Por André Fischer e Fernanda Pires
O envolvimento com o conceito de sustentabilidade nas empresas depende de vários fatores, mas dois são sempre mais relevantes: o modelo de negócio e os grupos com os quais a organização se relaciona. Acionistas, fundadores, empregados, comunidade do entorno e mercado podem se tornar grupos motivadores da inclusão do tema na pauta da gestão empresarial. Por razões filosóficas e próprias de sua cultura organizacional, pressionado por seus stakeholders ou antevendo oportunidades para sua marca, produto ou reputação, os gestores se veem diante da necessidade de mobilizar suas estruturas em direção a um comportamento sustentável.
Tomada essa decisão, todas as instâncias da organização devem se integrar a esse movimento, incluindo as áreas de produção, marketing, vendas, inovação, tecnologia da informação, compras, gestão da cadeia de suprimentos, relações com os investidores e finanças. Uma delas talvez ganhe uma importância crítica: as políticas e práticas de gestão de Recursos Humanos. Mas, afinal, como a sustentabilidade pode se inserir na agenda de RH?
Com base nessa inquietação, procedemos a uma investigação em empresas que fizeram uma opção estratégica pela sustentabilidade, analisando o que mudou na gestão de pessoas dessas organizações. Como resultado, alguns fatores ganharam destaque: as mudanças no papel dos líderes; as transformações na própria forma de atuação da área de RH; e a incorporação de elementos estimuladores do comportamento coerente com a sustentabilidade nas políticas e práticas de RH.
A liderança para a sustentabilidade
Os líderes emergem como elementos críticos na condução da estratégia de sustentabilidade. Eles tornam-se grandes direcionadores e modelos de papel dos comportamentos esperados por parte dos demais empregados. Nas organizações estudadas, eles são chamados de protagonistas, exemplos vivos, mobilizadores, termos que querem expressar sua importância como responsáveis por engajar e inspirar as equipes no novo direcionamento da companhia.
Vale observar o exemplo da Promon, onde o líder é representado pela figura de um jardineiro, metáfora que o caracteriza como aquele que cultiva e incentiva as novas ideias. Por sua importância, o desenvolvimento e a capacitação desses profissionais torna-se prioridade de Recursos Humanos, o que é estimulado pelas políticas e práticas de RH especialmente voltadas para esse público, tais como processos de treinamento, capacitação, orientação e avaliação de desempenho que integrem o conceito da sustentabilidade.
Uma gestão de RH para a sustentabilidade
Outro importante aspecto a se observar é o papel da área de Recursos Humanos, que passa a ser reconhecida como uma relevante parceira estratégica na implantação de uma nova cultura empresarial. O esforço para aproximar a sustentabilidade do cotidiano de trabalho dos empregados e uniformizar o seu entendimento passa a ser objetivo prioritário dos profissionais especializados em RH.
E como aproximar o conceito das políticas e práticas da própria gestão de pessoas? Como repensar os mecanismos de RH e, enfim, torná-los estratégicos? Foi respondendo a esses desafios que as empresas pesquisadas puderam demonstrar experiências de inovação em políticas e práticas. Ao conhecê-las, observamos mudanças na forma de selecionar e recrutar candidatos; treinar os novos empregados; oportunizar o desenvolvimento na carreira; engajar os colaboradores; descrever as competências individuais; rever as peças da comunicação interna; avaliar desempenho; gerir a sucessão e pesquisar o clima interno. Até mesmo as práticas remuneratórias e de gestão de benefícios, em alguns casos, passaram a incorporar critérios relacionados com a sustentabilidade, em geral alinhados ao triplo resultado: planet, people and profit.
Quando se fala em atrair, recrutar, selecionar e integrar novos empregados, deve-se lembrar que tais políticas permeiam o primeiro contato do profissional com a empresa, um momento que favorece a primeira iniciativa de alinhamento. Dependendo de sua condução, essas práticas podem possibilitar uma aproximação com um candidato com valores, comportamentos, características e conhecimentos mais alinhados à estratégia de sustentabilidade da corporação. Dessa perspectiva, destaca-se o caso da Natura. A empresa adaptou seus instrumentos de seleção de forma a conhecer melhor a história de vida, os valores e as expectativas pessoais e profissionais dos candidatos. Com isso, busca-se conectá-los desde o início em uma relação que valorize princípios relacionados à sustentabilidade.
Já para os candidatos selecionados, a política de integração envolve os ingressantes em treinamentos ligados ao conceito e a outros assuntos correlacionados ou, até mesmo, permite a vivência e interatividade com ações ligadas ao tema. Por ser a sustentabilidade um conceito complexo, ações de treinamento e desenvolvimento devem se ampliar ao longo do tempo, permitindo maior proximidade e compreensão, traduzindo-o no comportamento e nas decisões no dia a dia do trabalho.
A gestão de desempenho é outro processo que pode exercer um importante papel. Visando a uma estratégia de sustentabilidade, Promon e CPFL, por exemplo, têm adaptado seus instrumentos e comportamentos de maneira a alinhá-los a esse conceito. Na CPFL, há uma competência específica de “compromisso com a sustentabilidade”, em que se avalia o comportamento das pessoas ao utilizar recursos, observando os impactos para a empresa e para a sociedade. Nesse caso, impactos econômicos, sociais e ambientais são mensurados e privilegiam-se as relações com empresas que sejam socialmente responsáveis. Vale ressaltar que uma mudança como essa, na descrição das competências individuais, pode gerar um impacto sistêmico em todos os demais componentes de RH, como seleção, treinamento e remuneração.
Com outro exemplo de mudança em RH, Natura e Amanco são empresas que demonstram uma prioridade no aproveitamento dos empregados da própria empresa nos processos de sucessão, preservando-se assim a cultura de sustentabilidade já instalada. No caso específico da Natura, além de atender às metas do negócio, os empregados devem demonstrar um comportamento mais aderente à sustentabilidade, fator fundamental para decisões do chamado pipeline de liderança. Isso significa que os profissionais que ocuparão futuras posições de liderança são valorizados tanto pelo alcance de resultados quanto por seu alinhamento à sustentabilidade, emergindo assim o conceito na política de sucessão da empresa.
Outro mecanismo que tem se alinhado à sustentabilidade é a remuneração variável. Tal prática permite que metas sociais, ambientais e econômicas tenham impacto direto na recompensa dos empregados. Um simples mecanismo de reembolso pode também contribuir com a nova política. A Natura, por exemplo, incentiva seus empregados por meio do reembolso no uso de combustíveis renováveis.
Ao observar exemplos práticos nas empresas brasileiras, entende-se que cada uma à sua maneira tem incorporado a estratégia de sustentabilidade em suas políticas e práticas de RH. O que depende diretamente da forma como interpretam essa estratégia, como o conceito foi incorporado à pauta da gestão e do posicionamento dos fundadores, acionistas e alta liderança.
Além disso, sempre vale refletir sobre o quanto essas inovações têm capacidade de influenciar o comportamento dos empregados. Sabemos que essas mudanças não agem de maneira normativa, isto é, mesmo com a adoção de grandes mudanças em RH isso não significa que haverá uma transformação no comportamento de todas as pessoas ou que o conceito de sustentabilidade será internalizado de maneira uniforme. Essas mudanças buscam possibilitar tal transformação, reconhecendo e fortalecendo o potencial da gestão de pessoas no sentido de buscar uma convergência entre elas, seus comportamentos, a empresa e as estratégias de sustentabilidade.
Esse é um desafio das áreas de gestão de pessoas: inovar rumo à sustentabilidade! Deixar de recrutar, treinar, desenvolver, avaliar e recompensar exclusivamente por meio de soluções técnicas ou burocráticas, repensando a sua forma de atuação e visando sempre associar-se às estratégias de negócio. Dentre elas, cada vez mais, a sustentabilidade tem lugar na agenda dos executivos e nas expectativas dos públicos interessados no futuro das empresas e da sociedade.
André Fischer é professor doutor da FEA/USP e coordenador do MBA em Recursos Humanos da Fundação Instituto de Administração – FIA. Fernanda Pires é mestre em RH pela USP, consultora FIA e professora de cursos de graduação e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas.
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