A lógica sustentável dos decroissants franceses

4 de junho de 2007

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Em “Uma Verdade Inconveniente”, o ex-quase futuro presidente dos EUA, Al Gore, usa um exemplo bem-humorado para defender uma das teses de seu filme, a de que se as pessoas não forem submetidas a um “choque”, acabam se acostumando com os impactos no meio ambiente: colocado em um recipiente com água fervendo um sapo rapidamente pula para fora; mas se a temperatura for aumentando devagar, ele se adapta a ela, sem reagir.
A metáfora quer dizer mais ou menos o seguinte: é preciso gerar um “desconforto” para superar uma certa tendência demasiado humana de se adaptar, sem mudar hábitos e comportamentos, ás circunstâncias desfavoráveis que lhe são impostas aos poucos. O quadro do aquecimento global– segundo Gore –exige senso de urgência. E o senso de urgência pede um cutucão bem dado nos que ainda não acordaram para o problema. Isso justificaria, portanto o uso de uma linguagem mais direta, um tom propositalmente alarmista e alegorias sobre o que poderá vir a ser o planeta se as medidas necessárias não forem tomadas no presente.
Ainda na defesa de seu ponto de vista, Gore sentencia que o ser humano demora a “ligar os pontos” de um problema e tomar a decisão correta de enfrentá-lo. E que esse lapso, no caso do aquecimento global, pode ser decisivo para o irreversível desequilíbrio do mundo que será habitado por nossos filhos e netos.
No quadro catastrófico pintado pelo mais influente porta-voz global do combate às mudanças climáticas, os fatos são claros: há consenso científico em relação às causas do aquecimento da terra, todo mundo reconhece a responsabilidade da intervenção humana e a solução passa por uma mudança de comportamentos, de paradigmas e de visões de mundo de pessoas, governos e empresas.
Mudar está longe, portanto de ser uma decisão técnica ou racional. Ela é, sobretudo, de natureza moral e política.
Contrariando a metáfora do sapo, há hoje em todos os cantos da Terra cada vez mais cidadãos sensíveis ao tema que, mesmo sem a pressão de um “choque de consciência”, já começaram a rever atitudes e comportamentos em favor de um planeta mais saudável. Não precisaram ser amedrontados com o anúncio de uma catástrofe. Pelo contraio, formaram consciência aos poucos, a partir de uma leitura baseada em novos valores e princípios.
Enquanto muita gente defende crescimento econômico a qualquer custo, um grupo cada vez maior de franceses, por exemplo, advoga um novo tipo de desenvolvimento: menos consumista, mais justo na distribuição de riquezas e com mais respeito ao meio ambiente.
O movimento tem o nome de “la décroissance”, que significa “decréscimo”. Os “décroissants”, como são conhecidos os seus militantes, combinam a busca do bem-estar individual e de suas famílias com uma preocupação coletiva e ambiental. Acumular dinheiro não os faz felizes, especialmente se a riqueza material decorre da espoliação das riquezas naturais. Para esses franceses, o paradigma econômico é secundário. Na sua lógica, não existe crescimento infinito em um mundo finito, é possível sim viver bem com menos e sem a submissão a objetos ou à tecnologia.
Por essa razão, mostram-se dispostos a gastar mais para adquirir produtos orgânicos, éticos e originários de comércio justo dos países mais pobres. Além da alimentação orgânica, são adeptos da bicicleta como meio de transporte, abominam o telefone celular e todo tipo de tecnologia poluidora. Regra geral, se definem como consumidores minimalistas. E só compram produtos socioambientalmente responsáveis. Radicais ingênuos para alguns, reacionários para outros, os décroissants argumentam, em defesa do seu estilo de vida, que nada mais fazem do que resgatar valores humanos “esmagados pelas engrenagens do sistema capitalista”, como a simplicidade, a justiça, o altruísmo e a solidariedade.
Exemplo de engajamento levado ás últimas conseqüências, eles usam o seu poder de consumo a favor de causas sociais. E também o seu poder de poupança. Hoje, 200 mil franceses, pessoas físicas e empresas, movimentam 888 milhões de euros em fundos de poupança solidária, dinheiro que ajuda a financiar, por exemplo, cooperativas, creches, postos de saúde e escolas em países africanos. O montante ainda é pequeno se comparado aos 2,7 trilhões de euros franceses depositados em poupança. Mas ele vem crescendo rapidamente e hoje representa o triplo do volume de recursos de 2002.
Impossível deixar de observar alguma semelhança entre o fenômeno dos “décroissants” e o movimento “flower power” da década de 1970. Só que, além de paz e amor, os defensores do decréscimo querem justiça social e um planeta saudável. Loucos ou ingênuos, radicais ou apenas militantes, eles representam hoje uma novidade interessante mesmo para uma sociedade complexa como a da França, um desafio para cientistas sociais e um contraponto para um mundo que insiste em caminhar na contramão da simplicidade.

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