Reflexão – Nova filantropia nas economias emergentes

Reflexão – Nova filantropia nas economias emergentes

Nos últimos 15 anos, os centros de acumulação de riqueza privada mudaram de endereço. Ainda é um fato que, de aproximadamente 700 indivíduos com ativos pessoais acima de 1 bilhão de dólares, mais de 400 são cidadãos dos Estados Unidos, mas cerca de 140 vivem em países tradicionalmente vistos como em desenvolvimento: o terceiro homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, é indiano e o oitavo, russo.
A Rússia é um exemplo interessante. Saiu de uma situação em que, no início da década de 1990, beneficiava-se da ajuda humanitária  para combater a fome, e se transformou em uma das principais consumidoras de bens de luxo no mundo. Isso não significa que a pobreza e a exclusão social foram reduzidas nos países em desenvolvimento. Mas que a janela de oportunidades claramente se alargou, também para o setor de doações.
As novas riquezas da Rússia, Ucrânia, Índia e China têm características que permitem prever seus comportamentos, seu papel social em potencial na sociedade, seu posicionamento perante o Estado e suas visões sobre o futuro da economia e das estruturas políticas. Um dos melhores testes para compreender pontos de vista, prioridades e estereótipos da nova riqueza é a filantropia. A filantropia dos novos indivíduos da alta sociedade revela, concentradamente, valores e idéias, crenças e preconceitos, atitudes perante políticas e a política, e até mesmo em relação a negócios.
Na maioria dos casos na Rússia, e de forma semelhante na China ou mesmo no Brasil, a filantropia privada é um braço diferente da doação corporativa. Sob a iniciativa de seus donos, as corporações redefinem sua responsabilidade social empresarial e adotam visões estratégicas e de longo prazo sobre o apoio a comunidades. Mais estratégicos, portanto, os programas filantrópicos logo crescem além do interesse corporativo inicial e ganham vida própria. Alargando o conflito entre os objetivos dos negócios e expandindo ambições e interesses dos donos, a filantropia dos donos torna-se separada dos assuntos corporativos.
Com raras exceções, novos projetos filantrópicos freqüentemente começam pequenos. Outros caminham com cuidado ao longo de uma corda bamba, receosos de qualquer medida mais drástica. Uma característica comum entre os novos filantropos é a profunda desconfiança que eles mantêm por instituições organizadas, sejam elas órgãos públicos e organizações não governamentais. Eles aprenderam a ciência dos negócios da maneira mais difícil, e por isso aplicam atitudes semelhantes em relação à filantropia.
O paradoxo é a característica que melhor define a nova filantropia. Novos doadores desejam receber reconhecimento público, mas ao mesmo tempo temem a exposição pessoal, uma reação radical do público, a aceitação ou rejeição de seus projetos. Eles querem desesperadamente permanecer independentes em suas doações, na escolha de prioridades e até mesmo na eleição dos locais de apoio. Mas prontamente se submetem à pressão dos governos locais e nacionais e, com base nelas, estabelecem seus compromissos de investimento. Mesmo independentes, quase sempre acabam escolhendo como prioridades causas muito tradicionais para a filantropia privada, que são bem aceitas pelo público.
Sendo essencialmente jovens e ocupados em suas atividades profissionais, os novos filantropos não dispõem de muito tempo para  dedicar á filantropia privada. Mas, apesar disso, querem marcar presença e sentir que estão envolvidos. Freqüentemente, a solução para tantas contradições é a criação de um projeto filantrópico próprio. Parece que, para muitos deles, investir em um projeto filantrópico próprio lhes dá experiência e amplia o sentimento de ação direta. O que eles não reconhecem é que, ao escolher ou criar um projeto particular, efetivamente “trancam” significativas quantias de dinheiro que se tornam não acessíveis para projetos de outras organizações do terceiro setor.
Os novos filantropos são jovens e ambiciosos, cínicos e românticos, desconfiados e ingênuos ao mesmo tempo. A maioria dos indivíduos com quem tenho trabalhado enxerga a filantropia privada como um conquista pessoal, menos questionável de sua perspectiva e aos olhos do público do que seriam suas vitórias nos negócios. Na Rússia, por exemplo, o fato de criar grandes riquezas segrega empresários mais do que lhes oferece apoio público e reconhecimento. Nesse sentido, a filantropia acaba por se transformar numa corda bamba, que conecta jovens e bem-sucedidos milionários a seus pais, amigos e  comunidades. E também estabelece valores. Não os valores  inerentes á filantropia, como ela é vista nos Estados Unidos, mas os desenvolvidos no exercício prático da experiência filantrópica.
Ser público e extremamente privado ao mesmo tempo, assegurar doações em longo prazo para filantropia em jurisdições confiáveis e mostrar o “filantropismo” necessário – patriotismo filantrópico em seus países nativos. Esses são apenas alguns dos desafios que se impõem para os profissionais e escritórios que assessoram tecnicamente os novos doadores em países emergentes. A solução está em parcerias entre organizações de apoio à doação ou outros intermediários de doações e consultores de gestão de riquezas. A combinação de conhecimento em primeira mão da parte receptora, das necessidades e oportunidades do mundo sem fins lucrativos, com soluções práticas e gestão sustentável das fundações de doação, pode criar uma base estável para o crescimento considerável de doações particulares feitas em países com economias em ascensão.
E pode aproximar o dia em que respeitáveis organizações internacionais, como a Cruz Vermelha Internacional ou a Action Aid receberão a maioria das doações não só dos bons corações pagadores de impostos britânicos, mas da nova riqueza no leste e sul.
*Olga Alexeeva é a executiva da CAF Global Trustees, responsável na CAF (Charity Aid Foundation)  por promover as fundações privadas e familiares.

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