Ricardo Young

Ricardo Young

Um novo modelo de empresa para um novo capitalismo

Por Cláudia Piche

O envolvimento de Ricardo Young Silva com a sustentabilidade vem de muito antes da consolidação do conceito que ele tem ajudado a disseminar pelo Brasil e o mundo. Está no sangue. Do Silva – sobrenome do pai, baiano – herdou o amor às artes, a paixão pela natureza, o respeito à simplicidade, à humildade e ao não preconceito. Do Young – da mãe, filha de americanos do sul dos Estados Unidos, região de protestantes conservadores – carregou o senso de responsabilidade, ética e disciplina.

Ainda aos 16 anos, viu-se no dilema de suceder o pai, fundador da Escola de Idiomas Yázigi. Decidido a encarar a missão, foi estudar Administração Pública – sem jamais perder de vista a formação humanista e espiritual – e encantou-se pelos valores da empresa familiar que se propunha não apenas a gerar lucro para os sócios, mas a capacitar pessoas, formá-las e ajudá-las a crescer. Sob a batuta de Ricardo, o negócio tornou-se referência mundial no mercado de franquias. Conquistou sócios americanos – dando origem à Internexus. E solidificou-se como um laboratório de boas práticas empresariais.

A bandeira da responsabilidade social corporativa foi fincada por Young em todas as entidades de classe que ajudou a fundar e projetar: a Associação Brasileira de Franchising e seu respectivo Instituto, o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) e o Instituto Ethos – do qual foi presidente entre 2003 e 2005. Durante esse período, Young colocou-se no centro do furacão de todas as discussões relevantes sobre sustentabilidade que aconteciam no planeta: Pacto Global das Nações Unidas, Global Reporting Initiative (GRI), ISO, Fórum Econômico Mundial de Davos. Corajosamente, em 2010, decidiu encarar a missão também no cenário político-eleitoral brasileiro, disputando uma vaga ao Senado Federal pelo Partido Verde (PV), na chapa de Marina Silva – candidata à presidência – e do também empresário Guilherme Leal – candidato a vice.

Muito além de espectador atento, portanto, Ricardo Young é um “fazedor” da História. Por isso, Ideia Sustentável julgou não haver personagem mais credenciado no Brasil, hoje, para um balanço do desenvolvimento da discussão sobre sustentabilidade nas empresas, na primeira década do século XXI. O resultado dessa conversa, você confere na entrevista a seguir, concedida aos jornalistas Ricardo Voltolini e Cláudia Piche, respectivamente publisher e diretora de Conteúdos de Ideia Sustentável.

Ideia Sustentável – Quais foram, na sua opinião, os principais marcos da discussão da sustentabilidade empresarial na primeira década do século XXI?
Ricardo Young – Acho que o grande marco da primeira década deste século foi a consolidação dos movimentos iniciados em 1980/90, de responsabilidade social corporativa. Naquela época, discutia-se se RSE era ou não filantropia, obrigação ou não da empresa, substituição dos governos… Essa discussão toda foi muito rica sob o ponto de vista das bases conceituais da responsabilidade social para que, na década de 2000, começássemos a dar espaço para o desenvolvimento de uma nova cultura de gestão.

IS – Quais seriam, então, os sinalizadores dessa nova cultura de gestão?
RY – Esses marcos vamos buscar, ainda na década anterior, na fundação da SustainAbility (1987) e da AccountAbility (1995), que trazem as primeiras discussões sobre a existência de “partes interessadas” e a necessidade de ouvi-las para a mitigação do impacto da empresa e dinamização da própria corporação. Depois, temos o conceito do tripple bottom line, em 99, que fez um divisor de águas imenso e estabeleceu a referência de mercado para a questão da responsabilidade social corporativa. Ainda em 99, nasce o Dow Jones Sustainability Index, mostrando que existe uma questão de mercado, sim, ligada à responsabilidade social, e o conceito de gestão de uma empresa precisa se expandir do econômico para o socioambiental. O que tínhamos, no entanto, ainda era um arcabouço conceitual se constituindo, mas não ferramentas de gestão adequadas. Havia a SA 8000 e a AA1000, mas essas normas ainda norteavam apenas fragmentos de uma gestão socialmente responsável. Aí, na década de 2000, começamos a ver coisas incríveis.

IS – O que você citaria?
RY – Primeiro o Global Compact (julho/2000). E por que ele é tão importante? Porque todas as convenções das Nações Unidas se tornam lei ordinária nos países signatários dessas mesmas convenções. A ONU vinha sentindo uma grande dificuldade com a globalização, na década de 90, porque as corporações passaram a ter peso de países em algumas questões, não só por seu faturamento – que ultrapassava o PIB de muitas Nações – mas também porque os temas multilaterais passaram a ter um impacto de mercado. E essas empresas simplesmente eram muito importantes para deixar de serem ouvidas e participar das decisões. Por outro lado, como incorporar as empresas nas Nações Unidas? Nesse sentido, o Global Compact foi um sinalizador extraordinário, porque colocou o seguinte: se as convenções multilaterais se tornam leis ordinárias nos países, e se as empresas adotam esses princípios em sua gestão, podemos considerar que a responsabilidade das empresas em relação a esses temas é análoga à dos países signatários das convenções. E isso foi fantástico, porque houve um reconhecimento, via Global Compact, de que as empresas são atores globais. E, para tanto, precisam respeitar 10 princípios que o sistema multilateral considera fundamentais sob o ponto de vista do amadurecimento de nossa sociedade: a questão dos direitos humanos, meio ambiente, inclusão de gênero e social, combate à pobreza e outras. Até, finalmente em 2005, a décima cláusula, de combate à corrupção, que foi celebrada em 8 de dezembro daquele ano. Quando as Nações Unidas criam um mecanismo de inclusão das empresas na reflexão sobre as políticas multilaterais e estabelecem como condição para essa reflexão os princípios que regem as convenções das Nações Unidas, as empresas passam a assumir uma megarresponsabilidade institucional em relação à política multilateral.

IS – Logo na sequência, poderíamos dizer que a Global Reporting Initiative (GRI) consolidou e sistematizou essa discussão?
RY – Sem dúvida! Porque se era verdade que as empresas começavam a ser geridas pelo triple bottom line, não menos verdadeiro tornava-se o fato de que o relatório das empresas precisava incorporar a dimensão socioambiental, que não estava contemplada. Como fazer isso? A GRI, com seus indicadores, inaugurou algo, depois celebrado e consolidado com a ISO 26000, que foi inserir o sistema multistakeholder global no conjunto dos princípios de gestão da responsabilidade social empresarial – não vamos falar ainda de gestão sustentável, pois isso veio em 2006. Mas acho que o nascimento da GRI assinala algumas questões importantes. Primeiro: é preciso ter uma ferramenta que balize a gestão triple bottom line. Para que ela seja válida e aplicada universalmente, o processo precisa ser, necessariamente, multistakeholder. Funda-se a GRI, em 99, mas para valer mesmo em 2000, e inicia-se um processo fabuloso de reflexão sobre o que é gestão triple bottom line.

IS – Até que ponto os chamados “princípios” e protocolos selados em convenções internacionais colaboraram para esse processo?
RY –
No decorrer da década aconteceram algumas coisas importantíssimas. Por exemplo, na Convenção de Joanesburgo, a Rio +10, duas iniciativas foram muito significativas: uma dos bancos, com os Princípios do Equador, que começaram a limitar a responsabilidade do capital em relação às conseqüências dos seus créditos. Por mais que eles sejam generosos, sob o ponto de vista da sua abrangência, foi uma sinalização muito importante – menos para o mercado e mais para dentro das próprias instituições financeiras -, porque elas passaram a ter de estudar esse impacto, analisá-lo e considerar a visão sistêmica do processo de crédito, que antes não era a prática dos bancos. Os liabilities estavam muito ligados a riscos convencionais como inadimplência, eventualmente algum risco ambiental, mas ainda eram tradicionais.

Outra conquista emanada de Joanesburgo foram os Princípios de Marrakech, de produção e consumo consciente, no começo muito tímida, porque se tratava de um protocolo que dependia dos ministérios de meio ambiente dos países – inicialmente contou com poucos signatários, algo em torno de 40. Mas depois, no final da década, já sob o impacto das mudanças climáticas, o Protocolo de Marrakech foi alçado a uma das principais conformidades legais a ser promulgada no próximo ano (2012) e que está mexendo com as cadeias produtivas em larga escala. E isso nasceu lá atrás, em 2003.

IS – A consolidação disso tudo veio, efetivamente, com o início das discussões sobre a ISO 26000?
RY –
Certamente. Em 2005, inicia-se o processo da ISO 26000 e, agora, já apoiada nos avanços do Dow Jones, Global Compact, GRI, dos Protocolos do Equador e de Marrakech, tem-se uma massa crítica para levar a principal organização certificadora do mundo a reconhecer que algo muito importante estava acontecendo e era preciso pensá-lo globalmente. Nesse sentido, o exercício multistakeholder da GRI foi fundamental – e como eu estava muito envolvido, participando do conselho que deu início ao processo da ISO 26000, pude perceber muito claramente o quanto as lideranças da ISO se apoiaram nessa massa crítica formada até a primeira metade de 2005.

Certamente teremos de esperar, ainda, talvez dois ou três anos para que a ISO 26000 se torne uma grande referência. Mas já podemos considerá-la, hoje, como o principal marco não regulatório emergindo no mercado. E por que ela é tão importante? Porque não se trata apenas de um processo internacional: é multistakeholder, multissetorial e, pela primeira vez enfrentou os lobbies das grandes corporações mundiais – tanto as do trabalho como a própria resistência dos organismos das Nações Unidas, que se achavam no direito de regular todas as atividades e as macroconformidades. Então, de repente, vê-se a ISO quase que “refundando” a dinâmica de construção de uma métrica global, que toma referências do mercado e do sistema multilateral. Trata-se, sobretudo, de uma iniciativa do capital – obviamente apoiada pelos órgãos de normatização dos governos, mas um fenômeno da globalização: operações globais só são possíveis a partir de padrões globais. Então, quando a ISO toma essa decisão e usa o processo multistakeholder, está estabelecido um movimento poderosíssimo de instalação de uma nova cultura de gestão. O fato da ISO ter decidido que não seria uma norma certificadora foi uma concessão que o mercado em breve vai resolver. Mesmo não havendo uma certificação tradicional, as empresas vão enxergá-la como referência. Os próprios Indicadores Ethos já nasceram fazendo essa convergência. E aí é importante falar deles, no início da década, como uma iniciativa do Brasil que foi muito importante.

IS – Até os Indicadores Ethos, a discussão de responsabilidade social ainda era muito etérea – um conjunto de boas intenções – muito estabelecida no plano moral. E eles tomam a perspectiva de um autodiagnóstico, de uma proposição, de uma escolha de caminhos…
RY –
Sim, eles representaram um processo de autorregulação e autodiagnóstico fundamental para que houvesse engajamento. E o interessante dos Indicadores Ethos é que eles foram se articulando e incorporando todas essas ferramentas no decorrer do tempo. Tínhamos os Indicadores Ethos em comparação com os princípios do Global Compact, com a GRI, com o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) BM&F-Bovespa – que é outra iniciativa importantíssima -, com os indicadores do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). Os Indicadores Ethos não ignoraram, portanto, outras ferramentas, mas as incorporaram, incluindo, agora, a ISO 26000. Creio que, junto com o ISE, fundamentou-se, no Brasil, a superestrutura necessária para a instalação de uma nova cultura de gestão. Até 2006, estávamos falando de responsabilidade social empresarial, portanto, ainda tratando de uma gestão voltada para um novo critério de eficiência das empresas. Já em 2006/2007 – dois anos-chave – recolocamos a questão não mais das corporações, mas do nosso modelo de desenvolvimento econômico. Agora não é mais a empresa que precisa performar no triple bottom line: nosso sistema econômico todo está em xeque.

IS – Nesse contexto, eventos como o documentário do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, os relatórios Stern e do IPCC serviram para acelerar, criar urgência e pautar a agenda de um outro modo?
RY –
Contribuíram, sem dúvida. Naquele momento, chegamos à conclusão de que o capitalismo, da forma como a gente conhece, estava condenado e teríamos de reinventar o mercado. Reinventar tudo! Costumo dizer que, com ou sem mudança climática, isso já iria acontecer. A mudança climática trouxe um componente global e de urgência que as informações anteriores – pegada ecológica, redução da camada de ozônio – não conseguiram sistematizar.

A grande contribuição de 2006/2007 foi mostrar que o sistema estava em risco e o capitalismo precisava ser revisto.  E aí aconteceu uma coisa maravilhosa, porque aquelas empresas que já tinham trilhado o caminho da responsabilidade social começaram a “nadar de braçada” naquilo, a entender a questão da externalidade, da pegada de carbono, da pegada hídrica, da redução das emissões, e, sobretudo, a importância do Protocolo de Kioto nesse processo. Começava a nascer, portanto, a verdadeira revolução na gestão, que é a gestão sustentável.

IS – Chegamos, efetivamente, nesse estágio?
RY – Acho que ainda estamos longe. Devemos considerar, no entanto, que até 10 anos atrás os elementos do fordismo ainda eram muito presentes na cultura organizacional. Nas escolas de negócios, estudava-se a Administração do pós-guerra. Talvez a maior inovação da Administração nos anos 1990 tenha sido a política da qualidade. Todos os sistemas de otimização – como os “cinco S” e Sigma – na verdade eram “camadas adicionais” de um processo de gestão tradicional que tinha como principal alicerce o resultado econômico apoiado no mínimo de custo. Conceitos como externalidade e passivos ocultos, por exemplo, estavam muito distantes.

Pouco antes do choque da mudança do capitalismo (2006/2007), tivemos dois eventos muito importantes. Primeiro, o terrorismo, com o ataque às torres gêmeas (2001) e, depois, o furacão Katrina (2005), que foi aquele desastre (ambos nos EUA). O que aconteceu? As companhias seguradoras disseram: “Bom, como é que nós podemos pensar os seguros se não pensarmos sociedade, pobreza, inclusão social e, de outro lado, se não levarmos em consideração as mudança climática? Não dá!” E, aí, a indústria de seguros, que é extremamente sofisticada, começou a tornar-se um indutor poderoso da própria reflexão sobre os limites de responsabilidade das empresas.

A gestão da sustentabilidade mostrou que as externalidades precisam ser tratadas. E, para tanto, elas impõem um padrão de gestão sistêmica – eficiente no sistema e não eficiente no resultado. Acho que essa é uma transferência de conceito muito importante. Numa gestão tradicional tudo estava subordinado ao resultado, porém não significava uma gestão eficiente.

IS – Podia até ser eficaz, para os padrões da economia clássica, mas não eficiente?
RY –
Exatamente. As empresas, portanto, passaram a sofrer uma pressão por gestão sistêmica, eficiência e tecnologia de ponta como nunca antes. Acho que, agora, entramos na segunda década dos anos 2000 com a mesma clareza que os capitalistas do início do século XX passaram a ter depois do fordismo. Quero dizer, o fordismo mostrou que, para se produzir em larga escala, era necessário organizar a produção para trás, a montante: os recursos, a logística, a cadeia toda. Agora, a década que se inicia, em 2011, traz uma visão de que, para ser empresa no mundo que busca a sustentabilidade, há que se ter critérios completamente novos de aferição, de gestão, de remuneração, de indicadores e assim por diante. Daqui a alguns anos, quando olharmos em perspectiva, veremos que a primeira década do século XXI representou o começo da conformação de um novo modelo de empresa para um novo capitalismo. Ocorre que as empresas andaram mais rápido que o próprio capitalismo.

IS – Por que o capitalismo, como sistema, ainda não se reformou?
RY –
Porque temos políticas públicas horríveis e a lei está sempre a reboque da sociedade; a sociedade avança e as instituições são “esticadas”… Estamos vivendo um marco legal anacrônico para um novo tipo de empresa que está sendo constituída para um capitalismo ainda não reformulado.

IS – Voltando aos avanços da primeira década deste século, você considera que ela também foi um marco do engajamento das empresas no desenvolvimento de políticas públicas?
RY –
Nesse sentido, acho que a Política Nacional de Resíduos Sólidos é emblemática. Porque ela obriga a articulação do privado com o público e tem um elemento de inclusão social muito forte. Resumindo, não haverá possibilidade de fazer reciclagem se não houver ação do poder público na direção dos aterros sanitários; e só é possível trabalhar com aterros de uma maneira adequada se a economia da reciclagem estiver presente no processo, incluindo aí os catadores. Portanto, além de ser uma política que articula o público e o privado, a dimensão da inclusão social em nenhum momento foi colocada de lado. E, se olharmos dinamicamente essa lei, que impõe a engenharia reversa, ela vai acabar criando novas formas e novas dinâmicas de produção. E mesmo de resíduo. Além disso, considero a Política dos Resíduos Sólidos como a “cereja do sundae” na primeira década de 2000, porque delega a todos a responsabilidade pelo pós-consumo. No caso das empresas, não é possível mais pensar o produto em função da demanda do mercado. Se ele atender apenas às demandas do mercado, mas for um desastre no pós-consumo, todas as vantagens comparativas do processo serão anuladas.

IS – Como tem sido a relação das empresas com o legislativo e o executivo, especialmente na questão do lobbie, que sempre foi muito mais poderoso do que o dos demais setores da sociedade?
RY –
A minha interpretação pode até ser criticada, mas é uma interpretação possível. As empresas entenderam, a partir de 2006/2007, que a questão da eficiência socioambiental passaria a ser irreversível. Ou elas liderariam um processo de discussão das políticas públicas ou seriam vítimas delas. A Lei dos Resíduos Sólidos, por exemplo, tramitava há 14 anos. Por que não foi votada antes? Passou a ser do interesse das empresas compartilhar com o poder público a responsabilidade sobre as externalidades e os impactos. E, a partir do momento em que elas entenderamm que seria inevitável, pois passariam a ser penalizadas pelos impactos que produzem, então decidiram trabalhar com o governo, numa visão sistêmica do processo, na qual a empresa faz a sua parte para não ficar com o ônus de tudo. Acho que foi mais ou menos isso que aconteceu com a Lei dos Resíduos Sólidos, e que agora também está acontecendo com a Lei das Mudanças Climáticas. Quem foi o indutor dessa lei? As empresas! Então, acho que toda a aceleração que está havendo nesse marco legal é porque as corporações sentiram que “vai sobrar para elas” se não forem indutoras do processo.

IS – Mas algumas ainda fazem uma trincheira contra, até porque isso aumenta custo, num primeiro momento, não?
RY –
Foi bom tocar nesse assunto, porque tenho visto alguns CEOs dizerem isso. Mas o custo que aumenta agora pode ser pago pelos ganhos ou pela diminuição de riscos futuros.  Antes dessa discussão toda, a empresa era um poço de desperdício. Apenas aquilo que condicionava o single bottom line não significava desperdício, mas todo o resto o era. Hoje esse conceito mudou e as empresas se interessam mais pelas políticas públicas. Vou dar um exemplo importantíssimo. Nós falamos muito de pegada de carbono, Protocolo GHG, Carbon Disclosure Program… Aí vem o BNDES e a BM&F-Bovespa e lançam – este ano – o índice de carbono. Bom, se as ações já vão começar a ser calculadas pelo componente do índice de emissão, então o carbono virou custo, de fato. Diminuir emissões não é mais uma coisa de parecer “bom menino”, ser amigo da natureza e da mitigação. Aí está um bom exemplo de marco regulatório que não é legal, mas nasce no âmbito do mercado, com um certo componente de governo – a participação do BNDES -, e muda totalmente a percepção de custo. Se antes não se fazia inventário de carbono, agora quem não fizer está frito! Sem ele não se consegue nem financiamento bancário!

IS – Todas essas ações estão mudando a regra do jogo. Daria para dizer que, na década passada, jogávamos o jogo antigo e, agora, estamos tentando um novo?
RY – Na década passada fazíamos algumas concessões para um novo modelo, mas ainda se tratava da gestão convencional – uma espécie de software rodando paralelamente à implantação de um novo sistema. É mais ou menos o que está acontecendo: todo mundo está rodando os dois sistemas, mas sabendo que o que vai ficar é o novo. Na década passada, experimentávamos o novo, mas não acreditávamos muito que esse seria o modelo de gestão porque não havia marco regulatório nem consumidor consciente.

IS – A questão do consumo consciente caminhou, porém de forma mais lenta no Brasil do que nos países europeus, por exemplo. Até porque somos consumidores mais recentes, ainda menos engajados. Você imagina que a tendência é uma mudança disso na próxima década? O consumidor passará a consumir levando mais em conta a sustentabilidade?
RY –
Não sei, porque não se pode considerar essas coisas linearmente. Eu não sabia, três anos atrás, que ia consumir um iPad, por exemplo. Não sabia, mas se gosto tanto é porque isso veio de encontro a uma necessidade profunda para a minha vida, que é a portabilidade, a conectividade, a interatividade. As empresas estão buscando uma nova geração de produtos.  Existe uma construção cultural de uma nova geração de produtos, na mente do consumidor, mas ele ainda não está consciente de que está demandando; ele não demanda porque não consegue formular. Mas no dia em que esse produto nasce, torna-se um catalisador de mercado absolutamente descomunal, como acontece com essas novidades da Apple. Ou seja, existem demandas reprimidas. Quando se imaginaria, por exemplo, que uma empresa iria lançar um produto e vender 20 milhões de unidades no primeiro trimestre, com filas enormes de gente dormindo na rua para comprar um produto, como acontece com os lançamentos da Apple? Então, não depende apenas do consumidor, mas, sobretudo, dessas sinapses que o processo de mercado acaba criando.

IS – Quais serão, na sua visão, as megatendências da gestão sustentável para a nova década que se inicia?
RY –
Aponto quatro grandes vertentes. A primeira é incorporar as ferramentas da gestão socialmente responsável na cultura empresarial. O mainstream passa a ser a utilização dos indicadores e das ferramentas da gestão sustentável – todos os indicadores de GRI, ISO 26000 e outros estarão integrados, por exemplo, no sistema SAP.

O segundo driver será preparar as pessoas para a cultura da sustentabilidade. Deixa de ser aquela coisa de contratar um profissional de RSE. Não! É toda uma mentalidade: sustentabilidade não é um atributo do negócio, é a cultura da gestão.

Considero, como terceiro grande desafio, a inovação. Assim como a qualidade era absolutamente fundamental para a sobrevivência das empresas no mercado que se globalizava, a inovação vai estar na razão direta da sobrevivência no mercado sustentável. Necessitamos substituir o conceito de consumo de bens duráveis pelo de uso de bens duráveis, de modo que se possa circular a mesma massa de produtos, sem precisar criar todos os impactos de obsolescência e de renovação.

E, por último (quarta tendência), o que importa para as empresas nas suas estratégias é o marco regulatório que está se consolidando, mas ainda não está formalizado. Temos, por exemplo, de olhar hoje para o que será o Protocolo de Marrakech, em 2012. A lei brasileira de emissões estará em audiência pública em janeiro e fevereiro, para ser apresentada ano que vem. O Protocolo GHG não é uma opção bisonha a ser feita pelas empresas, é a cultura, a legislação sobre o custo do carbono. Amanhã, todos os produtos mostrarão no rótulo qual a sua pegada de carbono, como também a pegada hídrica. Portanto, os marcos regulatórios não legais que estão se constituindo passam a ser os principais drivers de conformidade das empresas, e não os marcos legais. É preciso enxergar, na tendência na sociedade, a possibilidade do marco regulatório de amanhã.

IS – Que contribuição a classe empresarial pode dar quando se envolve num processo político-eleitoral, como no seu caso e do Guilherme Leal, da Natura (candidatos, respectivamente, a senador e a vice-presidente na chapa de Marina Silva, pelo PV, em 2010)?
RY –
Vivemos num país em que a participação das empresas na política tem interesses fundamentalmente lobistas. A cultura estabelecida é essa: as empresas olham para o governo como potencial cliente ou como facilitador de negócios ou, eventualmente, como um obstáculo aos negócios. Não há uma visão de governo como uma dimensão parceira, numa visão de sociedade. Acho que as empresas têm uma grande vantagem, inclusive sobre as ONGs e os governos. Elas conseguem hoje, dentro da cultura de gestão sustentável – e apenas dentro, fora não -, acessar o que há de mais avançado na sociedade. Conseguem catalisar processos tecnológicos e sociais porque estão na vanguarda das inovações. É nas empresas que os laboratórios de sustentabilidade para valer estão sendo arquitetados e as experiências realizadas. As empresas estão no centro dinâmico da discussão sobre a sustentabilidade: não é o governo, não é a academia, não são as ONGs – essas ainda padecem de um corporativismo atroz.

IS – Poderia citar um exemplo desse resultado do engajamento empresarial?
RY –
Veja, por exemplo, a atuação da Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel) e da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) na discussão do Código Florestal. Os ruralistas não falavam com as ONGs, que, por sua vez,  não falavam com os ruralistas. Quem fez a ponte do diálogo foram as associações nas quais as questões da sustentabilidade estão postas – casos do etanol e do papel e celulose. Essa é a face bonita das empresas sustentáveis. A busca da sustentabilidade implica competência multistakeholder, o que pressupõe a construção de soluções que resultam em políticas públicas duradouras. Acredito que essa habilidade multistakeholder, que integra a gestão sustentável, dá às empresas uma condição de articulação e uma legitimidade que as autoriza a participar de políticas públicas de uma forma extremamente eficaz.  As leis de resíduos sólidos, mudanças climáticas, código florestal são bons exemplos disso.

GOSTOU DA ENTREVISTA? Ricardo Young também gravou videodepoimentos exclusivos para a Plataforma Liderança Sustentável. Confira: http://www.youtube.com/watch?v=9XGPOU8iYuQ

Leia também:

1) Entrevista com Fritjof Capra: Abaixo o humanismo individualista

2) Entrevista com Lester Brown: Ele tem um plano B
3) Entrevista com Ricardo Abramovay: A era da inovação e do limite
4) Entrevista com Israel Klabin: A estrada depois da curva

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?