Reflexão – Criadores de mercados que mudam o mundo

Reflexão – Criadores de mercados que mudam o mundo

Está claro que o mundo enfrenta mudanças épicas, desde conflitos imediatos como terrorismo e armas de destruição em massa, até a pobreza, fome, ameaça de pandemias globais e a maior de todas as questões, a mudança climática. Abordadas, no entanto, da forma correta, as crises de hoje nos levarão as soluções de amanhã. Representam, na verdade, imenso potencial de oportunidades de mercado.
Estima-se haver quatro bilhões de consumidores de baixa renda, a maioria da população mundial. Esse enorme contingente de indivíduos compõe o que se denominou chamar de “base da pirâmide (econômica)” ou, na sigla em inglês, BOP (Base of the Pyramid). Uma linha de pesquisa constantemente em expansão está explorando maneiras de conhecer essa população para “melhor identificar suas necessidades, aumentar sua produtividade e demanda, e dar força à sua inclusão na economia formal”.
Mercados da base da pirâmide estão longe de serem pequenos. Avalia-se, por exemplo, que na Ásia (incluindo Oriente Médio) eles reúnam 2,86 bilhões de pessoas com uma demanda total de U$ 3,47 trilhões. Na Europa Ocidental, movimentam U$458 bilhões, na América Latina, U$ 509 bilhões e na África, U$ 429 bilhões. Em todo o mundo –acredita-se – o mercado BOP equivale a nada desprezíveis U$ 5 trilhões.
Como fazer, no entanto, com que os principais negócios financeiros e as lideranças políticas compreendam efetivamente essas tendências emergentes em criação de valor? Três respostas vêm rapidamente à mente. Primeiro, podem começar a experimentar novos modelos de negócios, agindo como sugerem os mais importantes livros sobre base da pirâmide.
Pamela Hartigan
Segundo, devem levar em conta o que pensadores sobre lideranças de negócios têm longamente argumentado: no universo dos empreendimentos, uma atitude de valorização do “poder-fazer” tende a ser mais bem-sucedida do que o apoio a uma mentalidade do tipo “não-poder-fazer”. Terceiro, faz sentido rastrear, estudar e trabalhar com os modelos do “poder-fazer” e do “nós-podemos-bolar-como-fazer-isso” adotados por inovadores e empreendedores que já estão trabalhando duro para desenvolver soluções para o mundo real. É exatamente isso o que estamos fazendo desde a virada do milênio – identificando, estudando, criando redes e dando suporte a alguns dos mais bem-sucedidos empreendedores sociais e ambientais do mundo. Os resultados desse esforço podem ser vistos em nosso novo livro “The Power of Unreasonable People” – O Poder das Pessoas Irracionais (em tradução livre).
Sobre o título do livro, vale destacar o que disse certa vez George Bernard Shaw. Segundo o dramaturgo, “o irracional persiste na tarefa de tentar adaptar o mundo a si mesmo, logo, todo progresso depende dos homens irracionais”. Partindo dessa definição, acreditamos que grande parte do futuro possa ser construída a partir do sucesso dos empreendedores tidos como irracionais — alguns tratados como “loucos” até mesmo pela família e amigos – na disseminação de suas idéias e modelos de negócio aparentemente loucos. Eles são agentes de mudança. Na verdade, são a própria mudança.
Então, onde podem ser encontrados os agentes de mudança? Nesses tempos de extraordinária volatilidade, tumultos e mudanças, o melhor lugar para se procurar pistas sobre o modelo revolucionário de negócios do amanhã são as frivolidades do sistema disfuncional. Assim, é para lá que devemos ir. A jornada nos levou da principal corrente para as margens, isto é, da reunião alpina da elite global em Davos, na Suíça, para as reuniões de empreendedores sociais em lugares como São Paulo ou aos inflamados depósitos de lixo de Bangladesh; das melhores escolas de negócios para os países mais violentos do Oriente Médio e as comunidades inteiras infectadas por HIV na África. No processo, cremos ter achado pistas sobre o canal em que todos os negócios – grandes ou pequenos, corporativos ou empreendedores – operarão nos mercados do futuro.
E os empreendedores sociais, onde podem ser identificados? A resposta é: em todo lugar. Porém, alguns países e regiões, eles aparecem com freqüência acima da média. Quando, alguns anos atrás, analisamos a lista de empreendedores da Schwab Foundation, uma contagem aproximada mostrou os continentes que possuem mais para os que possuem menos empreendedores.
A maior concentração de empreendedores sociais na Ásia é encontrada no subcontinente hindu. Três dos quatro países da região – Índia, Paquistão e Bangladesh – estão bem representados nesse quesito. Existem, na verdade, muitas razões para o alto nível de atividade empreendedora nessas nações, como, por exemplo, os problemas políticos que a região sofre desde sua divisão, nos anos 1940, a escala absoluta da pobreza relacionada a dilemas persistentes e o número extraordinário dos desastres naturais que os afetaram – incluindo o tsunami no final de 2004.
Próxima parada, América Latina. Novamente, são notáveis os fatores específicos que levam os empreendedores sociais a se fixarem na região. Excluindo pressões populacionais, alta taxa de pobreza e problemas ambientais crescentes, os governos dessa região historicamente têm se mostrado fracos, corruptos e ineficazes. Para tentar preencher o vácuo, muitas das igrejas nesses países incentivam soluções empreendedoras para problemas sociais. Quem se der ao trabalho de ler a lista mundial da Schwab Foundation de empreendedores fora do comum, verá que, com nove indivíduos, o Brasil, por exemplo, só perde em número de agentes para os Estados Unidos, que tem vinte.
Pode parecer surpreendente, se considerarmos, no total, a saúde econômica na América do Norte. Mas os fatos falam por si próprios. Empreendedores sociais são encontrados em todos os lugares nos EUA, desde o mundo high-tech do Silicon Valley até muitas reservas nativo-americanas, marcadas, ás vezes, por condições de vida de terceiro mundo. Um exemplo é o First Nations Development Institute – Instituto de Desenvolvimento das Primeiras Nações – fundado por Rebecca Adamson, uma cherokee que liderou uma mudança de paradigma cultural em comunidades nativo-americanas, encorajando oempreendedorismo no lugar da passividade. É verdade que muitos empreendedores sociais americanos se focam nos problemas do resto do mundo, mas um número cada vez maior deles também trabalha em questões de interesse nacional, como o apoio ao crescente número de idosos, a proteção dos interesses de trabalhadores independentes, babás e motoristas de táxi até desenvolvedores de softwares e consultores.
Diante disso, o que faz alguns países e regiões serem mais bem-sucedidos na produção de empreendedores sociais? É uma combinação de grandes desafios (assim como no subcontinente hindu), governos relativamente fracos (embora Reino Unido e EUA sejam exceção), uma cultura que encoraja ou, pelo menos, não barra o empreededorismo e sistemas tributários legais favoráveis. Na maior parte do tempo, esperamos que os países ao redor do mundo se tornem muito mais focados em desenvolver as condições que encorajem e dêem suporte a esses seres irracionais, empreendedores sociais e ambientais que criam mercados.
John Elkington e Pamela Hartigan são parceiros fundadores e diretores da Volan Ventures(www.volans.com). John também é co-fundador e diretor da SustainAbility (www.sustainability.com), enquanto Pamela foi até recentemente, diretora-gerente da Schwab Foundation for Social Entrepreneurship (www.schwabfound.com.org)

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