sua imagem associada ao que há de mais promissor na economia.
Pesquisa recente encomendada pelo Serviço Mundial da BBC e realizada pela Globescan/PIPA comprova: 41% dos entrevistados consideram o País uma influência positiva no mundo, enquanto apenas 23% afirmam o contrário (em especial no Egito e na Índia). Foram ouvidas 30 mil pessoas, em 28 países, entre novembro de 2009 e fevereiro de 2010.
O estudo, feito desde 2005, mostra que o Brasil caiu quatro pontos percentuais em relação ao ranking do ano passado (de 45% para 41%). Mas mantém a boa imagem, sobretudo na América Latina e na Europa. Para saber se esse otimismo condiz com a realidade quando se trata da evolução para uma economia sustentável, Ideia Socioambiental conversou com quatro especialistas na tentativa de responder à seguinte pergunta:
“O Brasil já se posiciona como uma potência na transição para uma economia de baixo carbono?”

Sergio Besserman Vianna
Não
O Brasil possui grandes vantagens comparativas para realizar a transição para uma economia de baixo teor de carbono, mas para transformá-las em vantagens competitivas é preciso muita gestão do conhecimento, planejamento e trabalho.
Embora alguns avanços importantes tenham ocorrido, como a definição das metas de  redução das emissões de gases de efeito estufa e da forma como pretendemos cumpri-las, ainda não há um posicionamento de governo e, tampouco, uma visão hegemônica na sociedade brasileira,  no sentido de que esse seja o caminho para o desenvolvimento do País.
Esse posicionamento estratégico seria apenas o primeiro passo. Como o processo de precificação do custo de emitir gases de efeito estufa ainda está em andamento, e certamente não terminará em curto prazo, é fundamental articular as ações do setor privado com o planejamento governamental para sinalizar claramente a direção, em especial, dos novos investimentos.
O governo e o País preparam-se para utilizar quase toda sua capacidade de mobilização de recursos financeiros, humanos e de conhecimento para a exploração do petróleo da camada do pré-sal, ou seja, para investimentos relacionados ao mundo do passado, à civilização dos combustíveis fósseis. A economia do passado já está precificada e não há maiores dificuldades para  alavancar no mercado parte expressiva dos recursos necessários à sua exploração.
O desenvolvimento do potencial do Brasil em eficiência energética e a ampliação da oferta das fontes renováveis de energia, entretanto, enfrentam as incertezas decorrentes de uma precificação ainda em andamento. Ao meu ver, caberia ao planejamento governamental sinalizar e até subsidiar os investimentos nessa área, principalmente em inovação tecnológica.
Na área de energia, estamos ampliando a presença estatal e o planejamento onde isso não seria tão necessário e deixando lacunas onde ele é indispensável. Além disso, ainda não existem propostas de reconversão da logística brasileira consistentes, em especial no setor de transportes, com o objetivo de “descarbonização”. Estamos distantes da formulação de um modelo sustentável de desenvolvimento para a região amazônica. Energia, logística e Amazônia são os vetores estratégicos da transição brasileira para uma economia de baixo teor de carbono.
A descarbonização ainda é vista como um custo imposto pelas negociações internacionais que tentam impedir os piores cenários de mudança climática. Para o Brasil, contudo, muito mais do que custo, essa transição é uma grande oportunidade de darmos um salto em nosso desenvolvimento e nos apresentarmos como modelo para o mundo. Essa consciência ainda não se disseminou na sociedade brasileira.
Sergio Besserman Vianna é economista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1999 e 2003

Jose Goldemberg
Não
De acordo com os dados do inventário preliminar do Ministério de Ciência e Tecnologia, em 2008, o Brasil emitiu cerca de 1,9 bilhão de toneladas equivalentes de carbono – cerca de 4% das emissões mundiais. As mudanças no uso da terra e o desmatamento representaram 58% deste total (1,06 bilhão de toneladas).
No “cenário tendencial” do Governo Federal essas emissões atingiram 2,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. O Governo propõe reduzi-las “voluntariamente” a 1,65 bilhão de toneladas, uma diminuição de cerca de 40%.
Isso será alcançado basicamente por meio da diminuição do desmatamento, que reduzirá para 0,4 milhão de toneladas o carbono equivalente. Em compensação, as emissões do setor de energia e agricultura irão aumentar de forma substancial.
O comprometimento do Brasil com uma economia de baixo carbono se reduz à diminuição do desmatamento. Em contraste, o Estado de São Paulo aprovou lei que determina que as emissões de CO2 deverão ser cortadas em 20% (abaixo das emissões de 2005), até 2020.
Jose Goldemberg é físico especializado em produção de energia e um dos principais cientistas brasileiros. Foi reitor da Universidade de São Paulo (USP), secretário de Meio Ambiente do governo paulista e ministro da Educação

Júlio Cardoso
Sim

A trajetória no Brasil é favorável a essa transição. As emissões per capita são cerca de metade da média mundial e várias soluções possíveis já estão sendo concretizadas. A dependência de combustíveis fósseis é baixa, a utilização de fontes limpas e renováveis de energia cobre metade da necessidade total do consumo. Estamos fazendo coprocessamento, progredindo em eficiência energética e usando bioetanol no setor de transportes.
Em nível mundial, o principal desafio consiste em manter o aumento médio da temperatura abaixo de 2°C. Para os países em vias de desenvolvimento e economias emergentes, isso implica reduzir o ritmo de crescimento das emissões de gases de efeito de estufa, o que se consegue descarbonizando a economia, em particular a produção de energia elétrica e o transporte, e também promovendo o uso sustentável dos recursos naturais, incluindo as florestas. Isso está acontecendo no Brasil.
Além disso, ainda é possível melhorar a situação quanto ao uso de energia solar e eólica, biomassa — e, por que não?– também a captura e o armazenamento de carbono. Existem oportunidades de negócio para se desenvolver e exportar tecnologia, como já é o caso dos motores flex e da produção de etanol, que podem ser favorecidas mediante estratégias e políticas visando a incentivar a inovação e removendo obstáculos técnicos e regulamentares.
Em comparação com a Europa, onde há excesso de capacidade de produção, baixa demanda e mercado saturado, nos próximos anos as novas unidades produtivas construídas no Brasil serão certamente equipadas com as mais avançadas tecnologias do ponto de vista de eficiência energética e baixo carbono.
Os resultados estão sendo alcançados por iniciativa própria, com recurso limitado a ajuda externa, por exemplo, para projetos de MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo). Na eventualidade de apoio internacional, objetivos mais ambiciosos poderão se tornar realidade rapidamente.
O Brasil lidera em ambição, sendo possível destacar sua influência no Acordo de Copenhague. Encontrando-se bem posicionado em relação à China, Índia e África do Sul no combate às mudanças climáticas, o País tem condições para consolidar sua posição de liderança, apresentando resultados concretos nesta década e nas futuras. Como se trata de um ponto de vista pessoal, as opiniões aqui expressas não estão relacionadas a qualquer posição da Comissão Europeia sobre o tema.
Júlio Cardoso é integrante da Unidade Política Industrial Sustentável, D-G Empresa e Indústria da Comissão Européia

Peter Madden
Sim (entre as economias emergentes)
Nenhum país do mundo trilha, hoje, um caminho genuíno para o desenvolvimento de baixo carbono. Mas, entre as economias emergentes, o Brasil está mostrando verdadeira liderança e se posicionando para um futuro promissor. O presidente Lula anunciou metas desafiadoras para redução das emissões de gases de efeito estufa, com um corte de 39% abaixo dos níveis projetados para 2020, o que representa uma economia total de um 1 bilhão de toneladas de carbono.
Por meio do protocolo de gases de efeito estufa do Brasil, companhias líderes têm mostrado que estão levando a sério as ações para medir, reportar e limpar seus processos. O Brasil deve estar atento para se desenvolver no sentido real de tornar-se um “resiliente climático”. Por outro lado, há um risco significativo de que o investimento feito hoje possa ser minado pelo impacto das mudanças climáticas no futuro. Além disso, confiar no desenvolvimento intensivo em carbono hoje (como petróleo e carvão) poderia muito bem resultar em falta de eficiência e competitividade no longo prazo.
Também há uma grande agenda de oportunidade. O desenvolvimento de um resiliente climático posicionará bem o Brasil na futura economia global. Levar em conta as mudanças climáticas pode complementar e reforçar outras metas sociais, como redução da pobreza e melhoria nas áreas de saúde e educação.
Identificar as oportunidades “ganha-ganha” é crucial: por exemplo, uma cidade de baixo carbono pode ser projetada para também melhorar a saúde de seus cidadãos, ou a abertura de negócios ambientalmente amigáveis pode gerar saúde em comunidades de baixa renda.
Uma coisa é clara. O Brasil não pode e não deve fazer uma falsa escolha entre priorizar as mudanças climáticas ou o sucesso econômico. De agora em diante, os dois aspectos estão fundamentalmente e intrinsecamente ligados.
Peter Madden é chefe-executivo do Forum for the Future

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