Segundo dia (23/03): O dia dos chefes de estado
FHC e Dominique de Villepin falam sobre passado e futuro da sustentabilidade em Fórum Mundial
O segundo dia do 3º Fórum Mundial de Sustentabilidade começou com uma notícia triste: a morte do comediante Chico Anysio. Após um minuto de silêncio, teve início a palestra que, por ironia do destino, seria uma das mais bem humoradas: a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Hoje foi “o dia dos chefes de Estado”, segundo João Doria Jr., presidente do Grupo de Líderes Empresariais – LIDE. FHC dividiu as atenções com o ex-ministro francês Dominique de Villepin.
Lotada de líderes de empresas, a palestra de FHC causou frisson. Fotos, aplausos calorosos e até uma invasão no púlpito: uma ex-parlamentar invadiu o palco para abraçá-lo, tomando o discurso dele por cinco minutos para contar a história de sua admiração pelo ex-presidente. “Aos 80 anos, receber uma declaração dessas…”, brincou.
Mudança de marcha
Sua palestra trouxe o tema do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável – de Estocolmo até os dias de hoje. Uma mudança de atitude radical, como exemplificou, citando a fala de um ministro, em 1972: “Bendita poluição!” À época, o movimento verde era visto como um impedimento ao progresso.
Para FHC, a Rio 92 foi de extrema importância por reunir, pela primeira vez, líderes mundiais em torno da questão do meio ambiente. Hoje, afirma que para o Brasil evoluir em direção à sustentabilidade, precisa olhar para o desmatamento. “Entretanto, o imaginário coletivo do brasileiro está relacionado a um certo medo da floresta. É difícil mudar essa mentalidade”, ponderou.
Quando era presidente, na mesma época do ex-presidente americano Bill Clinton, disse que os dois estavam entre os que tentaram estimular a adesão ao Tratado de Kyoto. Sem sucesso, pois as forças internas de cada país não colaboravam – e a ideia de que “quem poluiu foram eles, não nós” ainda estava muito arraigada.
“Essa passagem de aceitar o desafio comum apesar da responsabilidade histórica é muito custosa. Conseguimos criar uma certa mentalidade de Estado para o meio ambiente, mas na hora de convencer outros ministérios… Essas relações são difíceis de amalgamar. Poderíamos ter avançado mais, mas a consciência era outra”.
No âmbito global, destacou que o equilíbrio de poder está mudando e o sistema também precisa mudar. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, foi criada pelos “vencedores” da Segunda Guerra Mundial e não tem poder executivo para tomadas de decisão. “Precisamos de organismos focados em desafios e soluções. Os líderes globais não estão pensando o tempo todo em meio ambiente”.
No Brasil, o senso de urgência, afirmou, precisa fazer parte da vida da população. Para isso, sugere discussões e projetos nacionais mais claros nesse sentido, independente de governo.
E, para finalizar, destacou o desafio moral. “Temos de fazer porque temos de fazer. Não é pra amanhã, é pra já!”
Lévi Strauss já sabia
Entre otimismo e pessimismo cautelosos, Dominique de Villepin, ex-primeiro ministro francês, deu início a sua palestra de forma quase metalinguística. “As palavras ‘ameaça’, ‘desafio’ e ‘colapso’ estão sendo bem mais usadas do que ‘sonho’, ‘esperança’ e ‘utopia’”, afirmou.
Para o francês, a vida na Europa torna-se cada vez mais difícil. E a solução está, literalmente, na energia a ser empregada: eficiência energética para casas, transportes e infraestrutura de cidades, desenvolvimento de opções renováveis e projetos transnacionais de energia eficiente.
O sucesso de leis como a Grenelle (para evitar o greenwashing), na França, chamaram a atenção do país para a sustenttabilidade. Dado a filosofar, como um bom francês, Villepan destacou: “As ideias verdes são as do Humanismo, somadas às do Iluminismo e corrigidas pela História. A reconciliação com a natureza é fundamental para criarmos uma identidade comum.”
O senso de unidade entre as nações precisa crescer, segundo o ex-primeiro ministro, e o Brasil pode ser um pivô para criar uma relação forte na América Latina. “Os países pequenos olham com desconfiança para a sustentabilidade, por isso precisa-se de um intermediador. O Brasil pode se tornar símbolo de uma economia equilibrada, mas precisa haver diálogo.”
O antropólogo Lévi Strauss, que chegou a morar no Brasil, já refletia sobre o tema. Dizia, segundo Vellipin, que o progresso levou a humanidade à sua própria negação. E podemos mudar essa história. “Então, vamos seguir o caminho em direção ao diálogo”, pontuou.
Ele não veio para agradar…
“Sonâmbulos, estão nos levando a uma crise épica.” Essa é a visão das atuais lideranças políticas para Kumi Naidoo, presidente do Greenpeace Internacional. Com vídeos de campanhas da organização, divertidos e ácidos – um deles mostrava Ken terminando o namoro com Barbie porque as caixas que embalavam a boneca vinham de madeira de desmatamento da Indonésia –, o palestrante mobilizou a todos.
E a campanha exibida como exemplo alcançou seu objetivo: seis semanas após seu lançamento, a fabricante do brinquedo, a Mattel, assumiu o compromisso de tornar suas embalagens sustentáveis.
Apesar dessa vitória, o realismo de quem vê as mudanças climáticas, literalmente, de perto não o deixa otimista. “Estamos ganhando batalhas, mas perdendo a guerra.”
Para Naidoo, se não começarmos a contestar empresas irresponsáveis de forma enfática, não chegaremos a lugar nenhum. “Acreditem ou não, tenho amigos CEOs. E eles se dizem sufocados pela pressão do curto prazo. Esse mesmo curto prazo que nos levou a diversas crises.”
A única corrida importante – destacou – é a verde. E quem sair na frente sairá ganhando, à exemplo da China. “No primeiro trimestre de 2010, o país foi o maior investidor em energias renováveis. O Brasil pode fazer parte disso.”
Sobre a dicotomia mundial que pode ser quebrada em prol de uma “família global”, o sul-africano ainda deu outra cutucada no queridinho dos BRICs: “Não tratem o restante dos países em desenvolvimento como fomos tratados pelos desenvolvidos (…). Espero que em 2014 vocês comemorem duplamente: a vitória do Brasil na Copa e a da legislação definitiva contra o desmatamento.”
E aí, vamos encarar?
Para encerrar o dia, Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, falou sobre as perspectivas do setor para a economia de baixo carbono no Brasil. Amanhã, a ativista Bianca Jagger e o líder indígena Almir Suruí darão o tom a mais discussões no Fórum. Continuamos ouvindo – e refletindo.
* A repórter Cristina Tavelin viajou a Manaus a convite da organização do evento.
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