Luciano Gurgel | Yunus: Tempo de Recomeçar

O Financial Times, um dos mais respeitados jornais de finanças do mundo, trouxe na capa de sua edição impressa do dia 18 de setembro, em letras garrafais, a seguinte manchete: “Capitalism, Time for a Reset”. Algo que poderia ser traduzido como “Capitalismo, Hora de Recomeçar”.

Em janeiro de 2018, Larry Fink, CEO da BlackRock, maior empresa de gestão de investimentos, fez circular uma carta aos gestores de empresas investidas pela BlackRock avisando que deveriam limitar seu apetite pelo lucro de curto prazo e focar no crescimento de longo prazo, com foco em trazer uma contribuição positiva para a sociedade.

Um ano antes, a Unilever rejeitou uma oferta não solicitada de aquisição (hostile takeover bid) da Kraft Heinz. O CEO da Unilever, Paul Polman, usou como principal argumento à época que as culturas corporativas das empresas não eram convergentes, e que buscava deixar para a Unilever um legado de responsabilidade social de longo prazo, que ele batizou de Sustainable Living Plan.

Estes são apenas três episódios em que vozes do mainstream vieram a cena dizer que continuar insistindo em fórmulas antigas que visam o lucro acima de tudo, sem levar em consideração o protagonismo dos agentes econômicos na transformação social que desejamos, é não compreender as transformações que se estão processando na sociedade.  Resumidamente: do jeito que está não está dando certo.

Vejamos esta questão sob três prismas distintos: o prisma dos consumidores, o prisma dos investidores e o prisma dos empreendedores.

Os consumidores e seu padrão de comportamento passam por uma transformação sem precedentes. A teoria econômica, mais especificamente a teoria utilitarista, assume axiomas, que são quase dogmas nos quais se precisa acreditar para que a teoria avance. Pois bem, um destes axiomas estabelece que o consumidor toma decisões que produzem a maior quantidade possível de bem-estar. Desde a construção desta teoria, na primeira metade do século XIX, até bem pouco tempo atrás, se assumia que a ideia de maior quantidade possível de bens está associada a maior quantidade – o quanto mais possível – pelo menor gasto possível. Seríamos consumidores que apenas compram o máximo que podemos tentando gastar o menos possível.

Este axioma tem mudado de forma importante nos últimos tempos. Já não somos seres movidos por uma sanha acumuladora que não se importa com as consequências deste ato. Responsabilidade com as cadeias de fornecimento, com a justiça distributiva destas cadeias, responsabilidade ambiental e até consciência geopolítica têm sido aspectos que os consumidores, em maior ou menor grau, levam em conta ao tomar suas decisões de consumo.

Os investidores, por sua vez, começam a entender que seu comportamento e sua visão de mundo ditarão os objetivos das empresas e dos ativos nos quais eles investem. Num passado longínquo, o objetivo único do investidor era o retorno. Passados alguns anos, os investidores perceberam que o retorno não é um valor absoluto, mas que precisava ser ponderado pelo risco que aquele determinado retorno (ou a expectativa dele) trazia embutido. Há alguns anos, uma terceira dimensão entrou definitivamente na equação: a responsabilidade socioambiental. Assim, a dinâmica de tomada de decisões dos investidores passou a ser uma complexa matriz que leva três dimensões em consideração: o retorno, o risco e os impactos de um determinado ativo.

Dica de leitura: Investidores assinam manifesto por ações corporativas contra desmatamento

Dentre minhas atividades na Yunus Negócios Sociais, tenho como um dos focos a conversa com investidores. Converso muito com eles. E tenho ouvido cada vez mais que não é justo que haja prêmios em retornos financeiros para investidores que especulam com ativos que causam desastres ambientais, como o das barragens de mineração, por exemplo. Alguns destes investidores, se adiantando aos reguladores dos mercados, têm preferido se abster de negociar estes papeis, em protesto a um comportamento que julgam divorciado do bem-estar coletivo da sociedade.

O economista americano Harry Markowitz criou a famosa Teoria Moderna de Portfolio, ou a Fronteira Eficiente de Markowitz, na qual postulou que para cada investidor há uma cesta eficiente de portfolio de investimentos que maximiza seu retorno, ponderado pelos riscos associados. Já passou da hora da criação da Teoria Super Moderna de Portfolio, em que a terceira dimensão, a do impacto socioambiental, entre na famosa fronteira de alocação de portfolio.

Por fim, temos o prisma dos empreendedores. Peter Diamandis, fundador da Singularity University, hospedada no epicentro do empreendedorismo mundial, no Vale do Silício, diz que:

“Bilionário não é mais o cara que ganha um bilhão de dólares, mas o que impacta positivamente um bilhão de pessoas”.

Peter Diamandis

Outra forma de analisar esta frase é a seguinte: a grande oportunidade dos negócios atuais está em solucionar problemas sociais. Os grandes unicórnios, startups que passam a valer mais de 1 bilhão de dólares, são, em sua grande maioria, empresas que buscam solucionar um problema social. O Uber busca resolver um problema social, assim como o Airbnb, o Spotify, o Instagram e o Tinder. Com certeza absoluta, os idealizadores de todas estas iniciativas pensaram antes no problema, depois na solução, e então… zaz! Estavam montadas maquininhas de resolver problemas sociais e… de ganhar dinheiro. Muito dinheiro.

É muito raro encontrar empreendedores nos dias atuais que tenham como grande aspiração tornar-se grandes mineradores, exploradores de petróleo ou fabricantes de armas ou de cigarros. O espírito do tempo tem levado esse ímpeto empreendedor na direção de explorar fontes renováveis de energia, de dessalinizar a água, de descobrir a cura para doenças mortais, de tornar a vida das pessoas melhor, enfim.

Quando ouvimos vozes do mainstream virem a cena falar sobre um novo capitalismo e sobre novos papeis dos atores econômicos, não o fazem por culpa ou por retórica pura. Consideradas as mudanças profundas nos três prismas acima mencionados, fica claro que a grande mudança bate à porta. E, como toda mudança, é lenta e gradual. Mas, trata-se de uma mudança que veio pra ficar.

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