Se você frequenta seminários de responsabilidade social ou mesmo já participou de alguma reunião na empresa para tratar desse tema, certamente já ficou em dúvida sobre um conceito, um termo ou uma idéia. E já esteve diante de perguntas para as quais não tinha muita certeza da resposta. Sem nenhuma pretensão de esgotar assunto que, por princípio não se esgota, na medida em que se apóia em paradigmas em construção, o texto a seguir tenta responder a quatro dessas qustões –duas novas e duas recorrentes –, com o objetivo de melhorar o repertório dos profissionais que, de uns tempos para cá, passaram a ter que refletir sobre a RSE — Responsabilidade Social Empresaria no dia-a-dia de seu trabalho. Vamos a elas:
Responsabilidade social é diferente de responsabilidade socioambiental?
A rigor, os dois termos são variações do mesmo tema. A diferença parece estar mais na terminologia do que no conceito a considerar o fato de que a variável meio ambiente aparece direta ou indiretamente nas definições clássicas de responsabilidade social empresarial. Mais relevante do que o nome, no entanto, é assegurar o equilíbrio entre as preocupações ambientais e sociais, fazendo com que deixem de ser um discurso conveniente, para ganhar aplausos da torcida, e passem a orientar as práticas, as estratégias corporativas e o modo de a empresa conduzir os seus negócios. Nesse sentido, são três os desafios que se impõem às corporações. O primeiro é resistir à tentação de circunscrever a RSE a um departamento específico, deixando de lhe emprestar o necessário status de tema transversal na gestão de todas as etapas do negócio e da cadeia produtiva. Esse risco diminui –é bem verdade — quanto mais estratégica é a posição do departamento, quanto mais próximo ele está do topo da organização ou quanto mais ele pode influenciar grandes mudanças culturais.
O segundo desafio é tornar o tema prioridade efetiva na agenda de acionistas e alta direção, criando, de fato, uma cultura de triple bottom line, na qual os resultados sociais e ambientais tenham importância comparável aos econômicos. E isso –vale destacar — nada tem de romântico, utópico ou mistificador, como querem alguns seguidores da cartilha do economista norte-americano Milton Friedman. Índices financeiros insupeitos como o ISE da Bovespa e o Dow Jones de Sustentabilidade estão aí para provar que a RSE adiciona valor real ás companhias. É lucrativo ter competitividade responsável.
O terceiro desafio diz respeito a mudar modelos consagrados de negócio, substituindo lógicas confortáveis que garantem o lucro rápido e com baixo risco, por outras que levem em conta os impactos junto ás partes interessadas. E também considerem os seus custos como investimento e não despesa. Como fazer, por exemplo, que um gerente acostumado a cortar gastos para controlar a rentabilidade passe, de um dia para outro, a conferir o mesmo peso de importância do preço baixo ao comportamento socialmente responsável, na contratação de um fornecedor? Como estimular que um comprador empresarial compre a preço justo se ele aprendeu que pressionar o produtor, para aumentar a margem, é um sinal de eficácia negocial? Por que estabelecer políticas de recrutamento de pessoas negras ou estender os benefícios do convênio de saúde ao companheiro homossexual? Por que comprar móveis de madeira certificada se eles costumam custar mais caros do que os convencionais? Para que implantar um código de ética? Não há respostas simples nem fáceis. Quaisquer que sejam elas, no entanto, certamente exigirão uma revisão profunda de valores, um compromisso explícito da alta direção e um esforço cotidiano e vigilante em relação a práticas as mais diferentes que vão desde o respeito à diversidade até o descarte de embalagens.
Responsabilidade social e sustentabilidade são idéias distintas?
A resposta é não. Uma e outra são noções complementares. A segunda representa uma espécie de estágio avançado da primeira. E se caracteriza sobretudo pela forma radical com que imprime no corpo e na alma dos negócios temas antes estranhos no universo empresarial, como a inclusão social de pessoas, o desenvolvimento de comunidades e o uso sustentável de recursos naturais para que o lucro do presente não seja obtido em detrimento das boas condições de vida das gerações futuras.
Ao construir, por exemplo, uma planta industrial incluindo na discussão de todo o projeto as famílias do entorno que vão ser responsáveis pela produção de matéria-prima, trasnformando-as em parceiras do empreendimento a empresa reduz custos de produção, preserva a biodiversidade local, promove a inclusão social das famílias por meio de geração de renda e contribui para o desenvolvimento da comunidade. Isso não é benemerência, mas um jeito diferente de negócio. É efetiva preocupação com a sustentabilidade.
Balanço social é uma peça de propaganda?
Definitivamente não. E por não compreender isso muitas empresas tendem a valorizar mais a qualidade gráfica dos relatórios de encadernação luxuosa do que a consistência e a relevância das informações.
Um balanço social tem, a rigor, duas finalidades. Uma interna, que é de servir como instrumento para planejar, monitorar e avaliar a gestão de RSE. E a outra externa, de comunicar aos stakeholders as preocupações sociais e ambientais da empresa, mostrando o que ela faz para minimizar os impactos junto aos que sofrem a influência de suas atividades. Para cumprir uma e outra função, um balanço social deve ter a transparência de publicar todas as informações necessárias–as que reforçam pontos fortes e também as que revelam os pontos nos quais a empresa precisar trabalhar mais.
Responsabilidade social é sinônimo de cidadania corporativa ou de investimento social privado?
Não é, embora muita gente ache que sim. Claro que reconhecer o seu papel cidadão e investir na melhoria da qualidade de vida de comunidades são comportamentos comuns em empresas socialmente responsáveis. Mas não suficientes para definir RSE.
O equívoco, nesse caso, é tomar o todo pela parte, o que acaba por simplificar excessivamente o conceito, prejudicando a sua melhor compreensão. Vale ressaltar que o investimento social privado concentra-se quase sempre no vetor comunidade, um dos sete sugeridos pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Os outros são transparência, governos e sociedade, clientes, funcionários, fornecedores e meio ambiente.
Muitas companhias acreditam que, ao fazerem doações financeiras ou investirem em projetos comunitários, estão sendo socialmente responsáveis. Mas este é apenas um pedaço do compromisso que pode, no entanto, perder o seu sentido mais amplo se a mesma empresa insistir, por exemplo, em práticas pouco éticas e desrespeitosas em relação a fornecedores, funcionários, clientes e sociedade.
A RSE é o campo das contradições. Empresas avançam em um ponto hoje, retrocedem em outro amanhã, compondo uma trajetória quase nunca linear. Por essa razão, convém não afirmar que uma empresa é socialmente responsável. Mais sensato é dizer que ela caminha para ser. E , nesse caso, só aprende, de fato, caminhando.
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