De um pensamento único para um pensamento sistêmico

29 de novembro de 2012

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Por José Gonçales Júnior 

O mundo atual é marcado pela complexidade na qual países, sociedades, sistema produtivo e culturas evoluem causando grandes externalidades ambientais e impactos sociais ao longo de sua história.

As mudanças climáticas e seus indesejáveis efeitos globais e regionais (a exemplo dos prejuízos causados pelo furacão Sandy na costa leste dos Estados Unidos), o crescimento desmesurado das cidades, com a consequente degradação da qualidade de vida intraurbana e as crises econômicas cíclicas que giram ao redor do mundo, avassalando economias européias e gerando recessão nos Estados Unidos, apontam para sintomas que não podem mais serem interpretados de forma isolada, como fenômenos estanques, ou fatos que não podem ser correlacionados: há uma crise no nosso modo de produzir, de consumir e de construir nossa “civilização global”.

A questão que se coloca aqui não são as dimensões, nem como as crises econômicas, sociais ou ambientais se correlacionam, mas, porque grande parte dos especialistas, governos, empresas e da população mundial não conseguem entendê-las, mitigá-las? O que está em crise afinal: nossa forma de pensar o mundo, que não consegue mais compreender o mesmo.

Há mais de 300 anos a humanidade vem se desenvolvendo economicamente baseado no paradigma científico descartiano “René Descartes”, que separou o homem da natureza, expondo que o primeiro se caracteriza pela capacidade de pensar de forma isolada e externa à natureza (res cogitans). Sendo assim, nosso modelo econômico foi construído com base em um imenso esforço de gestão e administração dos recursos naturais, focado na satisfação não somente das necessidades básicas do ser humano, como também no seu imenso poder criativo.

Tal evolução produtiva, refletida na industrialização do século XVII aos dias atuais, ocorreu de forma a construir toda uma rede de conhecimentos científicos e de gestão, que fatalmente isolou o pensamento humano de sua matriz externa ou natural (res extensa); ou seja, não incorporamos o ato de refletir a respeito do que nossas ações produtivas causam em nosso entorno, em nosso planeta e em nossas sociedades: viemos gerando ao longo dos séculos as chamadas externalidades do processo produtivo e de consumo, que não eram expostas nas análises econômicas, nos balancetes das empresas ou nas preocupações governamentais. A humanidade havia se separado do planeta, e a natureza foi transformada apenas em recurso natural, abundante e infinito, disponível para suprir as cadeias produtivas de uma parte da humanidade, ávida por se desenvolver de forma infinita e irresponsável.

O que o aquecimento global, a poluição e diminuição dos peixes nos oceanos, a redução da biodiversidade mundial, o aumento da contaminação de aquíferos ou o das crises cíclicas entre os países demonstra é que nossos parâmetros de percepção e leitura a respeito do impacto dos nossos atos e das nossas empresas estão cientificamente e empiricamente equivocados. Não é possível mais conduzir a evolução humana pensando-a isoladamente da evolução do planeta.

O que denominamos atualmente por um movimento global entre empresas, governos e cidadãos pela sustentabilidade futura traz consigo o questionamento a respeito da inviabilidade de continuarmos a nos desenvolver, produzir e consumir de forma ilimitada. Tais movimentos tem buscado em centenas de eventos, fóruns, centros de pesquisa, redes, plataformas organizadas e grupos de trabalho, promover intenso questionamento à respeito dos postulados e leis da economia e da administração tradicional, que promoveu além da cisão do homem com a natureza, um maior grau de dificuldade na compreensão das relações complementares e sinérgicas entre as sociedades e os ecossistemas.

O maior desafio lançado é como pensar diferente, como ensinar diferente, e como gerir de forma diferente, levando em conta que as sociedades, o planeta e o tempo passado, presente e futuro estão interligados, carregando consigo os impactos socioambientais de nossas ações ao longo dos séculos.

Um dos maiores desafios talvez esteja compreendido na quebra do paradigma cartesiano, que se dispôs cientificamente a separar áreas, hierarquizá-las, analisá-las a fundo sem, contudo estabelecer relações entre fenômenos aparentemente distantes. Como desenvolvermos líderes, gestores e cidadãos que pensem não somente para além de suas áreas e visões de mundo específicas (sua caixinha), mas como aprimoramos a capacidade de perceberem os múltiplos reflexos de suas ações e suas decisões dentro das empresas ou em suas comunidades e casas.

Diante desse desafio, que creio ser um dos maiores do século XXI – educar para uma visão sistêmica e transcendental de nossa limitada maneira de ver o mundo, é preciso partir para o campo da compreensão interdisciplinar e sistêmica de mundo.

Uma das possíveis soluções, já apontada por Humberto Maturama (Chile), é considerarmos que a construção do conhecimento no ser humano (res cogitans) não está isolada do matriz do conhecimento e do mundo natural externo ao mesmo (res extensa). O isolamento histórico das duas matrizes se deu devido às instituições de ensino, condicionadas aos modelos econômicos ao longo da história, admitirem somente a matriz humana como a matriz ideal para a construção da sociedade, assim na formação da ciência econômica, a matriz “ecos” de oikos (nossa casa Terra), ficou de fora, e a evolução do modelo científico se deu na direção de aprimorar ferramentas e mecanismos de gestão que elevassem a concentração de riqueza das nações e das pessoas (PIB/Renda per capita), sem quaisquer questionamentos se tal produção de riqueza beneficiava a todos ou se os ecossistemas terrestres suportariam fornecer insumos ou receber os dejetos de tal modelo desenvolvimentista.

Realizarmos um exercício pessoal e coletivo em nossas redes, nossas plataformas, nossas comunidades, nossas empresas e em nossas cidades, de reconstruirmos novos modelos de produção, de geração de serviços e de desenvolvimento humano, onde a lógica humana e a lógica da complexidade do planeta estejam cada vez mais integradas e pensadas como partes de uma mesma arquitetura da vida e das futuras sociedades sustentáveis, é um dos nossos maiores desafios, voltado para educar líderes e cidadãos para a perenidade e qualidade de vida de no presente e no futuro.

O pensamento individualista e dualista entre humanidade e natureza nos conduzirá cada vez mais para o caos e o colapso, de nossos modelos econômicos, de nossas cidades, nossas empresas e até de nossas vidas.

Desprezar todo um conhecimento e um modelo de gestão construído por bilhões de anos, pelos milhões de seres da Terra, autores das estruturas que fornecem atualmente os serviços ecossistêmicos que nos dão suporte à vida, pode nos custar muito caro. Incorporá-lo às nossas maneiras de pensar e planejar o futuro pode nos conduzir a uma busca por maior harmonia entre as nossas sociedades tão desiguais e por modelos econômicos que sejam de fato sustentáveis, perenes e que respeitem todas as formas de vida existentes.

É só o começo, mas estamos todos juntos, nessa luta por uma civilização sustentável, começando pela maneira na qual formamos quem dirigirá o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, nossos netos e bisnetos.

O líder, empreendedor e futuro gestor que está sentado em nossas salas de aula da educação infantil até a pós – graduação tomarão medidas que poderão impactar nosso futuro, tratemos de moldá-las para um mundo que pede por entendimento e compreensão sistêmica, sensível e solidária com as próximas gerações e com o planeta.

José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade pela FGV/SP, consultor em Desenvolvimento Sustentável, docente de pós-graduação em faculdades em Campinas e São Paulo na área ambiental – sustentabilidade e ambientalista.

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