Aos que me procuram, querendo trabalhar com ESG, em fase de transição de carreira, costumo fazer algumas recomendações que vão virar série de mentoria aberta aqui em NetZero. Seja intelectualmente honesto é uma delas. Na minha experiência, tenho visto muito profissional simplificar a sustentabilidade empresarial. Quem simplifica o que é naturalmente complexo, já disse Edgar Morin, elimina a contradição, reduz o diálogo e recorta a realidade em fragmentos.
Alguns se dão a esse papel porque querem vender a ideia de que são “descomplicados”, de que conseguem “decifrar” e “traduzir” a coisa toda, facilitando a vida de clientes e chefes “pragmáticos” que já sinalizaram falta de paciência para o assunto. Outros, o fazem por falta de repertório mesmo ou preguiça de estudar as diferentes variáveis, as interdisciplinaridades, os modelos mentais que definem sistemicamente o conceito.
Ambos, no meu modo de entender, acabam por subestimar a capacidade de compreensão dos seus interlocutores ao mesmo tempo em que superestimam o seu próprio conhecimento. Ambos têm verdades de estimação e são refratários a opiniões contrárias às suas crenças. Na defesa ou no ataque, para preservar posições ou mostrar sapiência, apoiam-se em argumentos ligeiros que lhes desobrigam de discussões longas (justamente aquelas nas quais emergem as fragilidades) ou de terem que desagradar quem os contrata.
Em ESG isso é tiro no pé. Custa tempo, energia, dinheiro e motivação. Guardo um baú cheio de exemplos. Lembro do caso de uma executiva que sofreu por três anos com uma questão que estava sob seu controle mudar: o Relatório de Sustentabilidade, feito sob a metodologia do GRI, escondia à sua revelia os pontos a melhorar. Na edição dos textos, a chefe, uma diretora de comunicação, insistia em “suavizar a linguagem” para não passar a impressão de que a empresa andava devagar no assunto, um modo prático de reparar no word a falta de planos de ação efetivos do excel.
A executiva não se sentia à vontade de assinar o que julgava ser uma “mentira”, mas, ao mesmo tempo, dizia, nenhuma justificativa convencia a diretora a mudar de opinião. Cogitou abrir mão do emprego. Numa sessão de mentoria, eu e ela criamos um argumento orientado por pressupostos técnicos ligados à natureza dos relatórios e uma abordagem serena baseada em riscos reputacionais. A diretora, enfim, entendeu o recado. Lição aprendida, segundo a executiva: “Eu tinha razão, mas não soube compreender nem as inseguranças nem o desconhecimento sobre premissas de relatórios de sustentabilidade da minha chefe. Estudei pouco o assunto. Achava que, por saber mais que ela, deveria ter sua total confiança. Fui arrogante, fechei-me nas minhas próprias convicções. Virei a chata da cobrança.”
COM A FACA NO PESCOÇO
Um segundo episódio envolveu um bem-sucedido jovem executivo de sustentabilidade. Com a ascensão global do ESG, há três anos, e a maior demanda dos atores de mercado por “posicionamento” formal no tema, o vice-presidente o chamou para uma missão de emergência: sob a pressão de um cliente, a empresa precisava estabelecer uma estratégia ESG ou corria o risco de perder o contrato.
Quando começamos a conversar, ele próprio definiu sua situação profissional como “o momento mais tenso” de sua carreira. Já tinha um estudo de materialidade, um primeiro esboço de planos de ação e convicções sobre caminhos a seguir. O chefe não aprovava nada. Relutava ir adiante. A estratégia subiu no telhado, as cobranças subiram de tom.
De tudo o que ele relatou, chamou-me a atenção o seu sentimento de que a empresa queria “fazer o mínimo, com o receio de que a estratégia viesse a criar compromisso e urgência.” Dei-lhe as boas-vindas ao mundo real: ESG é escolha e escolha depende das renúncias econômicas que a empresa está realmente disposta a fazer no curto prazo. Empresas resistem inercialmente porque não conseguem encontrar alegações econômicas para investimentos socioambientais.
De nossas conversas, surgiu uma estratégia do tipo one page, os temas materiais foram reorganizados (acrescentando alguns que não tinham sido considerados!), os planos de ação se tornaram mais objetivos, surgiram prioridades, logo transformadas em compromissos públicos. Após um período de inquietude e hesitação, o executivo se apropriou da nova proposta e se preparou, como gente grande, para reiniciar as apresentações. A aprovação da estratégia pelo Conselho de Administração, dois meses depois, não só confirmou uma jornada intensa de amadurecimento profissional, como o credenciou para capitanear a execução dos planos de ação.
Lição aprendida, segundo o jovem executivo: “Não tinha todo o domínio técnico necessário. Defendi pontos irrelevantes e negociáveis. Irritado com a relutância do VP, questionei duramente as suas premissas sem apresentar fundamentos mais claros. Ao rever a estratégia descobri falhas elementares. Usei linguagem errada. Usei, inclusive, números errados que, se não atrapalharam, também não ajudaram a derrubar as objeções ao tema na empresa.”
NEM SEMPRE O FINAL É FELIZ
Essa história me lembrou ainda as de dois outros executivos de sustentabilidade, com finais, no entanto, menos felizes. Um deles perdeu a posição por insistir na tese de que a empresa não deveria investir em gestão de emissões de carbono descolada de uma estratégia ampla de ESG (sem pressão de investidores, a empresa nunca compreendeu o que era uma estratégia ESG e por que deveria ter uma.)
Jovem promissora gerente retornou para sua área original, desperdiçando uma “promoção”, por ter se tornado mais uma ativista de diversidade e inclusão do que a coordenadora atenta e paciente de um plano que enfrenta a oposição de vieses inconscientes e evolui, na maioria das vezes, mais lentamente do que seria desejável. Ativismo é fundamental para acelerar alguns temas de ESG, mas pode atrapalhar quando, em excesso, radicaliza posições e atropela a realidade.
Se quiser atuar com honestidade intelectual em ESG, considere:
(1) Estudar, aprofundar, sair da zona de conforto.
Antes de formar uma convicção, estude e se aprofunde, principalmente nos conhecimentos externos à sua área de formação e conforto. ESG é multidisciplinar, complexo, sistêmico. Forme um pensamento crítico claro sobre os grandes temas e os desafios de E, de S e de G de sua empresa. Atualize-se. Não importe fórmulas de outras empresas. Construa argumento técnico, embasado em ferramentas consagradas, dados públicos de fontes confiáveis, benchmarking de empresas e análise de tendências.
(2) Ouvir e compreender as objeções, sem atacá-las.
Antes de questionar os argumentos do chefe ou cliente, procure ouvi-los com a devida atenção, reconheça as fortalezas e fragilidades. Destaque as fortalezas. Evite reforçar as fragilidades. Utilize-as, isso sim, como elementos para construir um argumento de defesa sólido e convincente. Isso não significa não ter crítica, muito pelo contrário. Foque no argumento e não na pessoa.
(3) Rever convicções, controlar emoções.
Convicções inflamam, exaltam emoções. Controle-as. Se se tornar agressivo, na defesa de uma ideia, perdeu a razão ainda que ela esteja do seu lado. Quando for questionar os argumentos do interlocutor, não se deixe irritar com resistências às suas ideias. Reconheça o ponto de vista alheio para desmobilizar racionalmente eventuais focos de resistência. Reconheça que você também pode ter crenças furadas e que elas podem ser uma armadilha.
(4) Melhor argumento considera o que realmente importa em ESG para a empresa.
Não existe argumento perfeito. Saiba reconhecer as vulnerabilidades dele (falta de informações atuais, por exemplo) e esteja preparado para ponderá-lo com o seu interlocutor. O melhor argumento, em ESG, deve levar em conta também como a empresa enxerga as suas principais “dores” (riscos) e vantagens (oportunidades.)
(5) Arrogância afasta.
Se estiver errado, no uso de dados e informações, ou no embasamento de teses, reconheça prontamente. Arrogância cria anticorpos. O que está em jogo (a inserção estratégica do ESG) é algo maior do que as veleidades individuais, suas ou de seus superiores.
(6) Entenda o valor atribuído pela empresa a determinados temas, não force barras.
Leve em conta como a empresa toma decisões e qual o valor efetivo, na cultura organizacional, dos temas ESG. Identifique os que são objeto de maior objeção. Compreenda os motivos e prepare-se com argumentação adequada. Acelere o ritmo, sem atropelar. A empresa pode até acreditar nessa história de que sustentabilidade “está no nosso DNA e tudo acontece a seu tempo”. Você, se quiser intelectualmente honesto, não.
(7) Evite mudar de opinião toda hora, construa um argumento sólido.
Reconhecer a necessidade de mudança de rota é um sinal de inteligência. Mas não seja uma metamorfose ambulante. Mudar de opinião e abordagem o tempo todo cria dúvida no interlocutor, mostra inconsistência.
(8) Preserve a ética nas relações.
Nunca use um argumento do interlocutor para desqualificar opiniões, seja na relação direta com o seu chefe ou cliente seja na relação com públicos relacionados a eles.
(9) Cuidado com o egocentrismo.
Acate as críticas do interlocutor quando elas forem razoáveis. E, algumas vezes, são. Faça com que ele perceba este comportamento. Demonstra empatia, segurança e boa auto-estima, características sustentáveis importantes opara um profissional de sustentabilidade.
**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero.
A Ideia Sustentável constrói respostas técnicas eficientes e oferece soluções com a melhor relação de custo-benefício do mercado, baseadas em 25 anos de experiência em Sustentabilidade e ESG.