O poder das carteiras sustentáveis

O poder das carteiras sustentáveis

Por Marília Arantes

Em entrevista à Ideia Sustentável, a professora Roberta Simonetti, coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis do GVces e uma das idealizadoras do ISE, afirma que, embora seja difícil “tangibilizar um valor intangível” como a sustentabilidade, o sucesso do “fator confiança” reflete-se cada vez mais na rentabilidade das bolsas de valores

Na primeira semana de outubro, em 2008, um colapso na Bolsa de Nova Iorque levou a uma queda de 22,11% das ações do índice Dow Jones Industrial Average. Para evitar o crash, algumas instituições financeiras internacionais chegaram a, literalmente, fechar suas portas; uma medida inútil, seguramente. Desde então, países demoram a retomar o ritmo de crescimento necessário à estabilidade econômica – um paradoxo do capitalismo. Portanto, a estagnação permanece.

Na Europa, sem contar os países mais vulneráveis – como Espanha, Itália e Portugal -, a retomada está difícil até para os mais “fortes”. No Reino Unido, por exemplo, espera-se um ritmo razoável de crescimento apenas para 2015, segundo apontou a revista The Economist, em março de 2013.

Entretanto, passados cinco anos, surgem análises mais elaboradas para o ocorrido durante a crise. Em países que foram relativamente pouco afetados pela instabilidade global, como o Brasil, é possível observar que os produtos financeiros que mais se preservaram continham o fator confiança. Bem como iniciativas da economia verde, cujos ativos indicam a eficácia da introdução de variáveis socioambientais – como os capitais natural e humano – nas estruturas macroeconômicas.

A sustentabilidade corporativa considera principalmente os critérios do conhecido conceito triple bottom line (TBL), expressão cunhada pelo inglês John Elkington, em 1994, que compreende resultados econômicos, sociais e ambientais. Nas bolsas de valores, o surgimento de carteiras e demais produtos financeiros TBL destacam o potencial qualitativo do capital natural (por exemplo, empreendimentos em energias limpas) e do capital humano (negócios relacionados à inserção social), abrangendo o bem-estar do planeta para além da mera visão de capital tradicional – o equivocado progresso no business as usual.

Dentre as iniciativas inauguradas no Brasil, duas da BM&FBovespa foram pioneiras: o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em 2005, em parceria com o GVces, Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o Índice Carbono Eficiente (ICO2), lançado em 2010, junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

Sim, agora yuppies também abraçam árvores! Segundo Roberta Simonetti, coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis do GVces, embora representem uma minoria, os investidores que procuram cada vez mais ações sustentáveis são “mais conscientes dos desafios socioambientais que enfrentamos. Não buscam apenas retorno de curto prazo, mas investem e incentivam empresas que se preocupam com essas questões e as levam a sério, estrategicamente”, assegura.

Ambas as iniciativas selecionam empresas-modelo dos negócios verdes. Mas, enquanto o critério de ponderação do ICO2 considera uma simples matemática – o coeficiente de emissão (em toneladas de carbono) dividido pela receita da companhia -, no ISE “não existem critérios mínimos: a ponderação é definida pelo desempenho do conjunto das melhores empresas”, explica Roberta, em entrevista à Ideia Sustentável, sobre as perspectivas e desafios do programa frente ao crescente papel da sustentabilidade corporativa.

Segundo Roberta Simonetti, o questionário do ISE baseia-se principalmente no tripé de Elkington, embora outras práticas internacionais também agreguem ao questionário de forma convergente e complementar. “A vantagem competitiva que a gestão das questões ESG (econômicas, sociais e de governança corporativa) oferece vai desde o atendimento a mercados que demandam critérios socioambientais até uma melhoria nos resultados financeiros”, analisa.

Em 2012, a valorização positiva do ISE foi de 20,5%, em comparação com o acumulado do ano de 2011, demonstrando-se, portanto, bem mais rentável que o Ibovespa – carteira que reúne as 80 empresas com maior liquidez da Bolsa de São Paulo, cuja valorização foi de 7,4% no mesmo período. No acumulado, desde 2005 – ano inaugural do ISE – até fevereiro deste ano, a valorização das ações “sustentáveis” foi de 143,28%. No mesmo período, o Ibovespa valorizou-se em 79,92%.

Contudo, Roberta adverte: “Se uma empresa trabalha bem a sua cadeia de valor, alguns ganhos podem ser mensurados, outros não.” Todavia, os resultados das carteiras sustentáveis já agradam os acionistas. Primeiro, devido aos ganhos intangíveis, como reputação e compartilhamento de experiências. Segundo, pelos desejados ganhos tangíveis, agregadores de valor, ou por melhorar o desempenho das empresas – geralmente no longo prazo.

Na entrevista a seguir, Roberta Simonetti mostra que ao mesmo tempo em que, para as empresas, pertencer a carteiras sustentáveis significa status, para investidores prevenidos, elas representam benchmarks que garantem uma crescente procura e consequente estabilidade das ações. Além disso, “empresas que inseriram a sustentabilidade como estratégia, antes mesmo dos marcos regulatórios, tiveram um decorrente aumento de lucratividade”, avalia. Pouco a pouco, o fator confiança agrega vida longa ao desenvolvimento e aos investimentos sustentáveis.

Ideia Sustentável: Qual a distinção mais apropriada entre investimentos em carteiras tradicionais e as de sustentabilidade? Qual seria o diferencial do ISE para o investidor?

Roberta Simonetti: Nas tradicionais não existem critérios sobre desempenho socioambiental; leva-se em conta apenas a liquidez das ações. Já carteiras como a do ISE, por outro lado, utilizam metodologias para avaliar e selecionar empresas que se destacam pela sustentabilidade. O diferencial é exatamente este: para um investidor com preocupações que vão além do retorno financeiro, considerar aspectos socioambientais é fundamental. Porém, carteiras sustentáveis selecionam as melhores no grupo analisado, embora não garantam nenhuma “certificação” nem “status de sustentabilidade”. No ISE não existem critérios mínimos; eles são definidos pelo desempenho do conjunto das melhores empresas. Ainda assim, existem muitas questões a serem enfrentadas e espaço para evolução. Mas, de qualquer forma, elas são as que saíram na frente. Espera-se que carteiras de sustentabilidade garantam um retorno, no longo prazo, superior às demais, dado que as empresas selecionadas possuem práticas de gestão que buscam dar perenidade aos negócios.

IS: Que tipo de investidor acredita – apostando – nos benefícios dessas ações?

RS: Ainda é uma minoria. São investidores mais conscientes das questões que enfrentamos e que não buscam apenas retorno de curto prazo, mas têm interesse em investir e incentivar empresas que se preocupam e levam a sério, estrategicamente, essas questões.  No Brasil não temos uma cultura madura e generalizada de investimento, nem em renda fixa e muito menos em renda variável. Para ações de sustentabilidade, então, isso é um nicho. Mas é possível perceber o crescente interesse de alguns grupos como, por exemplo, os fundos de pensão, que têm compromisso com resultados em um horizonte mais longo de tempo. No Brasil e no mundo, investidores institucionais constituem o principal grupo de interesse em Investimento Sustentável e Responsável (ISR), ou seja, nas práticas de investimentos em que se consideram critérios socioambientais desde a análise ata a tomada de decisão.

IS: Visto isso da outra parte, a das empresas, o que elas mais ganham ao serem reconhecidas pelas carteiras de sustentabilidade?

RS: Acredito que os benefícios dividem-se em dois eixos. Internamente, participar destes processos seletivos faz com que a empresa considere muitas questões que poderiam passar despercebidas. Especialmente, quando se passa a compor a carteira, há um estímulo de melhoria contínua: não dá para “ficar parado”: é preciso garantir o desempenho do ano seguinte para não ficar de fora. Esses benefícios são perceptíveis no curto prazo. O outro eixo, o externo, é o lado do investidor e dos clientes/consumidores, cujos ganhos serão percebidos no longo prazo.

IS: Segundo a proposta do ISE, trabalham-se dimensões de tempo em prazos diferentes das carteiras tradicionais (curto, médio, longo)?

RS: Todo investimento está vinculado a um horizonte de tempo, um apetite de risco e uma expectativa de retorno. Existem investidores que podem – e preferem – abrir mão do retorno de curtíssimo prazo em função do retorno futuro. Empresas que consideram questões da sustentabilidade têm maiores chances de sucesso no futuro, estão mais atentas a novas oportunidades e correm menos riscos, sejam ambientais, sociais e de governança.

IS: Atualmente, entre as companhias diferenciadas pela sustentabilidade com capital aberto, quais representam oportunidades de negócios ou tendências de mercado mais proeminentes entre investidores?

RS: Nossa metodologia considera que qualquer tipo de negócio pode ser gerido de uma forma alinhada aos critérios da sustentabilidade. Independentemente de haver inovação, o melhor relacionamento entre a empresa e seus stakeholders, o acompanhamento de indicadores de desempenho socioambiental e outras ações são essenciais para monitorar a forma de gestão de qualquer empresa. O questionário busca identificar aquelas que possuem esse “denominador comum”, que garantam uma gestão mais responsável das atividades corporativas.

Inovação é fundamental para aproveitar oportunidades e tendências de mercado. No entanto, geralmente empresas de capital aberto já estão consolidadas, com modelo de negócios e produtos bem definidos. Nesses casos, é difícil inovar. Algumas até fazem isso, em menor escala, em algum produto específico. Há também as mudam suas fontes de recursos e procuram gerar produtos e serviços com menos impactos ou mais benefícios, ambientais e sociais. As grandes inovações, muitas vezes, acabam vindo de empresas que ainda não têm capital aberto e podem integrar a cadeia de valor de grandes empresas.

IS: No caso do ISE, a FGV agregou uma metodologia à parceria com a BM&F BOVESPA. Existe uma continuidade teórica para se aproveitar esse espaço de pesquisas? Que tipo de profissionais ela envolve mais: estatísticos, economistas, brokers ou profissionais da sustentabilidade em geral?

RS: O papel do GVces é realizar a condução anual do processo, garantindo que o questionário e a metodologia sejam aprimorados e pactuados com a sociedade, por meio de consultas públicas e workshops. Além da análise quantitativa (desempenho) e qualitativa, verificamos documentos corporativos com as respostas das empresas. Esse conjunto de informações é levado ao Conselho do ISE, e constitui a base para deliberação da carteira.

No campo teórico, precisamos avançar. Ultimamente, aumentou o interesse de estudantes e pesquisadores em estudar o ISE e as empresas que o compõem. Buscam correlacionar o desempenho ESG e o financeiro. Porém, esbarramos em uma questão: o compromisso de confidencialidade que temos com as empresas. Não podemos disponibilizar a base de dados (respostas), por isso é tão importante a transparência e disponibilização das respostas pelas empresas. Isso começou em 2011, com oito empresas, e aumentou para 14, em 2012. Ao tornarmos pública a base de dados, poderemos avançar as pesquisas nesse campo, demonstrando melhor o valor dessa iniciativa. Nossa equipe é pequena, mas multidisciplinar. A maioria tem experiência profissional em sustentabilidade empresarial. Além disso, temos um grupo de coordenadores, um para cada dimensão, que nos dá o suporte técnico necessário ao desenvolvimento e aprimoramento da metodologia.

IS: Qual é a melhor forma para avaliar os ganhos com a sustentabilidade? Como fazer com que deixem de ser intangíveis?

RS: Esta questão é difícil de ser respondida. Será possível tangibilizar um valor intangível? Poderíamos medir o valor de uma vida saudável pelo que deixamos de gastar com médicos remédios e internações. Mas e quanto ao valor intangível de “ser saudável”? A felicidade, o bem- -estar, as potencialidades? É possível colocar isso na conta? Quanto vale deixar funcionários satisfeitos? Seria possível correlacionar e medir o aumento de produtividade em função deste bem-estar? E se uma empresa trabalha bem a sua cadeia de valor, alguns ganhos podem ser mensurados, outros não.

IS: Seria a Global Reporting Iniciative (GRI) um padrão eficiente para harmonizar inventários de sustentabilidade? Quais são as maiores dificuldades para a justa mensuração sobre ganhos – sobretudo materiais e lucros – com sustentabilidade?

RS: Sobre as diretrizes para elaboração de relatórios da GRI, este é o padrão mais utilizado e há um grande movimento e trabalho por trás do seu desenvolvimento, multistakeholder e internacional. Hoje existe o movimento para a elaboração de relatórios integrados e, segundo a porta-voz desta iniciativa, balanços financeiros e relatórios de sustentabilidade continuarão a existir. O relatório integrado deve beber dessas fontes.

IS: Segundo a sua experiência, qual background teórico ampara melhor o sucesso destas carteiras? Questões ESG ou o tripé da sustentabilidade, conforme o conceito do triple bottom line de John Elkington – podem oferecer vantagem competitiva e impactar uma carteira de investimentos?

RS: O questionário ISE é baseado principalmente na ideia de triple bottom line, mas outras práticas internacionais também estão presentes. Elas são convergentes e complementares. A vantagem competitiva que a gestão das questões ESG oferece vai desde o atendimento a mercados que demandam esses critérios (mercado internacional, demanda de consumidores, …etc.) até uma melhoria nos resultados financeiros, como apontado pelo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Sustainability Nears a Tipping Point, de 2012. Nele, demonstra-se que empresas que inseriram sustentabilidade em sua estratégia antes dos marcos regulatórios tiveram um aumento de lucratividade decorrente dessa prática.

IS: Em relação às melhores práticas em gestão para a sustentabilidade, você poderia mencionar casos bem-sucedidos de empresas pela trajetória de diferenciação?

RS: Na área acadêmica, temos alguns casos famosos, como o citado pelo administrador Michael Porter sobre a Nespresso. A marca da Nestlé passou a apresentar um crescimento anual de 30% com a venda de café Premium. Esse modelo de sucesso só foi possível porque a Nestlé investiu em uma rede de fornecedores locais capacitados por ela. Antes, grande parte do café era produzida por pequenos agricultores, em áreas rurais da África e da América Latina, dentro de um ciclo de baixa produtividade, baixa qualidade e degradação ambiental, limitando o volume da produção. A empresa, então, decidiu trabalhar intensivamente com os produtores, fornecendo apoio para as práticas de agricultura, de segurança, garantia para empréstimos bancários, além da infraestrutura necessária para medir a qualidade das safras, que serviram de parâmetro para o valor a ser pago pela empresa. Sobre o tema, vale a leitura do artigo publicado na revista Harvard Business Review, Creating Shared Value, de 2011.

IS: Em um plano internacional, entre carteiras referenciais para investimentos em sustentabilidade, como a Dow Jones Sustainable Index, a FTSE4GoodIndex, da Bolsa de Londres, entre outras, quais têm maior repercussão no Brasil? Como as carteiras da BM&F Bovespa se relacionam com elas? Pertencer a “grupos de distinção” pela sustentabilidade facilita um destaque de valor?

RS: Cada índice tem uma metodologia própria para a seleção das empresas em suas carteiras. O Dow Jones, por exemplo, utiliza informações públicas, realiza entrevistas, entre outras formas de análise. Alguns índices do Financial Times baseiam-se na exclusão de setores como armas, bebidas e cigarros. No entanto, há uma iniciativa chamada Global Initiative for Sustainability Ratings (GISR), que tem como objetivo criar um conjunto de princípios comuns para a seleção de empresas e índices ou a avaliação de investidores, o que diminuiria discrepâncias observadas atualmente. O ISE se destaca das demais iniciativas por adotar um processo de construção coletiva da sua metodologia, considerando também a relevância de consultas públicas e workshops.

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