Turismo sustentável requer um novo modelo de governança

Turismo sustentável requer um novo modelo de governança

Por Juliana Campos Lopes
As paisagens naturais e a cultura local são os principais atrativos turísticos de um destino. Preservá-las já seria motivo suficiente para incorporar parâmetros de sustentabilidade ao turismo. Tornar sustentável esta importante atividade econômica requer ainda um comportamento responsável em relação ao meio ambiente e uma atenção específica aos aspectos sociais que envolvem as localidades.
Segundo Mário Beni, Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Turismo, não é possível desenvolver nenhum programa de políticas públicas para a área sem considerar a sustentabilidade. “Essa visão é indispensável para solucionar impactos sociais, ambientais e econômicos de toda a ordem, como a prostituição infantil, o subemprego ou o emprego temporário, a especulação imobiliária, entre outros desequilíbrios causados pela falta de planejamento e visão do longo-prazo na gestão do turismo”, ressalta.
O Brasil tem reconhecido potencial turístico devido a vários atrativos naturais e culturais. Mas, segundo defendem as autoras Sarah Strachman Bacal e Ana Julia de Souza Melo no artigo “Turismo Sustentável no Brasil: utopia ou caminho possível?”, a atividade também é vista como “alternativa milagrosa” para quebrar o círculo vicioso de estagnação da economia, principalmente, em regiões extrativistas detentoras de ecossistemas atrativos, porém frágeis, que atraem o fluxo de turistas. Para atender a essa demanda, as localidades receptoras acabam por empreender uma espécie de corrida desenvolvimentista que não tem como prioridade a proteção da natureza, da cultura ou ainda o bem-estar das comunidades envolvidas, o que, muitas vezes, leva à destruição do lugar que possibilita a existência do turismo.
Com a globalização e o aumento do fluxo de pessoas pelo mundo – segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT) o número de turistas em todo o mundo saltou de 252 milhões, entre janeiro e abril de 2006, para 267 milhões, no mesmo período em 2007 – os riscos sugeridos pelas especialistas são ainda maiores. Mas eles podem e devem ser transformados em oportunidades.
Em 2006, o Brasil alcançou a receita cambial turística de US$ 4,32 bilhões, superior em 11,78% ao ano de 2005 (US$ 3,86 bilhões). Segundo Beni, o País poderia aumentar essas receitas a partir da adequação ao cenário de sustentabilidade. Mais sustentáveis, os roteiros do País se tornariam muito mais atrativos em relação ao turismo receptivo internacional, por exemplo.
Para ser classificado como sustentável – ensina Beni — o destino turístico deve atender às requisitos ambiental, social, econômico, espacial, cultural e político.

Dimensões de sustentabilidade

A primeira delas, relacionada ao aspecto ambiental, envolve a preservação do meio ambiente, um dos atrativos mais importantes do turismo. “É evidente que os ecossistemas precisam ter equilíbrio ambiental para ser preservada a diversidade”, ressalta Beni. A sustentabilidade ambiental, portanto, prevê o aumento da capacidade dos recursos naturais, a partir de medidas para limitação de recursos não-renováveis ou ambientalmente prejudiciais, da redução do volume de poluição, da pesquisa de tecnologias mais limpas e definição de regras para uso e ocupação dos destinos turísticos.
Já a sustentabilidade espacial complementa a ambiental, na medida em que indica a necessidade de delimitar o fluxo de turistas e empreendimentos que o destino turístico pode receber sem comprometer os ecossistemas locais.
Ainda segundo Beni, a variável social, por sua vez, implica a adoção de um modelo de desenvolvimento endógeno, por meio de mobilização social, participação comunitária, empreendedorismo para gerar a inclusão social e, conseqüentemente, desenvolvimento da comunidade local.
Outra matéria-prima importante para o turismo, a dimensão cultural se define –na visão do especialista — pela preservação do patrimônio histórico e cultural das cidades e regiões. “Essa variável está relacionada à preocupação e a proteção da identidade cultural do destino. Exige, portanto, ações como tombamento, restauro, resignificação, valorização do folclore, cultura popular, entre outras”, afirma Beni.
Para o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, não descuidar de nenhum aspecto da cadeia produtiva do turismo é essencial para a sustentabilidade econômica que exige a gestão mais eficiente dos recursos, assim como investimentos públicos e privados. “O turismo envolve mais de 50 setores da economia. Integrar esses agentes é uma forma de reduzir os custos sociais, ambientais e econômicos”, ressalta o especialista.
Todas essas medidas só serão mantidas se houver sustentabilidade política, proporcionada a partir de um modelo de gestão compartilhada. “A dimensão política assegura a efetivação de todos os demais cenários. Exige a realização de políticas públicas a partir de um novo modelo de governança local com a forte presença do setor privado, do Estado, de agências de desenvolvimento e da comunidade local”, ressalta Beni. Ele defende que, pelas próprias características intersetoriais do turismo, essa gestão exige a mediação de um centro de excelência multidisciplinar como uma universidade.

Reverter a tendência
Quando todos os cenários de sustentabilidade estão presentes, no destino, configura-se um cluster de turismo. Beni estima que apenas 10% dos destinos turísticos brasileiros estão próximos de atender a todos os requisitos para serem considerados sustentáveis. “A Serra Gaúcha (RS) é o modelo mais próximo do que poderíamos chamar de um cluster de turismo, por ao menos, ter essas preocupações de sustentabilidade. Bonito (MS) também apresenta algumas dimensões bem desenvolvidas, principalmente a ambiental, mas precisa ainda promover a participação e inclusão social da comunidade”, pondera.
Para Beni, o planejamento do turismo sob a ótica da sustentabilidade é indispensável para a substituição de um modelo de desterritorialização do turismo que traz sérias conseqüências ambientais, econômicas e sociais. “Predomina ainda um modelo de segunda residência, orientado pela especulação imobiliária e que não gera emprego. A baixada santista [litoral de São Paulo] sofre as conseqüências dessa opção com cerca de 300 mil habitantes e uma população flutuante de quase 1,5 milhão nos períodos de alta estação. No Nordeste do País, está acontecendo a mesma coisa. O litoral está comprometido com empreendimentos imobiliários, cujos proprietários – na sua maioria – não são da região e visitam o local apenas algumas vezes por ano. Além das conseqüências sociais, há as pressões ambientais, pois não há nenhum tipo de planejamento, sequer o cumprimento das leis”, ressalta.
As diretrizes para o desenvolvimento do turismo de maneira sustentável foram estabelecidas no Plano Nacional de Turismo 2007-2010, que define 65 destinos prioritários para desenvolvimento da atividade de maneira sustentável. Segundo Beni, trata-se de um avanço na percepção do turismo. Ele cita o exemplo do Programa de Regionalização do Turismo, criado em 2004. “Essa iniciativa preconiza o modelo endógeno de turismo passando por todos cenários de sustentabilidade. Mas ainda não está sendo efetivamente implementada pela falta de capacitação dos atores sociais para desenvolver esses cenários. É muito difícil você chagar a um município vocacionado para o turismo e encontrar pessoas com essa visão de sustentabilidade”, pondera. Para o especialista, essa capacitação deve começar pelos próprios agentes institucionais do Estado para que desenvolvam essa visão estrutural do turismo, que exige planejamento e um modelo de governança participativa, baseado em políticas públicas.

Capacitação profissional
O programa “Bem Receber”, foi criado em 2007 pelo Instituto de Hospitalidade, o Ministério do Turismo e o Sebrae com o objetivo de qualificar empresários e profissionais da área de turismo em relação à sustentabilidade.
“A iniciativa tem duas linhas de atuação: a qualificação empresarial – para promoção de ações que visam a sustentabilidade do destino turístico que determinará a própria viabilidade econômica e perpetuidade do empreendimento – e a qualificação profissional para fortalecer nos negócios as bases de sustentabilidade”, afirma André de Sá, gestor do programa “Bem Receber”.
O programa utiliza como referência requisitos técnicos descritos nas Normas Brasileiras (NBRs) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para as ocupações do setor de turismo e para turismo sustentável em meios de hospedagem (ABNT NBR 15401: 2006 – Meios de Hospedagem – Sistema de Gestão da Sustentabilidade – Requisitos).
“A certificação é uma grande tendência do mercado para diferenciar os níveis de qualidade de quem tem compromisso, dos que só fazem publicidade. Cada vez mais operadores internacionais buscam na certificação uma forma de identificar quem de fato tem compromisso com a sustentabilidade”, ressalta Sá.
Segundo ele, um dos principais impactos do programa “Bem Receber” é a incorporação da dimensão do planejamento com vistas à sustentabilidade. Os empresários participantes da iniciativa já percebem vantagens nessa postura. “No momento em que começamos a quantificar gastos, impactos e resultados, passamos a ter números para comparar. Esse comparativo de desempenho permite a melhoria constante, essencial para a sustentabilidade”, afirma Maurício Barbosa, proprietário da Pousada Telhado Verde, localizada em Búzios (RJ).
Mauro Vinícius Salles Moura, proprietário da Pousada Encanto da Terra, localizada em Canela (RS), conseguiu reduzir impactos e custos a partir de medidas como a captação de água da chuva e instalação de uma lavanderia no próprio estabelecimento. Juntamente, com os demais empresários que participaram do programa “Bem Receber” na Serra Gaúcha, também passou a priorizar produtos agrícolas e artesanatos dos produtores locais. “Em 2007, ano em que aderimos ao programa, tivemos o nosso melhor resultado, com um crescimento de 30% do lucro da pousada”, afirma.
O programa “Bem Receber” já foi realizado em 350 meios de hospedagem distribuídos por 20 destinos turísticos. Até o fim de 2008, a meta é ampliar o programa para 560 estabelecimentos e 31 destinos, com 200 empresas certificadas.

Veja mais no site: www.ideiasocioambiental.com.br
Box: O que é preciso para o desenvolvimento sustentável do turismo
• Utilização racional dos recursos ambientais do destino;
• Respeito e valorização da identidade sociocultural da comunidade local;
• Planejamento para assegurar a viabilidade econômica de uma operação de longo prazo e proporcionar benefícios socioeconômicos igualmente distribuídos a todos os stakeholders do destino;
• Desenvolvimento de um modelo participativo de gestão, envolvendo o setor privado, o Estado e a comunidade local
• Assegurar ao turista uma experiência significativa, elevando a conscientização sobre a sustentabilidade e promovendo praticas sustentáveis

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