O desafio de formar líderes sustentáveis

O desafio de formar líderes sustentáveis

A necessidade de formação de líderes sustentáveis não foi assunto específico em nenhum momento da Conferência  Internacional de Empresas e Responsabilidade Social, promovida pelo Instituto Ethos, na semana retrasada. Mas apareceu, como mote transversal, nas falas de alguns dos mais importantes especialistas mundiais, entre eles John Elkington (o criador do conceito de tripple bottom line) da SustaintAbility, Simon Zadek, da AccountAbility e Manuel Escudero, executivo principal do Global Compact. Convidados internacionais também destacaram a relevância do tema.
É opinião comum que os mercados só vão incorporar a cultura de responsabilidade social empresarial por força da ação de líderes socialmente responsáveis. E eles não estão sobrando. É verdade que as escolas de negócio de ponta têm formado bons gestores em todo o mundo. Mas ainda não desenvolvem líderes sensíveis, éticos e responsáveis, com visão de longo prazo, capacidade de conciliar resultados econômicos, sociais e ambientais, habilidade para dialogar com stakeholders, coragem para influenciar atitudes e comportamentos, romper paradigmas e mudar modelos de negócio; e ainda consciência para compreender o propósito moral e filosófico da mudança que se deve operar no modo de as empresas fazerem negócios.
Já se disse um dia que gestores têm subordinados e líderes, seguidores. No caso da RSE, bons gestores de ferramentas são importantes. Mas os líderes, com princípios e valores, são imprescindíveis. E, ao que tudo indica, eles não vêm saindo em fornadas das escolas de administração de empresas. Harold Leavit, professor da Universidade de Stanford, tem um ponto de vista interessante sobre o atual sistema de formação de executivos. Para ele, trata-se de um “processo estranho que distorce aqueles  que são sujeitos a ele e os transforma em criaturas com mentes desequilibradas, corações de pedra e almas sem vida.”  Exageros à parte, o que está por trás da afirmação de Leavit é o questionamento de um modelo de educação ainda conceitualmente preso ao pensamento empresarial do século passado, que se restringe a uma visão cartesiana de mercado, confere ênfase ao instrumental de gestão e não integra os novos papéis das empresas no relacionamento com a sociedade e o meio ambiente.
Para desenvolver uma nova geração de líderes socialmente responsáveis, as escolas de negócio não poderão apenas treinar habilidades e competências técnicas. Precisarão, mais do que isso, desenvolver novos modelos mentais.
A inserção da RSE nos programas de educação de administradores pode ser uma saída. Não como um conteúdo á parte, um curso ou disciplina marginais, não conectadas com marketing, finanças, gestão de pessoas e logística. Mas como elemento transversal de todo o processo educacional. São dois os desafios que se apresentam.  Um é de natureza curricular. Se quiserem, de fato, estar em sintonia com os atuais desafios dos líderes, os currículos precisam integrar diferentes campos do conhecimento humano.
Devem, sobretudo, considerar abordagens mais holísticas, tratar a ética como driver, desenvolver atributos como integridade, empatia, diálogo, compaixão e autoconsciência, valorizar práticas empresariais sustentáveis e promover análises multidisciplinares sobre questões políticas, sociais, tecnológicas e ambientais.
O outro desafio é pedagógico. Se quiserem formar líderes com consciência crítica, preparados para questionar premissas econômicas, culturais e políticas hoje consagradas, as escolas de negócio terão que investir em  propostas de ensino mais horizontais, que excedam o velho sistema de transferência vertical de conhecimento e estimulem a convivência com outros pontos de vista, ainda que dissonantes. Mais do que isso: deverão ser um exemplo de comportamento cidadão, envolvendo os professores e em atividades voluntárias para a comunidade, assumindo metas de emissão de carbono e adotando práticas de ecoeficiência em suas instalações. Afinal, educa-se sempre pelo exemplo.
As circunstâncias nunca foram tão favoráveis para essa mudança. Empresas, estudantes e instituições parecem muito sensíveis para o tema.  Em 2004, um grupo de professores da FEA-USP apresentou um estudo para inserir conceitos de RSE nos cursos de Administração de Empresas.  Uma pesquisa de campo com alunos concluiu que 93% demonstravam interesse pelo tema, 59% acreditavam que a disciplina de RSE deveria ser obrigatória e 80% achavam que a escola não os preparava adequadamente. Já entre as empresas, 80% não acreditavam que os alunos saíam da faculdade preparados para uma atuação socialmente responsável e 87% achavam que os alunos sensíveis às questões sociais e ambientais tinham maior chance de ascensão nas corporações.
De lá para cá, o quadro certamente evoluiu na direção de uma maior valorização do tema por parte dos três elos envolvidos. A educação é, na visão do Global Compact da ONU, um dos quatro grandes desafios-chave para os líderes globalmente responsáveis. Pensar e agir em um contexto global, ampliar o propósito corporativo para que as empresas atuem em nome do bem comum e colocar a ética no centro de seus pensamentos, ações e palavras são os outros três.
Para as Nações Unidas, líderes socialmente responsáveis são aqueles que valorizam o desenvolvimento humano e as riquezas naturais tanto quanto o capital financeiro, assumem compromissos éticos elevados, confiam nas pessoas tanto quanto nos sistemas, reconhecem que as empresas possuem a criatividade e os recursos necessários para solucionar os problemas sociais e ambientais e que, além da responsabilidade de criar valor para o seu negócio, têm também o dever moral de fazer algo mais pela comunidade e pelo País. Tudo isso pode e deve ser ensinado nas escolas.

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