O desafio de formar líderes sustentáveis – Parte 2

O desafio de formar líderes sustentáveis – Parte 2

A boa repercussão do artigo publicado na semana passada sobre a formação de líderes sustentáveis, agentes fundamentais na construção da cultura da responsabilidade social, impõe a tarefa de voltar ao assunto com novas idéias e abordagens.  Das muitas mensagens recebidas, o que se pode concluir é que ninguém tem dúvida de que não haverá companhias socialmente responsáveis sem líderes socialmente responsáveis; de que estes andam escassos, e de que formá-los é urgente, embora não se saiba exatamente como fazer ou onde buscar referências específicas.
Peter Drucker disse certa vez que empresas e organizações sem fins lucrativos tinham muito a aprender umas com as outras. As empresas –acreditava – poderiam dar aulas sobre foco, planejamento, estratégias, eficiência na gestão de recursos e eficácia no alcance de resultados. As organizações de terceiro setor, por sua vez, poderiam ensinar sobre como se faz muito com pouco, a compreender o valor do serviço para os “clientes” e, principalmente, a obter a motivação, a paixão e a adesão, em uma dimensão voluntária, de sua força de trabalho.
Esses “conhecimentos”, imaginava Drucker, se aplicariam também á liderança. Estudioso do tema, o pensador achava que, na sociedade do conhecimento, o maior desafio dos líderes de negócios era exatamente o mesmo que os líderes sociais já haviam tirado de letra: definir uma visão motivadora para a organização, estabelecer valores claros de atuação e mobilizar as pessoas em torno de uma missão. Para ele, os profissionais do conhecimento são como os voluntários de uma organização social. O que os atrai e os mantém estimulados é um propósito instigante, desafiador o suficiente para exceder o lugar-comum, uma causa com a qual se identificar. Eles precisam saber o que companhia busca e os modos que escolheu para atingir os seus objetivos
Em um tempo no qual tudo parece transitório, na opinião de Drucker, os fundamentos da liderança seguem os mesmos. Liderança é, acima de tudo, uma questão de “como ser”, e não de “como fazer”. Líderes são sujeitos especiais que prosperam a partir do esforço das pessoas que lideram, gente que coloca compromisso pessoal em tarefas comuns, indivíduos que constroem pontes, unem pontos, incluem pessoas, atraem talentos, formam relações de cooperação, empreendem, geram confiança e contaminam os outros com a fé que possuem em si mesmos, nos outros e em suas idéias.
Acrescente-se  a esses atributos o alto sentido ético, a sensibilidade de se relacionar com os stakeholders e a capacidade de conjugar resultados econômicos, sociais e ambientais e tem-se então um perfil do que seria um líder socialmente responsável.
Explorando melhor as idéias de Drucker, não seria, portanto, exagerado afirmar que os bons líderes de terceiro setor podem sim ser um rica fonte de inspiração e aprendizagem sobre liderança sustentável para as empresas. Esqueça Jack Welch, Stephen Covey ou Jim Collins. Se estivesse vivo e fosse brasileiro, o filósofo Drucker recomendaria que a sua empresa ouvisse as idéias de gente como Zilda Arns ou que botasse os seus talentosos trainees para fazer um curso de imersão em liderança na Pastoral da Criança.
A história desta pediatra e sanitarista fala por sim mesma. Cidadã indignada com a situação de miséria do seu País, profissional acostumada a lidar com os problemas de saúde pública, um dia ela estabeleceu, como visão, reduzir a desnutrição e a mortalidade infantil por causa de doenças preveníveis. E nela concentrou o melhor de suas habilidades e energias ao longo das duas últimas décadas. Os resultados não deixam dúvida sobre o poder transformador de sua liderança. Ao mesmo tempo em que construiu, em torno da Pastoral da Criança, a maior a mais importante rede nacional de solidariedade, a doutora Zilda, como é conhecida, contribuiu para melhorar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) brasileiro, mudando um quadro de penúria que muitos governos não foram capazes ou não tiveram vontade de resolver. Hoje sua organização atinge 2 milhões de crianças até seis anos de idade, em 41.542 comunidades de 4.040 municípios. Sua tecnologia de gestão está presente em 15 outros países pobres. A desnutrição deixou de ser uma epidemia no Brasil.
Para transformar sua visão em realidade, além de obstinação, a doutora precisou combinar capacidades de gestão e de liderança. Como gestora, mostrou que solidariedade produz maior impacto social quando vem acompanhada de planejamento, avaliação, administração austera de recursos e estratégias de desenvolvimento e motivação de pessoas. Na condição de líder, enxergou à frente o que poucos viam, transformou uma causa marginal em política pública nacional, mobilizou milhões de pessoas e fez 270 mil brasileiros, em sua maioria mulheres de baixa renda, trabalharem voluntariamente pelo mesmo ideal. Bons gestores, como se sabe, são importantes. Mas líderes com capacidade de gestão são imprescindíveis para organizações sociais, empresas e governos. Especialmente quando, sob a orientação de valores elevados, ampliam o propósito das organizações que lideram, colocam a ética altruísta no centro de suas vidas e criam valor para a sociedade.
Se você nunca havia pensado em Zilda Arns, como exemplo de liderança sustentável para os jovens líderes sua empresa, eis uma boa oportunidade. Aos 72 anos, ela deixa a Pastoral da Criança no final do ano para se dedicar á construção de políticas públicas para os idosos. Bom para o País que ela permanecerá na ativa.

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