Ponto de Vista – A “contaminação” pelo vírus social

Ponto de Vista – A “contaminação” pelo vírus social

Pergunta: Qual o papel do investimento social privado no desenvolvimento do País?
Os desafios brasileiros neste século 21 são complexos demais para serem superados com o trabalho de apenas um ou outro setor da sociedade. O papel da iniciativa privada no desenvolvimento do País não pode mais estar limitado ao crescimento do PIB – Produto Interno Bruto. Há um amplo espaço para que as empresas, sem se desviarem de sua vocação primeira, atuem no combate a desigualdades e injustiças.
As mudanças profundas que vêm ocorrendo nas últimas décadas na economia mundial – notadamente aquilo que se convencionou chamar de “globalização” – têm provocado transformações igualmente profundas na maneira como essas empresas trabalham e constroem sua imagem, ou marca, perante a sociedade. No Brasil, outros fatores, como a democratização do país e problemas sociais e ambientais crescentes, também implicam novas demandas para as empresas.
Ao papel tradicional de gerar bens e serviços, lucro, trabalho e pagar impostos, somam-se agora desafios como se tornar socialmente responsável e fazer investimentos sociais. Neste sentido, cada vez mais empresários têm revisto seus processos produtivos, buscando maneiras mais sustentáveis de fazer seus negócios florescerem, o que envolve desde as relações trabalhistas até a questão dos resíduos poluentes.
Temos acompanhado também uma expansão acentuada no número de projetos de desenvolvimento social criados ou financiados por empresas, de forma voluntária, sistemática, planejada e monitorada. Esse processo de crescimento acelerado começou na década de 90, especialmente em São Paulo, onde há concentração econômica, e, na década atual, tem atingido outras regiões onde a economia floresce, como o Nordeste.
Uma das características mais marcantes da atuação dessas empresas no campo social é que elas transferem aos projetos sua lógica de gestão de recursos, de planejamento de ações e, principalmente, a busca da eficiência e resultados efetivos. Só isso já seria uma contribuição importante para o campo social, que historicamente tem pouca experiência em planejamento, gestão, monitoramento e avaliação – práticas comuns no campo dos negócios.
Mas há também outras contribuições. Por não sofrerem a pressão política comum aos governos, a iniciativa privada tem a chance de testar modelos e metodologias, em menor escala, que podem ser absorvidas e implementadas como políticas públicas – aquilo que no campo científico é chamado de “pesquisa e desenvolvimento”. Há inúmeros exemplos concretos do sucesso dessa relação, em áreas que vão da educação e saúde à preservação ambiental.
Outra área em que o investimento social privado faz a diferença, junto com toda a sociedade civil organizada, é na continuidade das políticas públicas. Hoje já há um conjunto bastante consistente de soluções para os desafios sociais brasileiros. O grande problema, portanto, não é tanto do que fazer, mas de implementar políticas de longo prazo – que é a única forma de realmente transformar a sociedade.
A questão é que a rotatividade de governantes provoca uma rotatividade de projetos. No campo da educação, por exemplo, impressiona a frequência com que se utiliza a expressão “reforma”, quando o que a educação brasileira precisa hoje é a mesma estabilidade e priorização que a economia vem recebendo no mundo todo.
Enquanto as políticas públicas sociais forem vistas como sendo parte do plano político ou estratégia deste ou daquele grupo, enquanto não tiverem qualidade e continuidade, será muito difícil conseguir mudar a realidade social do país. Os governos passam, mas a sociedade civil organizada fica. E quanto mais os empresários e as empresas estiverem envolvidos na construção das políticas sociais, mais sustentabilidade elas tendem a ter.
Resumindo, os investidores sociais privados têm demonstrado, por meio de seus trabalhos, que este setor contribui para o desenvolvimento do país em pelo menos quatro áreas da maior importância.
A primeira delas é fomentando a organização da sociedade civil, isto é, a cidadania, seja com recursos financeiros, seja com conhecimento e formação. A segunda, promovendo ações que ora diminuem sofrimentos individuais, ora enfrentam as causas desse sofrimento. Continua com a atuação para a construção, qualificação e sustentabilidade das políticas públicas ambientais, culturais e sociais e, finalmente, pressionando e cobrando do Estado continuidade e sustentabilidade das políticas públicas do campo social.
É importante destacar ainda que pouco adianta uma empresa ter uma bela política de investimento social privado se não cuidar também da responsabilidade social na gestão de seu negócio. Investir em educação na comunidade sem manter, ao mesmo tempo, políticas qualificadas de desenvolvimento dos recursos humanos da empresa é um contra-senso.
Mas o que por vezes tem acontecido é que, ao entrar em contato com as dinâmicas da comunidade, por meio de seu investimento social privado, a empresa é “contaminada” por uma visão social que tende a influenciar o próprio negócio. Ou seja, muitas empresas vêm construindo sua visão e política de responsabilidade social a partir do mesmo núcleo de pessoas que implantou seu investimento social privado.
*Fernando Rossetti cientista social, jornalista e secretário geral do Gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
 

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