Carlos Cavalcanti – A corrida das matrizes

28 de outubro de 2009

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A discussão sobre o papel do Brasil e do mundo frente às mudanças climáticas ganha destaque à medida que se aproxima a Conferência do Clima em Copenhague, onde será discutido novo acordo global para redução de emissões de carbono. Neste cenário, discutir as atuais matrizes energéticas e os investimentos em energias renováveis é essencial para viabilizar a economia de baixo carbono.
Além dos investimentos na área, muito da possibilidade desta transição depende da qualidade das matrizes energéticas que cada país possui, e segundo o diretor do Departamento de Energia da Fiesp, Carlos Cavalcanti, neste quesito, o Brasil só perde para a Islândia e para a Noruega. Mas ele reforça que é necessário prestar atenção no aumento nos preços de energia, fator que pode comprometer a competitividade da indústria brasileira.
Saiba mais sobre os desafios da nova economia de baixo carbono para o setor produtivo.
1. Qual a sua avaliação do cenário para investimentos em energias renováveis no Brasil?

O cenário é mandatório. Não só pelo apelo ambiental, mas também pelo preço.
Segundo o Balanço Energético Nacional de 2009, a participação de energias renováveis na matriz corresponde a 45,3% da oferta interna. No mundo este percentual é de 12,9% e na OCDE 6,6%, de acordo com a Agência Internacional de Energia (dados de 2006).
Quanto à qualidade da matriz, o Brasil só perde, em termos percentuais, para a Islândia (75,5% de renováveis) e Noruega (50,4%).
A conferência de Copenhague será um marco importante para a continuidade da promoção do desenvolvimento sustentável e combate às mudanças climáticas no estabelecimento das políticas energéticas mundiais. Com a provável inserção dos Estados Unidos e a pressão para a entrada da China e Índia, a questão ambiental ganhará força e terá influência na economia mundial.
Na oferta interna de energia elétrica, 85,4% vêm de fontes renováveis. De hidroeletricidade são 80%. Segundo estudos da Eletrobrás, o Brasil ainda possui 70% do seu potencial a ser explorado. Ou 63% se descontarmos os aproveitamentos do Rio Madeira e Belo Monte.
No Plano Decenal de Energia 2008-2017 apresentado pela EPE no ano passado, o aumento da geração térmica foi duramente criticado. Além de perdermos alguma vantagem por termos uma matriz limpa, o preço da energia também aumenta, contaminando a competitividade da indústria no Brasil.
Este fato ocorreu, principalmente, por causa da metodologia de precificação dos leilões, que favorecia as térmicas a óleo combustível e diesel, que geralmente têm um custo de instalação menor, mas a operação é mais cara.
Pelo que está sinalizado no cadastro de empreendimentos para 8º leilão de energia nova A-3, que será realizado no final de agosto deste ano, aliado às novas exigências de compensação ambiental do IBAMA, esta anomalia metodológica foi corrigida, apresentando um número bem menor de inscritos no certame.
Ainda com relação a energias renováveis, o 2º leilão de reserva marcado para o final de novembro, específico para eólica, apresentou uma boa surpresa. São 441 empreendimentos inscritos, totalizando uma potência de 13.341 MW. Para se ter uma idéia, se toda esta energia fosse contratada, a participação da energia eólica subiria de 0,4% para 12,7% da potência instalada no país. Mas ainda é uma alternativa cara se comparada com a hídrica ou mesmo a partir de combustíveis fósseis.
A geração solar fotovoltaica e a térmica solar (concentradores) ainda são opções caras mesmo para os países que não têm muitas alternativas a explorar. Mas temos que acompanhar o desenvolvimento das tecnologias, o Brasil tem um grande potencial solar a ser explorado.
2. Considerando o papel do setor produtivo, quais os principais desafios para a transição da atual economia baseada em combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono, alavancada pela exploração de fontes de energias renováveis?

Como foi dito, o Brasil já possui uma matriz energética limpa. Ainda pode melhorar, mas o principal fator de emissão no país não é a energia, mas o desmatamento.
O desmatamento corresponde a 55% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
3. Que esforços a Fiesp vem conduzindo no sentido de estimular as empresas a adotar tecnologias mais limpas e fontes de energia renovável?

A Fiesp trabalha no sentido de estimular as empresas. Os Departamentos de Meio Ambiente e Infraestrutura-Energia da federação promovem e apóiam eventos e ações neste sentido.
Recentemente a Fiesp instituiu um grupo de trabalho interdepartamental para discutir a posição do Brasil na conferência de Copenhague, que trata, inclusive, do papel das fontes limpas e renováveis na matriz energética do país.
4. Que oportunidades o senhor vê para o Brasil na perspectiva de uma economia de baixo carbono? Que setores se destacarão nesse cenário? Que setores devem investir de forma mais contundente nos próximos anos?
O setor sucroalcooleiro é um dos mais promissores. O Brasil é hoje o 2º maior produtor de etanol do mundo. Atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto, é o maior exportador. Em 2008 foram 5,16 bilhões de litros exportados.
Também no setor sucroalcooleiro, a cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana representou, em 2008, cerca de 5% da energia consumida no país. Considerando que a maior parte das usinas ainda utiliza tecnologia antiga para geração, ainda com caldeiras de 21 Bar de pressão e baixo rendimento, temos um grande potencial para a eletricidade.
As novas tecnologias de produção de diesel a partir da cana-de-açúcar aumentam ainda mais a importância da exploração desta fonte.
Há grande disponibilidade de terras para a cultura da cana, sem a necessidade de avanço em áreas de florestas e sem influenciar o preço de alimentos.
Mas o recurso energético que merece maior atenção é o hídrico. De acordo com o PDE 2008/2017, as novas hidroelétricas estão sendo construídas sem o melhor aproveitamento dos reservatórios e pior, têm perdido espaço para termoelétricas movidas a combustíveis fósseis, mais caras e mais poluentes. O contraditório é que uma das razões é a própria dificuldade no licenciamento ambiental.
Enfim, devemos explorar ao máximo a fonte mais barata e abundante de produção de energia elétrica no país, a hidráulica com reservatórios, que garantem preço e segurança de suprimento.
5. Como o Brasil pode transformar as suas vantagens comparativas, decorrentes da sua matriz energética predominantemente de fonte renovável, em vantagens competitivas de fato, facilitando seu acesso a mercados globais e até mesmo acelerando a sua ascensão ao grupo de países desenvolvidos?

De maneira geral sim. A situação do Brasil quanto à matriz energética pode ser classificada como confortável.
Ainda há algumas ações a tomar com relação à indústria, principalmente com relação à eficiência energética.
Com as possíveis novas regras de controle de emissões, podem ser criadas barreiras comerciais a empresas que não adotem certos procedimentos de uso eficiente da energia ou que tenham índices de emissões de poluentes altos.
6. Nos EUA e Reino Unido, o setor privado já começa a responder aos pacotes de estímulos a energias renováveis feitos pelo governo. Na sua opinião, o Brasil também precisaria de uma política de incentivo tecnológico e industrial para fontes renováveis?

Sim. As fontes renováveis de produção de energia geralmente são mais caras que a energia produzida por combustíveis fósseis. Desta forma é preciso criar programas de subsídio para o uso de fontes renováveis.
O Ministério de Minas e Energia criou em 2002 o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, o Proinfa. Este programa ofereceu a autoprodutores de energia a oportunidade de vender sua energia com contratos de longo prazo e preços convidativos. Apesar do grande potencial contratado (cerca de 3.300 MW), o programa ainda não atingiu seus objetivos.
Ainda quanto aos incentivos, pode-se considerar os leilões de reserva como um incentivo à fontes alternativas, pois se trata de leilões específicos de uma única fonte. No ano passado, foi realizado um leilão de biomassa. Este ano, o leilão de eólica.
7. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a América Latina precisará de 75% mais energia até 2030. Como o setor produtivo tem se preparado para essa tendência?

Especificamente o Brasil está preparado para 2030. Em energia elétrica, os projetos estruturantes como o complexo do Rio Madeira, Belo Monte e Tapajós garantirão boa parte da necessidade de energia elétrica.
Em complemento, mas não menos importante, as reservas do pré-sal, que podem elevar o Brasil, nas previsões mais otimistas, ao segundo lugar em reservas de petróleo.
8. O senhor acredita que o apagão de 2001 deu um fôlego à eficiência energética no Brasil?

Com certeza. Comparando a curva de carga antes de 2001 e após com o crescimento da indústria, podemos concluir que o atraso na retomada do consumo deveu-se ao melhor aproveitamento da energia.
O país respondeu muito bem ao plano do governo de reduzir a demanda em 20%. Fato único no mundo.
Do lado do consumidor, os programas de etiquetagem do Procel e do Conpet destacam-se como ferramenta de conscientização, capacitando os consumidores a escolher eletrodomésticos e equipamentos mais eficientes.
9. E a crise financeira também fez com que as empresas reforçassem seus esforços em eficiência energética?

Acredito que não. O país respondeu muito rápido a esta crise e há indicadores que fortalecem a idéia de que o consumo de energia industrial será retomado aos mesmos patamares de antes da crise, consoante com a produção.
Apesar dos preços cada vez maiores da energia, não houve uma corrida em busca da eficiência energética como em 2001, mesmo porque, diferente desta época, a crise foi econômica limitou maiores investimentos, tanto pela falta de crédito quanto pelas incertezas quanto ao futuro.
10. Na sua opinião, o que é preciso para avançarmos em eficiência energética?

Ainda é preciso investir no conhecimento. Boa parte das indústrias desconhece seu potencial de economia decorrente de ações de eficiência energética. É preciso investir em ações de divulgação, mostrando as vantagens do uso racional de energia e o seu potencial de economia dentro do processo industrial.
11. O consumo de energia em uma empresa já é um indicador de performance analisado pelo mercado, sobretudo por investidores?

O alto preço da energia elétrica e do gás natural, principalmente nos setores energo-intensivos, faz com que o consumo de energia seja, direta ou indiretamente, um indicador de performance para a indústria.
O país tem uma das maiores tarifas de energia elétrica e gás do mundo. Boa parte do custo desta energia se deve a tributos e encargos setoriais. Em energia elétrica, por exemplo, segundo cálculos do Instituto Acende Brasil, essa parcela é maior que 46% da conta de luz.
12. Como a FIESP vê hoje o mercado de energia eólica, energia solar no Brasil? Qual o potencial de crescimento desses mercados?

O grande problema destas fontes ainda é o custo. Estima-se que o custo de instalação de uma turbina eólica está na faixa de US$ 1.500 a US$ 1.800 por kW, na solar fotovoltaica este preço aumenta para US$ 4.000 a US$ 9.000 por kW instalado. É muito caro se compararmos com a hidráulica, cerca de US$ 1.000/kW, e o baixo rendimento da eólica (até 40% no nordeste) e da solar (até 30% em laboratório).
O Brasil tem uma posição interessante quanto à energia solar fotovoltaica. Apesar de não possuir fabricas de painéis, o país detém 90% das reservas economicamente viáveis de silício, matéria-prima das células fotovoltaicas.
Um dos principais entraves à entrada da energia solar nos leilões e no Proinfa é a questão do conteúdo nacional. Hoje é exigido do empreendedor que mais de 50% dos equipamentos sejam fabricados no Brasil.
Apesar de serem prioridades para a expansão da geração no Brasil, é preciso desenvolver tecnologias e a indústria nacional para estas fontes, para não perdermos competitividade em comparação ao mundo.
13. O senhor é a favor ou contra o projeto de lei em tramitação que apresenta uma PEC, cujo conteúdo sugere mudanças no sistema tributário do país, considerando o respeito às questões ambientais como princípio geral para pagamento de impostos, repasse de ICMS e imunidades a bens e serviços ambientalmente responsáveis? O senhor acha que cabe ao governo usar instrumentos fiscais para estimular ou sobretaxar empresas segundo seus investimentos em energias renováveis?

A idéia é interessante, mas é preciso ter metodologia para estabelecer os critérios e metas para este estímulo. Em primeiro lugar, deve-se criar iguais condições para que todas as empresas possam decidir sobre o investimento ambiental, para não criar desequilíbrio na competitividade industrial.
Analisando a história de tributos no Brasil, em especial a do ICMS, acho difícil que descontos ou imunidade da cobrança deste imposto não tenha repasse de alguma outra forma. O ICMS é a principal fonte arrecadadora dos Estados, qualquer desequilíbrio causará uma série de ações para o restabelecimento desta receita, em outras palavras, mais impostos.

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