Uma década de sustentabilidade

Uma década de sustentabilidade

Revista Idéia Socioambiental-São Paulo
Uma rápida pesquisa em sites de buscas na internet aponta a existência de cerca de 1,8 milhão de citações para o termo sustentabilidade e mais 1,4 milhão para o de responsabilidade social. Não há duvida que esses dois conceitos ganharam espaço no debate nacional e internacional nos últimos 10 anos. O desafio agora é assegurar que o discurso seja convertido em prática por todos os segmentos da sociedade na velocidade que as crises atuais exigem. Analisar o caminho já percorrido na promoção de práticas responsáveis é uma forma de identificar acertos e erros visando agilizar a construção de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de superar os dilemas econômicos, ambientais e sociais.
“A próxima onda positiva já está sendo construída em uma escala de tempo acelerada. E chegará ao seu pico em 2010. Tratadas de forma correta, as crises de hoje – como as mudanças climáticas e o enorme contingente de pessoas de baixa renda – vão nos levar às soluções de amanhã, apresentando novas e potenciais oportunidades de mercado ainda não devidamente exploradas”, completa John Elkington, fundador da consultoria SustainAbility e um dos mais importantes especialistas mundiais em sustentabilidade.
Dez anos depois do início da caminhada, os analistas acreditam que o passo seguinte se dará a partir do aumento do comprometimento dos indivíduos com o assunto. “Olhando os movimentos anteriores, como foram gerados e nasceram, acredito que a próxima onda, que sucederá a da sustentabilidade, será a do real engajamento das pessoas, da coerência entre o que se fala e o que se faz”, acredita Cláudio Boechat, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral.
Com a recente divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que associaram, de modo inequívoco, o aquecimento global com a atividade humana, e o crescimento de iniciativas intersetoriais – como, por exemplo, o Fórum Amazônia Sustentável –, a tendência é que se multipliquem movimentos para contagiar a sociedade com os valores do desenvolvimento sustentável, da ética e da democracia participativa. “É o momento de avançar na segunda parte da nossa missão, que consiste em o setor empresarial, com sua força de transformação, ajudar a construir uma sociedade responsável e justa”, afirma Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, instituição pioneira, que completa dez anos em 2008.
“Essa não é uma moda passageira, que teve um pico e depois entrou em declínio. É algo que vem se intensificando e incorporando todos os segmentos da sociedade: legislação, organismos multilaterais, academia, empresas, iniciativas de organizações do terceiro setor, associações e representantes da sociedade civil”, avalia Homero Santos, consultor da Fundação Dom Cabral e do UniEthos.
Evolução do debate
Hoje, os conceitos de responsabilidade social e sustentabilidade são utilizados para designar práticas e modelos baseados no equilíbrio dos fatores econômicos, ambientais e sociais. Eles nasceram, no entanto, de matrizes ligeiramente diferentes –a social e a ambiental – mas complementares, o que explica, em alguma medida, porque muitas vezes são tratados quase como sinônimos nos discursos empresariais.
Alguns especialistas arriscam que o termo sustentabilidade teria sido usado pela primeira vez na década de 1970, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em junho de 1972, em Estocolmo. À época, no entanto, a palavra guardava um significado restritamente relacionado aos aspectos ambientais. Tal como é conhecido hoje, o conceito só foi disseminado após a publicação, em 1987, do relatório “Nosso Futuro Comum”, da Comissão para o Meio ambiente da ONU, que entrou para a história como “Relatório Brundtland”, em homenagem à sua coordenadora, a ex-primeira ministra da Noruega, Gro Brundtland.
Os debates da Rio-92 e, na Inglaterra, a criação da consultoria SustainAbility, de John Elkington, responsável pela difusão da idéia do triple bottom line (resultados econômico-financeiros combinados com sociais e ambientais), ajudaram a popularizar de vez o termo sustentabilidade, o que ele significa e representa.
De acordo com Boechat, da Dom Cabral, o tema da responsabilidade social surgiu no meio empresarial como evolução do movimento pela qualidade – de produtos, atendimento e satisfação do cliente –bastante forte nas décadas de 1980 e 1990. “A responsabilidade ampliou a capacidade de gestão das empresas para outros âmbitos de relacionamento, como os sociais. Foi a forma de integrar questões de atendimento às necessidades de mercado e às de relacionamento com a sociedade”, explica o professor..
No primeiro momento, lembra, predominou uma visão filantrópica, caritativa, de ação social pura. Com o amadurecimento do debate, cresceu a percepção entre as corporações de que a questão da responsabilidade extrapolava esses aspectos, incluindo também o diálogo franco com as partes interessadas, questões éticas, de transparência e governança. Apenas nos cinco últimos anos, reforça, esse movimento foi sendo substituído pelo da sustentabilidade. Na opinião do professor, a onda sustentável adiciona à anterior a preocupação com uma gestão empresarial mais cuidadosa em relação ao futuro do homem e do planeta. No entanto, as etapas se sucederam sem que necessariamente tivessem esgotado suas missões. “Avanços foram observados no âmbito da proposta da responsabilidade social. Algumas questões andaram apenas parcialmente, outras acabaram abandonadas. Agora, a premência é cuidar das gerações vindouras, especialmente nas questões ambientais, o que nos leva, mais uma vez, a abandonar temas e nos dedicar  a outros para os quais estávamos menos atentos”, reflete.
A compreensão dos conceitos
De acordo com os entrevistados,  até o final dos anos 1990, convencer as empresas sobre a importância da responsabilidade social empresarial ou da sustentabilidade não era tarefa fácil. O discurso soava utópico, ingênuo em seus preceitos e fundamentado em racionalidade que parecia divergir da lógica do lucro. Hoje, ao contrário, são as próprias corporações que recorrem a ele para conferir um novo sentido ao planejamento estratégico de seus negócios, certas de que não sobreviverão em mercados cada vez mais competitivos, e mais regulados por critérios não financeiros, se não tiverem a reputação de empresas éticas, transparentes, socialmente responsáveis e sustentáveis.
Na opinião de Boechat, o surgimento de instituições como o Instituto Ethos e o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) foi fundamental para a formação de um novo patamar de debate e reflexão. “Ambos são repercussões de movimentos internacionais. Decorrem de uma tropicalização. As duas correntes, que representaram uma ampliação de consciência do mundo empresarial, caminharam em paralelo por muito tempo e apenas recentemente se encontraram na consolidação do tema da sustentabilidade”, diz.
Riscos do pioneirismo
Lidar com a incerteza foi um dos motivos que refreou empresários na hora de aderir aos conceitos de RSE e sustentabilidade. Afinal, incorporá-los significa mudar modelos consagrados de pensar e fazer negócios. “Até hoje, muitas vezes os que fazem acabam, de alguma forma, penalizados na medida em que as transformações necessárias requerem um custo alto, e as empresas se apóiam no princípio dos resultados financeiros de curto prazo”, afirma Santos, do Uniethos. Para ele, o “grande vilão” do crescimento lento da sustentabilidade – a visão de curto prazo – ainda representa um obstáculo a ser superado rapidamente pelo setor privado, até porque o mercado demanda retornos cada vez mais velozes e expressivos, e em tempo cada vez mais curto.
Sérgio Abranches, cientista político e diretor do site de jornalismo ambiental “O Eco”, concorda com a visão de Santos. Em sua visão, além da questão dos custos, a mentalidade empresarial brasileira ainda está muito condicionada a acolher novas premissas – como a da sustentabilidade – só quando tem algum tipo de subsídio do governo. “Ou então, espera-se pela regra – com fiscalização e punição – para só então cumpri-la. Conversando com CEOs, vejo que eles se colocam na retaguarda do Estado, como se dissessem: “Se a regulamentação vier, eu cumpro’”, ressalta.
Abranches considera não haver ainda um expressivo movimento corporativo, com visão de longo prazo e não presa á retaguarda da sociedade e do Estado. Em sua opinião, o tempo joga contra. “O problema é saber se as empresas vão tomar consciência de que, se não agirmos, as conseqüências físicas e de mercado afetarão diretamente suas atividades. Do ponto de vista de mercado, quanto menos o Brasil fizer, mais será boicotado economicamente, como já acontece com nossa pecuária. Ficamos cada vez mais marcados pela má gestão ambiental”, completa.
Veja mais no site www.ideiasocioambiental.com.br
Os marcos principais da discussão sobre sustentabilidade nos negócios

1997- Criação do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável)
1998 – Criação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
1998 – Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) cria o Selo Balanço Social Ibase/ Betinho
1999 – O então secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, anuncia a formação do Pacto Global (Global Compact)
1999 – Global Reporting Initiative (GRI) estréia diretrizes para relatórios de sustentabilidade
1999 – Lançamento do Dow Jones Sustainability Index (DJSI)
2000 – Lançamento dos Indicadores Ethos
2000 – 191 países aderem às 8 Metas do Milênio, da ONU
2001 – GRI disponibiliza suas diretrizes em português
2002 – Aniversário de dez anos da Eco-92, com novas iniciativas da Rio+10 (Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável)
2003 – Formalização dos Princípios do Equador
2004 – Decisão de criar a ISO 26000, de responsabilidade social (com publicação prevista para 2010)
2005 – Criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)
2005 – Assinatura do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
2006 – Assinatura do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção
2007 – Lançamento dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI, na sigla em inglês)
2007 – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) repercute fortemente por divulgar que há uma probabilidade de 90% de que o aquecimento global seja resultado da atividade humana.

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