Treinando parcerias setoriais

Treinando parcerias setoriais

Uma análise do investimento social privado brasileiro, especialmente dos últimos sete anos,  indica que muitas empresas têm preferido colocar dinheiro em projetos próprios em vez de apoiar os de organizações sociais. Para tanto, algumas criam fundações e institutos, e estabelecem orçamentos específicos. Outras atribuem a um departamento interno – quase sempre ligado às áreas Comunicação, Relações Institucionais ou Responsabilidade Social —  a tarefa de planejar e coordenar projetos sociais, atendendo a uma lógica muito peculiar de gestão das suas ações voltadas para comunidades.
Diante desse fato, duas leituras são possíveis. Vale começar pela mais otimista. Ao contrário do que imaginavam, nos anos 1990, os mais céticos, o investimento social privado já não pode ser considerado uma nuvem passageira. Estudos recentes mostram ampliação no volume de recursos e uma melhoria da qualidade metodológica, do alcance e do impacto das ações.  Pouca gente hoje duvida de que o interesse por essa prática incorporou-se às estratégias institucionais, tornando-se parte importante da agenda das empresas socialmente responsáveis.  Como parte desse processo de evolução, o investimento social privado subiu vários degraus. Deixou de se basear em ações  pontuais, tópicas e meramente compensatórias para se transformar em políticas de intervenção nas comunidades, planejadas para atingir resultados de mudança social.
A preferência pelos projetos próprios pode ser vista, a princípio, como um bom indicador. Se uma companhia sabe o que deseja a ponto de selecionar uma linha de projetos sociais, é porque a cultura interna hoje favorece, confere valor e relevância estratégica a este tipo de investimento.  Uma segunda análise, no entanto, deve ser considerada.
A opção por projetos próprios parece revelar uma dificuldade das empresas em estabelecer relações de parceria com organizações de terceiro setor. O contrário também é verdadeiro. Este embaraço decorre, quase sempre, de uma relação marcada por reservas de parte a parte. Fora do discurso politicamente correto, muitos dirigentes de empresas admitem resistir à idéia de dividir a realização de seus projetos sociais com organizações, por julgarem que elas não fazem boa gestão dos recursos (por falta de competência ou transparência)  e são inflexíveis em relação á empresa, não ouvem as suas opiniões  e a tratam como mera  provedora de financiamento.
Entre as organizações sociais, a resistência não é menos contundente. Sua origem está na preocupação de serem “controladas” pelas empresas, transformando-se em simples executores de políticas de investimento social privado para cuja elaboração não colaboraram.
As desconfianças de cada uma das partes são justificáveis, apesar de baseadas em  lógicas parciais, generalizações indevidas e falta de prática de parceria – nunca é demais lembrar que o modelo de aliança interesetorial é bastante recente no Brasil. Curiosamente, o temor de empresas e organizações se mostra simétrico e têm a ver com a limitação do papel específico ante o papel do outro. Esses dilemas,  recorrentes, só serão ultrapassados quando houver melhor diálogo, mais tolerância e maior capacidade de compreender expectativas.
Empresas que desejam ser mais ouvidas devem, ante de mais nada,  aprender a ouvir, substituindo os tradicionais modelos autoritários de tomadas de decisão  –do tipo comando-controle – por outros mais cooperativos. Uma relação mais tolerante deve nascer da constatação de que o melhor investimento social ocorrerá sempre que as dimensões do privado, do público e do público-privado atuarem em sinergia de propósitos.
Para que idéias como esta não empaquem, cada uma das partes deve repensar seus comportamentos. Não é necessário, por exemplo, que empresas reinventem a roda na busca de soluções. Muitas delas já foram criadas e testadas por organizações sociais com a vantagem de terem surgido de diagnósticos muito mais próximos da realidade social de comunidades. Por mais competente e bem intencionada que seja uma empresa, ela jamais terá inserção comunitária igual à de uma organização nascida na comunidade. Manda o bom senso,  portanto, que as corporações escolham o parceiro certo e, junto com ele, realizem diagnósticos corretos, definam metas e estratégias de atuação e estabeleçam indicadores para avaliar os resultados.
Se quiserem ser mais do que executoras de serviços, as organizações sociais devem mudar o foco de suas abordagens. Em vez de apenas captarem dinheiro para seus projetos, precisam identificar nas empresas parceiros potencialmente compromissados com a solução dos problemas dos públicos que desejam beneficiar. De modo pragmático, devem aceitar mais o diálogo, permitindo-se rever posições a partir da interação com o financiador e negociar, com mais flexibilidade, pontos que atendam expectativas sem descaracterizar a essência da ação.
Artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil em 18/03/2008.

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