“Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui”.
Quem escreveu esta frase foi Ailton Krenak, filósofo, ambientalista, líder indígena, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, em seu livro, chamado “Futuro Ancestral”. Esta bela alegoria do que poderia ser um futuro possível a partir de um resgate de soluções faz brilhar os olhos da executiva Michelle Geraldo de Araújo. A atual Head de Sustentabilidade e External Affairs LATAM da Petronas é também conselheira, palestrante, e mentora – justamente – de Futuros Regenerativos.
“Gosto de falar no plural porque temos vários futuros para desenhar. Muitas vezes estes futuros já estão no nosso dia a dia. Quais são as tecnologias ancestrais que podem atrelar soluções para o agora? E como ajudar a trazer este letramento para dentro das organizações?”, reflete Michelle, que é hoje umas das mais relevantes vozes da sustentabilidade corporativa no país.
A maneira como este traçado de futuros vai acontecer, segundo ela, deve ir pelo caminho mais inteligente: a colaboração. “Para ser bem direta: se fizer sozinho, vai ficar mais caro. Numa coalizão, você tem mais força, vai investir menos, e terá um resultado melhor e mais rápido. Se a gente pensar em sistemas, até no corpo humano, tudo funciona em colaboração, coletivamente. No planeta, a mesma coisa. Temos muito o que aprender com a natureza”.
Na entrevista a seguir, Michelle fala de futuros regenerativos dentro e fora das organizações, ações colaborativas, agenda climática, bioeconomia, e, claro, COP 28, que começa hoje em Dubai, nos Emirados Árabes.
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NETZERO: Quando falamos em futuros regenerativos, devemos pensar num desenho de futuro do planeta, da sociedade e das organizações pensando no presente? Ou no passado?
MICHELLE GERALDO DE ARAUJO: A gente costuma desenhar futuros a partir de tendências conectando-as ao que é potente hoje. E, ao falar de regeneração, também olhamos para sistemas vivos de forma mais integral. Entretanto, claro, este olhar passa muito pelo resgate de soluções que podem ser até ancestrais. E aqui estamos falando do passado. Vou te dar um exemplo bem pontual. Hoje em dia, pensamos muito em compras a granel como uma opção para reduzir embalagens. É uma solução inovadora? Pode ser. Mas ela existe faz tempo. Meu pai tinha uma mercearia no interior do Paraná que vendia produtos a granel há muitos anos. Ou seja: isso é novidade ou é um resgate do que já fazíamos e que pode melhorar o nosso futuro? Estamos assistindo também a uma volta da preocupação com a qualidade de vida: o perfil das famílias vem mudando, muitas pessoas deixando as grandes cidades para viverem com mais qualidade no interior, trabalhando de casa, menos dias por semana. Nada disso é novidade: são soluções ancestrais conectadas para o agora. Então vamos pensar de que forma podemos trazer isso para dentro das organizações e assim fortalecer o capital social, as lideranças, e fazer o negócio acontecer de fato.
É aí que entra o profissional de sustentabilidade?
Também. O profissional de sustentabilidade deve fomentar a mudança de cultura de dentro para fora das organizações. Ele influencia uma agenda estratégica, atua nesta mudança cultural, e facilita as coalizões para gerar uma transformação sistêmica e em escala. Trabalhar a agenda de sustentabilidade exige resiliência, colaboração, construção de metas que vão além do básico para atingir um resultado que realmente gere valor e transformação positiva para a organização, a sociedade e o planeta.
Você sempre reforça a importância das ações colaborativas. Por que?
Isso vai além da máxima do “sozinho a gente não faz nada”. Com colaboração, potencializamos resultados. Quando a gente parte do potencial que temos, dos nossos saberes, e conecta, compartilha e pensa de uma forma criativa, a gente aumenta potenciais.
A colaboração é uma tecnologia complexa. Você conecta pessoas, lugares, inteligências, ferramentas. Quando você junta todas essas riquezas, imagine o potencial de resultado! Mais do que pensar nas soluções, quando você pensa em trazer este potencial, tem a chance de pensar numa agenda comum para gerar transformação de impacto. E aí, sim, buscar juntos, e com corresponsabilidades claras, soluções para os problemas que a gente tem como sociedade.
Então trata-se também de corresponsabilidades, certo?
Sem dúvida. Quando você pensa em desenvolvimento territorial, por exemplo. Trazer, então, para o debate, juntos, governos, academia, sociedade civil, líderes comunitários, comunidades tradicionais, etc, com todos pensando em soluções para chegar a uma agenda comum e também em responsabilidades de cada um, você pode facilitar um jeito novo e transformador de fazer acontecer coletivamente, que demanda um olhar sistêmico para todos elos. A gente viu um pouco disso acontecer durante a pandemia, pela dor e urgência, apesar de já ser uma discussão antiga, e depois acabou perdendo força.
E no mundo corporativo?
É a mesma lógica! Numa coalizão, você tem mais troca, mais força, pode otimizar investimentos e potencializar a amplitude e escala dos resultados. Mas vai ter que se desfazer um pouco do ego de ser o único grande líder e assumir mais o papel de quem puxa ou participa de uma agenda coletiva, que pode discutir diversos pontos, além da causa central. No caso da sustentabilidade, é importante mostrar qual o valor agregado para os atores envolvidos, entre outros elementos que precisam ser considerados pelas organizações – e certamente vai ficar mais caro sozinho!
As nações estão pagando um preço bem alto, aliás, por não terem cumprido metas e a agenda climática que estão em discussão agora na COP…
Sim. E a importância do Brasil nesta COP é imensa. São apenas 2 anos até a COP30 em Belém para continuar articulando para que os agentes de vários setores e países trabalhem no avanço e cumprimento das metas estabelecidas, além de preparar a casa para sermos hosts. Receber o evento aqui.
Para esta COP de Dubai, há uma expectativa grande sobre o avanço de implementações, para que elas aconteçam e de forma mais contundente. Estamos atrasados com as metas. Além disso, há um olhar mais forte para a agenda de direitos humanos.
É preciso conectar as agendas: social, ambiental e direitos humanos. Não estamos falando de apenas de bioeconomia e sim sociobioeconomia. É importante ainda começar a entender melhor a importância das empresas. Até com o potencial de governança. Trazer estes atores para a conversa. Mais do que parte do problema, elas tem que fazer parte da solução. Enfim, é preciso uma ação coletiva para uma aliança comum.
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