Já é tradição nas COPs desde sempre: as decisões tomadas pelos diplomatas do clima ficam sempre para os 45 minutos do segundo tempo. Na COP 27, no Egito, não foi diferente. Tudo aconteceu nos acréscimos, gerando um sentimento não de alegria, mas de alívio. O mesmo alívio de quem, achando que ia perder o jogo, empata aos 48 minutos, com uma ajuda no tempo do juiz, e transfere a decisão para a COP 28, em 2023.
Acordos rascunhados em quartos de hotel, negociados na madrugada de sábado (19/11), chegaram ao que era possível. Menos do que o esperado, frise-se, a considerar a urgência da humanidade por compromissos firmes que reduzam emissões de carbono. Sucesso ou fracasso, nesse caso, é uma questão de ponto de vista. Escolha o seu.
Uma das principais expectativas do evento, a aprovação de um fundo financeiro para cobrir perdas e danos dos países em desenvolvimento foi comemorada pelos negociadores como um gol de placa. Sucesso? A rigor, houve concordância apenas em relação à ideia do fundo. Como todos os acordos que envolvem dinheiro, faltaram as regras básicas: quem vai pagar a conta (só os países ricos e maiores emissores históricos?), qual o valor da conta e quem vai receber os seus recursos (países em desenvolvimento mais vulneráveis? Quais?). Sem regras claras, cada um entende o jogo como quer. Ninguém fica satisfeito. Todo mundo sente alívio apenas por mante acesa a intenção.
As definições ficaram para 2023. Um comitê executivo será responsável por apresentar uma proposta na COP28, nos Emirados Árabes. O passado recente, no entanto, não autoriza muito otimismo. Vale lembrar que o fundo de US$ 100 bilhões de apoio à adaptação às mudanças climáticas dos países mais pobres, acordado na COP 15 (2009), com implantação prevista para 2020, nunca saiu no papel.
Um amigo jornalista sintetizou o que ouviu de fontes experientes na liturgia das COPs: “Esse fundo, no fundo, deve ser mais uma novela interminável.” Enredo e personagens são velhos conhecidos: EUA e países europeus, de um lado, resistem à ideia, por receio de implicações jurídicas, de assumirem sua responsabilidade histórica no acúmulo de carbono na atmosfera. Querem que a China também admita a sua parte e pague um pedaço importante da conta; embora sejam hoje os maiores emissores de carbono (27% das emissões contra 12% dos EUA), os chineses acreditam que não têm “responsabilidade histórica” e, por isso, não só não querem contribuir para o fundo (que julgam responsabilidade dos ricos) como exigem uma tolerância global para seguir emitindo o volume necessário de GEEs para manter vivo o seu processo de “desenvolvimento econômico.” Enquanto os grandes discutem quem vai pagar a conta, Maurício, Jamaica e Cabo Verde, ilhas ameaçadas pelas mudanças climáticas, seguem tentando acreditar no futuro de suas crianças.
COP da implementação ou da procrastinação?
Na COP que pretendia ser a da implementação, evoluiu-se pouco nos compromissos de redução de emissões acertados em Glasgow. Ninguém tratou de revisão de metas. Já era esperado. O máximo a que se chegou foi a criação de um grupo de trabalho cuja difícil missão (a ver sua efetividade) será cobrar mais ambição nos países em suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs.) A ideia é fazer revisões anuais (o Acordo de Paris propunha revisões quinquenais.) Mas como as metas são voluntárias e não existe mecanismo de prescrição e punição; respeitar o limite de 1,5 grau vai depender exclusivamente da boa vontade dos países. Mais procrastinação à vista.
Já disse aqui, em artigo anterior, que falta ambição nas metas de descarbonização. Mais do que isso, sobra calculismo. Na defesa de interesses comerciais imediatos, e temendo movimentos em falso no tabuleiro da geopolítica climática, alguns países relutam assumir agora a conta da substituição das fontes de combustível fóssil que queimam a custo baixo. Aceitam, quando muito, um paciente processo de redução gradual. São os casos de Índia e China, que não abrem mão de carvão. São os casos também de países vendedores de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia, que não querem desvalorizar seus ativos, mesmo em nome do futuro da humanidade. Com a Guerra da Ucrânia, e a urgência de aquecer os lares de seus habitantes no inverno, alguns países europeus, principalmente Alemanha, também resolveram pedir uma trégua no cumprimento das metas. O planeta fica para depois.
O tempo que se ganha com expressões como a “redução gradual” no uso do carvão e o “abandono gradual” dos subsídios a combustíveis fósseis, mantidas no texto final da COP27, atende ao interesse presente de algumas nações. Não ao interesse futuro do humano terráqueo. O tempo das mudanças climáticas anda mais rápido do que o tempo da diplomacia multilateral da ONU.
Realidade paralela
À falta de melhores motivos para comemorar, sobrou aos negociadores climáticos saudarem a manutenção do limite de 1,5 grau para o aumento da temperatura global ao final deste século. Sim, a ideia de revê-la para cima chegou a ser cogitada. Realidade paralela.
Essa proposição soa ainda mais estranha quando já se sabe, pela ciência, como os efeitos da intensificação climática prejudicarão a vida no planeta, principalmente a das pessoas mais vulneráveis. Soa especialmente aleatória diante da constatação científica de que a meta de 1,5 grau deve ser ultrapassada em menos de uma década. Já estamos no plano B. Mas agindo como se estivéssemos no plano A.
Uma conta de US$ 4 a US$ 6 trilhões
Financiamento não foi um tema só sobre perdas e danos. Na COP 27, discutiu-se intensamente como dar conta dos US$ 4 a US$ 6 trilhões anuais necessários para promover a transição global para uma economia de baixo carbono. É muito dinheiro. Sua aplicação requer uma lógica econômica que incentiva tomadores de empréstimo segundo seus compromissos de descarbonização.
Há consenso de que o sistema financeiro tem papel fundamental na virada do jogo. Governos, bancos centrais, bancos públicos e privados, além de investidores institucionais e outros atores devem atuar, em conjunto, estimulando empresas de diferentes portes a adotarem, por exemplo, energias renováveis, economia circular, eficiência na gestão de recurso naturais, proteção da biodiversidade e outros mecanismos que impactem em menor emissão de carbono.
O BNDES, nosso principal banco de desenvolvimento, compreendeu bem o seu papel de indutor. Na COP27, assumiu seis compromissos climáticos para 2023, três dos quais relacionadas com os seus clientes: definição de metas de neutralidade para as carteiras de crédito direto, indireto e renda variável, de metas de engajamento para acelerar a transição para a neutralidade em carbono e incorporação da contabilidade de carbono em novos projetos. Vai fazer a diferença a favor de uma economia de baixo carbono.
Uma boa inciativa costurada nos corredores de Sharm el-Sheikh foi também o lançamento de um programa de cinco anos para apoiar o desenvolvimento de soluções de tecnologia climáticas em países em desenvolvimento.
O Brasil voltou
Não sei se o Brasil vai ganhar a Copa. Mas na COP ele teve desempenho campeão. Uma das boas notícias da conferência no Egito foi o sentimento de que o Brasil voltou para o centro do debate climático global. E na condição de liderança e protagonismo.
O discurso do recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva, já analisado em artigo anterior, foi veemente na retomada dos esforços pela redução do desmatamento da Amazônia – principal anseio dos líderes do G20. Além disso, mostrou a disposição do país de mediar interesses entre ricos e pobres por um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo e com mais responsabilidade climática. Marina Silva, candidata a Ministra do Meio Ambiente, circulou com status de popstar do clima. O próprio Lula atribui-se um papel de “cobrador” do dinheiro prometido pelos países desenvolvidos ricos para a adaptação às mudanças climáticas dos países em desenvolvimento. É esperar para ver.
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