A natureza oculta em megacidades

A natureza oculta em megacidades

São Paulo e a natureza oculta em megacidades

Por Heloísa Bio

Em tempos de ameaças ao Código Florestal, com alterações que implicam a redução das matas ciliares que protegem os rios, os desafios para obtenção de água nunca foram tão visíveis como no cotidiano das grandes cidades. O impacto das enchentes em metrópoles como São Paulo espelha, por exemplo, o forte elo entre chuvas e cobertura do solo, assim como a relação entre qualidade da água e proteção da superfície. Mas rios e córregos não desaparecem simplesmente com o concreto, ou deixam de interagir com o entorno quando canalizados.

Mesmo doentes, esses mananciais permanecem vivos e em constante relação com o ambiente urbano.

Poucos sabem que a cidade de São Paulo está construída sobre uma imensa bacia hidrográfica onde cerca de 2 mil quilômetros de rios e ribeirões fluem sob o asfalto. Ou que em bairros da zona oeste da cidade é possível visualizar nascentes de afluentes do rio Pinheiros ao fundo de muitas casas e lojas, um deles com sua foz ao lado do shopping Iguatemi. Por trás da realidade urbana, a natureza sobrevive e expressa fenômenos singulares que sustentam a qualidade da vida nas cidades.

“Apesar de ‘enterrados vivos’, os rios são anteriores à ocupação humana e podem nos conduzir à redescoberta de elementos fundamentais na paisagem. Abrir os olhos e reconhecer a presença desses elementos promove uma compreensão afetiva do uso do espaço urbano”, coloca Luiz de Campos Junior, geógrafo e coordenador do movimento Rios e Ruas. O coletivo promove expedições para o reconhecimento in loco da natureza soterrada por ruas e construções em São Paulo, visando despertar em jovens e adultos a percepção para os rios invisíveis, as árvores e as memórias das paisagens nativas.

O trabalho nasceu da tentativa dos coordenadores do movimento em transformar informações teóricas em ações de campo. “Há tanta água em São Paulo que a cada 200 metros de onde estamos calcula-se haver um curso d’água. Com essa informação, decidimos sair atrás das nascentes do córrego Pirajussara-Mirim, no bairro do Butantã, onde moramos. Fomos percebendo sinais da vegetação de várzea no bairro, notamos a água fluindo sob escolas e casas, e logo descobrimos as nascentes brotando no chão. A vontade de compartilhar a emoção desse contato impulsionou a iniciativa do Rios e Ruas”, conta José Bueno, arquiteto e coordenador da entidade, que desde 2010 já levou cerca de 300 pessoas para caçar rios na cidade.

A última expedição do grupo visou identificar o trajeto do rio Corujas, na zona oeste de São Paulo. Segundo um dos participantes, o educador Eduardo Shimahara, a aventura permitiu desvendar parte da formação geológica da cidade, composta por um tipo de rocha sedimentar rica em ferro. “Explorar rios é só a ‘ponta do iceberg’ de uma oportunidade maior de entender o processo de urbanização e de fazer contato com elementos da natureza perdida no meio da selva urbana”, expressa Shimahara, que aproveitou a expedição para observar pela primeira vez uma árvore de tamarindo frutificando em pleno asfalto.

Em São Paulo, amantes de árvores também podem conhecer espécies vegetais diferenciadas, por meio do trabalho do Árvores Vivas, que leva comunidades, escolas e empresas para passeios em praças e ruas da metrópole. As visitas sensibilizam para a beleza da vegetação, mas também para informações históricas, culturais e científicas. “O objetivo é despertar para a natureza que habita os caminhos do dia a dia, perceber detalhes únicos, notar que além do tronco marrom e da copa verde, cada árvore possui identidade e segredos”, reforça Juliana Gatti Pereira, coordenadora da Árvores Vivas.

Movimentos que visam reavivar a relação da população com recursos invisíveis são cada vez mais frequentes em todo o mundo. Em Londres, Inglaterra, a iniciativa London’s Lost Rivers virou livro e permitiu à população recuperar a história da cidade por meio do impacto sobre seus principais rios, enquanto em Sidney, Austrália, é comum cidadãos se encontrarem para troca de sementes de árvores australianas nativas. Na periferia de Guarulhos, São Paulo, após realizar uma expedição com 90 moradores de uma comunidade de baixa renda, a equipe do Rios e Ruas constatou na prática o potencial de transformação com o trabalho. “Percorremos o alto dos morros, vimos nascentes e andamos junto aos afluentes locais, a grande maioria logo entendeu a importância das áreas de preservação permanente e porque construir edificações nas margens significa falta d’água no futuro”, afirma Luiz de Campos Junior.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?