Diálogos para a sustentabilidade

7 de novembro de 2011

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Diálogos para a sustentabilidade - Ideia Sustentável

Por Carlos Alberto Mourthé Junior

Em meio à disseminação de informações relacionadas aos problemas socioambientais globais e frente às ameaças na estrutura da biosfera emergem nas sociedades as mais diversas iniciativas, na busca do desenvolvimento de práticas sustentáveis. Elas se inserem na configuração de uma rede planetária, na qual se perceba – como resultado das atividades humanas –, a satisfação das necessidades da atual geração, sem comprometer o potencial das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades.

Dentre os mais diversos segmentos sociais envolvidos na discussão da sustentabilidade, o ambiente corporativo, em especial, encontra-se em um ponto nevrálgico nesse contexto. Como sistemas relacionados a praticamente toda a dinâmica produtiva global, aos processos de extração e beneficiamento de recursos, disseminação global e consequente geração de resíduos, as organizações têm sido alvo de muitas cobranças pela degradação socioambiental.

Por outro lado, não existe um sistema em que o acolhimento de práticas voltadas para a reversão dos atuais padrões de geração de impactos em seus processos tenha maior potencial transformador. E não são poucas as forças sociais (internas e externas) que, de alguma forma, têm estimulado as empresas a integrarem reflexões e ações de cunho socioambiental aos seus planejamentos estratégicos. Um movimento que vem se disseminando globalmente.

No entanto, esse cenário revela um importante antagonismo nos processos decisórios dos sistemas produtivos. De um lado, a tradicional convergência de energia em torno da maximização dos lucros e aumento das vendas. De outro, a emergente necessidade de se integrar a um movimento que tem como um de seus principais fundamentos a necessidade de redução do consumo de bens planetários.

Levando em consideração que esse dilema acontece numa aparente transição paradigmática – em que novos conceitos e reflexões confundem-se em meio aos padrões culturais vigentes – não é de se estranhar que muitos dos investimentos empresariais em torno do tema sustentabilidade se concentrem na divulgação e marketing de ações periféricas. Enquanto isso, os processos produtivos, de gestão e relacionamento com stakeholders se mantêm sustentados em bases convencionais de produção.

O dilema pode até parecer sem solução, quando refletido a partir de valores e crenças pertinentes à cultura na qual estamos imersos. Dessa forma, qualquer reflexão sobre novas abordagens dos problemas expostos exige, primeiramente, a discussão de alguns fundamentos relacionais dessa cultura.

Fundamentos de uma cultura científica

Quando Ceruti (1998) afirma que a filosofia cartesiana explicita, de maneira paradigmática, uma série de afirmações que atravessam toda a história do pensamento ocidental, o autor nos apresenta um importante pano de fundo de uma rede de comportamentos cotidianos.

A criação da Ciência e a extraordinária expressão tecnológica consequente promoveram grandes mudanças no panorama social. As máquinas passaram a fazer parte do cotidiano e, juntamente com esse “sucesso”, ampliou-se a crença humana em sua capacidade de manipulação e controle.

Nesse sentido, temos construído uma cultura que apresenta elementos dissonantes do próprio tecido da vida no planeta, das difusas e intrincadas dinâmicas, sistêmica e biológica, que são balizadoras dos padrões evolutivos da vida e nos permitiram sustentar e prosperar como espécie.

Nossas relações educacionais de trabalho e mercado, incluindo clássicas teorias econômicas e da administração, muitas vezes são pautadas pela desconfiança da diversidade e autonomia, valorização do controle externo e uniformização, racionalização dos processos e decisões. A razão como marco regulatório contra as impertinências promovidas por emoções e instintos geradores de problemas coletivos.

É nesse panorama de antagonismos que se amplia socialmente o número de pessoas preocupadas e dedicadas a uma causa planetária, bem como o de profissionais formados com o objetivo de contribuir com caminhos para a sustentabilidade. A reflexão trazida neste artigo diz respeito às bases relacionais, abordagens envolvidas na construção de uma cultura para a sustentabilidade, com a qual essas pessoas se envolvem. Como podemos refletir sobre novas ideias planetárias sem repetir as mesmas relações dicotômicas, de embates e negações mútuas, que vêm permeando o tecido dos problemas que hoje tentamos solucionar?

Caminhos para a sustentabilidade corporativa

Temos produzido boas reflexões sobre a complexidade e interligação dos sistemas terrestres. Registramos avanços na integração de variáveis e descobertas, consequências sistêmicas de problemas que antes eram inofensivos. Surgem importantes exemplos de práticas, vinculadas a baixos impactos ambientais, inspiradas nos processos da natureza. Mas se nossas tecnologias da engenharia já se articulam nesse sentido, as educacionais – que trazem reflexões sobre os padrões de relação humana envolvidos na geração dos problemas socioambientais sistêmicos – parecem não acompanhar a mesma inspiração.

Os sistemas corporativos podem ampliar as reflexões sobre seus processos relacionais com os stakeholders. Desenvolver abordagens sistêmicas, que colaborem para a produção de reflexões e soluções transdiciplinares e levem em consideração principalmente a complexidade e os processos biológicos, relacionados com alterações no domínio comportamental, em busca de mudanças culturais. Mudanças que não se limitam à inserção de elementos de sustentabilidade nos discursos corporativos, nas estratégias de marketing ou nos planos de metas das instituições. Mas que integram possibilidades criativas e transformações, na construção coletiva de uma nova cultura nos sistemas produtivos e sua ampliação em rede junto aos stakeholders.

Nós humanos, ao mesmo tempo em que conservamos padrões biológicos próprios dos seres vivos, e outros particulares de nossa espécie (Homo sapiens), somos indistintamente frutos dos mecanismos geradores de diversidade, característicos da vida. Um olhar sobre aquilo que se conserva em nós, em termos evolutivos (nossa natureza), em meio à expressão da diversidade presente nos indivíduos, pode nos trazer elementos importantes para a construção de reflexões culturais transformadoras.

Cooperação e competição em sistemas humanos

O mais importante grupo de teorias sobre a evolução das espécies foi desenvolvido por Darwin e tem na seleção natural uma de suas mais disseminadas produções. Sua extrapolação social, conhecida por Darwinismo social (embora negada por Darwin e fruto de inúmeras discussões a respeito de sua gênese na própria teoria), vem contribuindo historicamente para a consolidação de discursos sociais que justificam a ascensão dos mais aptos em detrimento dos inaptos, legitimando o poder e valorizando o potencial competitivo como atributo diferencial no sucesso dos indivíduos. Esse desenho de um homem egoísta e competitivo vem recebendo importantes reflexões contrastantes, que tendem a reafirmar o papel fundamental, e muitas vezes preponderante, de nossa biologia cooperativa na formação do tecido social.

Recentes estudos do grupo do pesquisador Michael Tamasello do Instituto Max Plank na Alemanha, baseados em experimentos que envolvem comparações de comportamentos de grandes primatas e crianças de dois anos, identificam nos fundamentos solidários e cooperativos o mais expressivo diferencial entre humanos e outras espécies de grandes primatas (Hermann et al. 2007). Ratificam assim um corolário de teses como as de Maturana (1997), que define o amar (aceitação do outro como legítimo outro no espaço de convivência) como uma emoção que funda o social.

Estímulos para a transformação social, centrados na ação individual desagregada – cada um deve fazer a sua parte – e outros, centrados em emoções competitivas, se mantêm entre as danosas consequências de uma sociedade culturalmente individualista. Diante desse panorama, a valorização e o investimento nos atributos cooperativos humanos emergem como poderosos fatores de reversão de problemas socioambientais, já que as formas heterônomas – baseadas em um controle externo – de regulação social parecem não surtir o efeito socialmente desejado.

Sistemas vivos e a determinação estrutural

Amparado por uma série histórica de estudos sobre neurociência, desenvolvidos com colaboradores, Humberto Maturana (1997) afirma que somos seres determinados em nossa própria estrutura. Com essa expressão, traz à tona a ideia de que nada externo a um observador é capaz de especificar suas mudanças internas. Uma proposição dissonante das bases do pensamento ocidental contemporâneo, no qual o controle – expresso nos modelos hierárquicos – é valorizado na busca da ordem e do progresso.

Por mais previsíveis que pareçam os resultados sustentados nas ações corriqueiras de controle, essa aparente e frágil previsibilidade depende do constante afluxo de energia por parte dos indivíduos ou sistemas que pretensamente controlam ou instruem. Quando o poder de controlar as variáveis necessárias ao alcance dos objetivos não é capaz de acompanhar as complexas configurações que emergem no sistema, frequentemente surgem problemas sistêmicos e danos à organização.

Os sistemas vivos evoluíram em diversidade e a autonomia é um atributo que confere plasticidade na relação com um meio em contínua transformação. A valorização de uma arquitetura relacional, que leve em consideração e aproveite de forma sinérgica esses atributos biológicos adquiridos evolutivamente, não poderia ser menos dispendiosa em termos energéticos do que o investimento na uniformização e controle, em busca de objetivos determinados hierarquicamente (incluindo aí a hierarquia do conhecimento)?

Quando a biologia é levada em consideração nos sistemas humanos, surgem possibilidades de reflexão sobre transformações culturais, não mais por fundamentos de controle, mas considerando o potencial de autonomia e cooperação do sistema. Considerar a diversidade e sua inerente imprevisibilidade como substrato das relações entre seres humanos pode fazer surgir um trabalho sustentado na confiança das possibilidades que emergem nos acordos coletivos, envolvendo as premissas dos grupos que se integram cooperativamente.

Como temos convivido culturalmente com a diversidade nas organizações humanas? A valorização dessa diversidade, preconizada em diversos discursos sociais, tem sido vivenciada nas comunidades como um atributo inerente, que confere resiliência e longevidade ao sistema e ecossistemas, além de promover a legitimidade coletiva aos objetivos – no caso exclusivo dos humanos – ou tem sido tratada como um problema peculiar a ser tolerado e reduzido frente às verdades uniformizadoras?

Construção da realidade

Somos seres intrinsecamente diversos e geramos mundos diferentes no olhar. A luz de um objeto que nos chega aos olhos ou as partículas de ar que nos fazem vibrar o tímpano, oriundas de um instrumento musical ou das cordas vocais de uma pessoa, são apenas parte de um contexto complexo – que envolve nossas emoções, interesses, crenças, história de vida etc. – no processo de construção da realidade de cada um. Mesmo assim, grande parte de nossos processos educacionais, na forma mais ampla do termo, continuam usando apenas uma realidade objetiva no processo de formação e transformação do indivíduo por essa via uniformizadora. Uma realidade objetiva, externa, baseada em características intrínsecas dos objetos e não nas diversificadas relações entre observador e objeto. Conhecimentos verdadeiros e isentos, construídos à luz de um grupo de notáveis, contemplariam a humanidade com a indicação de caminhos corretos, capazes de nos conduzir à prosperidade em todos os sentidos – que apenas não são ainda alcançados devido às miopias humanas em perceber a clarividência das teorias e fatos. Um grande investimento social na produção de conhecimentos, sem uma contrapartida de investimentos nos potenciais de convergência humana, em torno da construção de caminhos coletivos.

Disposições corporais que fundamentam domínios de ação

O mito de captar uma realidade externa de forma isenta, por meio da razão, cai por terra quando Antônio Damásio (1995) nos afirma que a natureza não criou o instrumento da racionalidade por cima do instrumento de regulação biológica (emoções, instintos, impulsos), mas a partir dele e com ele. Essa ideia se amplia com a contribuição de Maturana (1997), segundo o qual as emoções não apenas razão, mas configurações complexas do sistema nervoso, que fundamentam ações, dentre elas as elaborações racionais. Uma complexa rede nervosa que inviabiliza qualquer reflexão sobre a realidade, sem levar em conta o observador.

Vivemos uma multidimensionalidade emocional. Modificam-se continuamente as emoções e, assim, as características dos nossos fazeres, nossas decisões. Em um momento estamos irritados, em outro, movidos pelo medo, em instantes, alegres, motivados… São, portanto, diferentes tipos de emoções que estão por traz daquilo que um observador percebe como comportamento. Quando ampliamos essa reflexão para a coletividade também percebemos que grupos culturais apresentam emoções recorrentes disparando seus fazeres: “A violência impera naquela região”, “Fazer negócios com empresários desse estado é muito mais difícil”, “Aquela é uma família muito solidária”, “É impressionante como os funcionários daquelas empresas envolvem a sustentabilidade em suas práticas”.

Mas se, mesmo diante de todas as peculiaridades emocionais que sustentam as ações individuais e culturais, existe um amálgama social cooperativo, por que ainda insistimos na hipertrofia desão indissociáveis da verdades em um ringue social competitivo e não no potencial integrador de nossa espécie em meio à diversidade? O movimento ambientalista não estaria substituindo verdades antigas por novas verdades? Não estaria investindo intensamente no fortalecimento de balizadores heterônomos, verdades externas, na busca de transformar comportamentos por meio do controle racional de grupos em nome do bem?

Uma rede de diálogos para a sustentabilidade

A proposta de uma rede de diálogos para a sustentabilidade se apresenta como uma abordagem educacional sistêmica. Destinada à construção de uma cultura coletiva para a sustentabilidade, a ser desenvolvida por educadores capacitados junto a comunidades humanas, com interesse em repensar seus processos de forma abrangente e cooperativa, e mediar relações entre grupos com interesses divergentes no que se refere à questão planetária.

Essa rede busca repensar o papel social do diálogo, estimulando o desenvolvimento de bases relacionais fundadas no substrato diverso dos indivíduos e culturas, no investimento do potencial cooperativo de nossa espécie, além da emergência da autonomia em ações em rede para a sustentabilidade. Nesse sentido, essa abordagem envolve os participantes em reflexões que buscam:

• Estimular a emergência de um sistema por meio de fatores comuns de convergência entre os integrantes dos grupos de trabalho;

• Promover a socialização de emoções e crenças pertinentes aos integrantes do sistema;

• Reconhecer emoções recorrentes que fazem parte e são legitimadas pela cultura do sistema (ou dos sistemas dos quais fazem parte os integrantes do grupo);

• Envolver os integrantes em situações relacionais diversas (especialmente dialógicas), buscando identificar e discutir padrões e características paradigmáticas, como:

– Formação de dicotomias e imposição de verdades

– Construções de causalidades lineares

– Reflexões sobre justificativas racionais e suas relações com os fundamentos emocionais das ações – identificando congruências e incompatibilidades

• Estimular a formação de uma rede cooperativa;

• Desenvolver novos diálogos – gerativos – ampliando os loops reflexivos e sua compreensão sistêmica;

• Refletir de forma sistêmica os processos e atividades desenvolvidas pelos integrantes em seus sistemas, e ampliar as conexões planetárias com o uso das mais diversas ferramentas, dentre elas as mídias sociais;

• Coconstruir uma arquitetura conceitual que compatibilize os processos internos do sistema às reflexões sistêmicas sobre sustentabilidade, incluindo reflexões amplas sobre os debates contemporâneos a respeito do tema;

• Compatibilizar os interesses gerais do grupo de trabalho com ações para a sustentabilidade, atingindo metas que atendam ambos os requisitos;

• Identificar tecnologias da sustentabilidade adequadas ao grupo participante do programa;

• Promover, no âmbito do grupo social interessado, uma cultura da sustentabilidade que seja liderada pelos próprios atores do grupo em questão.

• Refletir sobre abordagens causais e complexas envolvidas em processos de soluções de problemas;

• Disparar, por meio de situações-problema,legitimadas pelo grupo, a formação de uma rede solidária de conhecimentos transversais, capazes não apenas de positivá-lo (abordar problemas por uma perspectiva de sua solução), mas também de construir percepções ampliadas do contexto em que ele se insere, abordando de forma sistêmica as relações distinguidas na reflexão;

• Estimular a emergência de integração das práticas peculiares ao sistema produtivo e aquelas que tenham emergido na rede de diálogos e práticas para a sustentabilidade.

A formação de uma rede de diálogos para a sustentabilidade se estabelece por meio da integração de grupos envolvidos em rede, disseminação dos novos padrões relacionais de forma autônoma e cooperativa, catalisando a integração entre sustentabilidade relacional e planetária.

Carlos Alberto Mourthé Junior é professor associado da FDC, professor da PUC Minas IEC, autor de livros didáticos, consultor pedagógico da ONG France Libertés e consultor de programas educacionais junto a instituições de ensino e empresas.

(Este artigo foi enriquecido por diálogos e trabalhos com a professora Cristina Magro, que também contribuiu com a leitura do texto e sugestões. Publicado originalmente na Revista DOM Nº 15 (2011) – Edição Especial de Sustentabilidade – da Fundação Dom Cabral)

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