“Novas regras, que estabeleçam hidrelétricas como reguladoras do sistema, são essenciais para dar segurança ao suprimento de energia no País”

“Novas regras, que estabeleçam hidrelétricas como reguladoras do sistema, são essenciais para dar segurança ao suprimento de energia no País”

Maior produtora de energia hidrelétrica do mundo e segunda maior geradora privada de energia no País, a CTG Brasil (China Three Gorges Corporation) [link] começa uma nova fase, investindo fortemente na construção de usinas de produção de energia eólica e solar em Minas Gerais, Paraíba e Piauí, cujo início de operação está previsto para 2025. Será uma adição importante ao portfólio da empresa no país, onde ela já opera hidrelétricas importantes, como as de Jupiá (MS) e Ilha Solteira (SP), recentemente modernizadas.

“Montamos um time robusto de renováveis. A CTG no mundo já é muito forte nessa área e, com esses investimentos, vamos passar a ser também no Brasil”, indica Silvio Scucuglia, 49, vice-presidente de Finanças e Relações com Investidores da CTG Brasil. Scucuglia assumiu o cargo em julho deste ano, mas sua experiência no setor é vasta, com 22 anos de atuação em companhias energéticas, oito deles na CTG Brasil.

Com a missão de tornar a empresa ainda mais eficiente e atrativa para investidores, Scucuglia diz que não deve haver conflito entre as áreas de finanças e de sustentabilidade nas empresas. Se há conflito, pondera, é porque ao menos uma das partes não está fazendo a lição de casa corretamente. Afinal, o financeiro tem de ter consciência do valor estratégico da sustentabilidade a longo prazo, enquanto a equipe voltada para estratégias ESG deve entender que empresas precisam gerar retorno aos investidores. O segredo da longevidade está, então, no balanço entre as duas missões.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Scucuglia.

NETZERO: O senhor tem experiência de mais de duas décadas no setor de energia. Quais foram as principais transformações que o setor viveu no Brasil nesse período?

SILVIO SCUCUGLIA: Vivemos um paradoxo. Ao mesmo tempo em que falamos da importância de uma transição para um modelo de energia limpa, seguimos no caminho contrário. Há 15 anos, 93% da matriz energética nacional era hidrelétrica, com usinas grandes, com reservatórios, e hoje está em 65%.

Então tivemos uma virada para outras fontes renováveis – o que tem seu aspecto positivo do ponto de vista de transição energética, mas traz também um problema pouco falado: considerando que não é possível controlar a produção de energia de fontes intermitentes, como a solar e a eólica, como preencher as lacunas? Com fontes térmicas. É isso que está acontecendo.

O paradoxo está em, durante a transição para uma matriz mais limpa, precisar “sujá-la”?

Sim, porque só é viável trabalhar com fontes não controláveis, como o caso das renováveis, se tivermos uma contrapartida, seja ela hidrelétrica ou térmica. No Brasil, o potencial atual de novas hidrelétricas é extremamente limitado, restrito à região Norte ou a fontes menores de geração.

Esse é um outro lado da moeda, ao qual, quando se fala de energia solar e eólica, pouca gente está atenta. Hoje, a contrapartida tende a ser suprida com usinas térmicas, a gás. São menos poluentes que o carvão, mas não são 100% limpas, então temos que avaliar esse trade off.

O que o senhor avalia que precisa ser feito?

A regulação é essencial. Precisamos de segurança no suprimento de energia, e parte do problema pode ser resolvido com mudanças regulatórias que estabeleçam as hidrelétricas como reguladoras do sistema, por exemplo.

Além disso, temos alternativas no horizonte, mas nenhuma delas é de curto prazo ou de baixo custo. Uma delas é o armazenamento de energia por meio de tecnologia de bateria, o que em larga escala ainda é muito caro e pouco factível. O Brasil tem também potencial para usinas reversíveis, que bombeiam água quando a energia está barata e usam-na para gerar energia quando ela está mais escassa. Mas isso carece de regulação.

De que maneira a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro, tornou o cenário da energia ainda mais complexo, do ponto de vista das geradoras?

Estamos sentindo diretamente esses efeitos. Considerando que a energia na Europa está caríssima, está valendo a pena explorar fontes renováveis também mais caras. Como a cadeia de renováveis é global, construir uma usina eólica aqui no Brasil está de 20% a 30% mais dispendioso.

Então, há hoje uma situação complicada em relação a fontes renováveis por dois motivos: a alta do custo do investimento, porque a demanda mundial está maior e os preços subiram, e o fim de subsídios no Brasil. Temos pouco mais de um ano até o fim do prazo-limite para entrar com projetos de usinas renováveis com descontos tributários. A partir daí, pode ser que fiquemos em uma situação mais difícil, com custos elevados.

O senhor assumiu recentemente a posição de vice-presidente de Finanças e Relações com Investidores na CTG Brasil. Considerando esse cenário desafiador, quais devem ser os eixos da sua gestão?

Temos duas frentes de atuação para o futuro. A primeira é de gestão de custos e orçamento. A CTG Brasil é uma empresa jovem, com menos de 10 anos de vida, que entrou no país por meio de aquisições. Temos ainda um potencial grande de ganhos de eficiência e de redução de custos, também do lado da operação. Isso em função do enorme esforço de modernização que estamos concluindo em nossas usinas, em especial na de Ilha Solteira, no rio Paraná, que pertencia à Cesp e foi assumida pela CTG em 2016. Nos últimos anos, houve muitos gastos não recorrentes, com reformas e consultorias. Agora alcançamos a maturidade, que nos permitirá buscar uma gestão mais austera.

E qual é o segundo eixo?

É o de acesso a mercado. Temos grandes projetos que vão consumir muitos recursos, então vamos acessar mercados de dívida, de equity, fontes incentivadas, green bonds, títulos ESG – não só para esses projetos, mas também pensando em tecnologias emergentes, como hidrogênio verde e armazenamento de energia.

O mercado reconhece a qualidade dos investimentos que a CTG Brasil fez até agora, com muito potencial e bons retornos. A gente entende que não deve sujar esse histórico, destruir valor para ganhar tamanho. É uma discussão mais de estratégia do que de custo.

Desde que chegamos ao País, tivemos três grandes fases: a de investidor, a de operador, e a de desenvolvedor e implementador de usinas. Agora, montamos um time robusto de renováveis. A CTG no mundo já é muito forte nessa área, e com esses investimentos vamos passar a ser também no Brasil, com a vantagem de termos grande capacidade financeira e acesso à cadeia global. 

Aos olhos do mercado financeiro, como o senhor avalia a importância da agenda de sustentabilidade hoje?

Tenho contato frequente com o mercado financeiro e diria que isso é algo que a gente precisa ter para conseguir estar na mesa. Se a empresa não tem um mínimo de ESG implementado, com metas claras, é cobrado que tenha. Hoje é mais um requisito do que um diferencial. Não vamos ser mais valorizados por termos práticas ESG destacadas.

O investidor ainda é pautado pelo número, pela geração de caixa, mas alguns nem entram para conversar se não apresentarmos uma matriz limpa, uma política de diversidade, governança transparente. Não consigo imaginar uma empresa indo a mercado hoje sem metas sociais, ambientais e de governança.

Somos o maior player de energia 100% limpa no mundo, então não precisamos fabricar uma identidade. O desafio maior é a governança, por ser uma empresa estrangeira e estatal, mas estamos tendo sucesso nessa estratégia.

Muitos executivos da área de sustentabilidade afirmam que a tarefa mais difícil é convencer o CFO de que os investimentos nessa área, ainda que não tragam lucros diretos, são fundamentais. Como o senhor enxerga essa tensão?

Não vejo motivos para conflito. O executivo de finanças tem que sair da caixinha para olhar a estratégia da empresa a longo prazo, e a equipe de sustentabilidade tem que entender que a empresa visa dar retorno aos acionistas.

Quando falamos em sustentabilidade, é importante entendê-la também sob a perspectiva do próprio negócio. O combate às mudanças climáticas e a economia de baixo carbono são plataformas que estão pavimentando um caminho continuarmos exercendo nosso negócio de uma maneira mais equilibrada e perene.

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