Por Rosa Alegria
Tenho estudado o futuro e a dinâmica das mudanças há mais de 15 anos e, a cada dia, me surpreendo com este novo mundo que está surgindo a partir de inovações locais. Olhando de perto onde vivemos, trabalhamos e compramos, podemos sentir que o futuro está batendo à porta das micro e pequenas empresas, e que as respostas aos grandes desafios socioambientais vêm aparecendo em pequena escala com cada vez mais poder de alcançar dimensões globais. Com base no fenômeno que Manuel Castells chama de “glocalização”, novas realidades têm sido pautadas pela atuação das pequenas empresas. Parcela da economia que mais cresce no mundo e também a que mais gera empregos, as MPE têm com a sustentabilidade uma relação natural, pois sua operação em escala afeta intensamente os sistemas ecológicos e sociais. Algumas delas, sem acesso aos recursos e ao conhecimento das grandes, já são sustentáveis e ainda não sabem.
A sustentabilidade está na sua essência graças à sua capilaridade econômica, que permite ação imediata no contato com práticas locais; ao menor número de intermediários entre quem vende e quem compra, o que “desincha” o capital financeiro; à agilidade criativa de seus profissionais, que não precisam cumprir ordens ou seguir modelos prontos; ao maior acesso ao mercado de trabalho, lembrando que esse setor concentra 52% dos empregos formais no país, o que representa 40% do contingente salarial e responde por 70% das novas vagas do mercado (dados do estudo PME Indicadores–Sebrae/2013); e, por último, à força dos mercados locais, que reproduzem em menor escala os desafios planetários.
Algumas dessas novas realidades podem ser encontradas no estudo pioneiro Tendências de Sustentabilidade para os Pequenos Negócios, que desenvolvi em 2013 para o Centro Sebrae de Sustentabilidade.
Os caminhos para inovar surgem da necessidade de reinvenção da economia com base nos fatores apresentados a seguir.
Crescimento qualitativo
O crescimento qualitativo (da conservação) impõe-se sobre a lógica do crescimento quantitativo (da extração). Essa reorientação tem levado muitas empresas a adotar práticas sustentáveis com valor econômico, como a eficiência energética, o reaproveitamento e reciclagem de resíduos, a racionalização do consumo e o reúso da água. A ascensão do turismo ecológico e do e-commerce são exemplos desse crescimento desmaterializado.
Recompensas climáticas
Com a redução da emissão do CO2 nos processos produtivos, custos são também reduzidos. Segundo os últimos dados levantados pela ONG inglesa CDP (Carbon Disclosure Project), 29% dos pequenos negócios que diminuíram suas emissões economizaram, juntos, cerca de R$ 13,7 bilhões, em 2012. Até já existem seguradoras que
protegem fazendeiros dos efeitos das mudanças climáticas.
Ecoeficiência
Empresas ecoeficientes melhoram seus processos, tornando-os mais ágeis e menos custosos, obtendo benefícios econômicos e sociais sem a necessidade de altos investimentos. Melhoram também a qualidade de seus produtos, reduzem os desperdícios com matérias-primas, energia, água e outros insumos.
Talentos verdes
São profissionais devotados à economia verde e à preservação do meio ambiente. Suas funções dedicadas à sustentabilidade estão abrindo novas fronteiras no mercado de trabalho. Existem, no Brasil, 16,4 milhões de empregos potencialmente verdes e que compõem mais de 69% da mão de obra de 20 setores de atividade econômica. Sinal do crescimento verde no mercado de trabalho, o portal Green Jobs Brasil oferece talentos para empresas que estejam praticando a sustentabilidade.
Acesso x posse
Quem já não alugou uma roupa porque não queria/precisava comprar ou ofereceu um cômodo de sua casa em épocas de feriado prolongado? Estamos saindo de uma economia de posse para uma cultura de acesso, tendência amplamente estudada pelo economista Jeremy Rifkin em seu livro A Era do Acesso. Nessa nova economia, as empresas podem fazer leasing, alugar ou cobrar taxas pela utilização de um bem. Consumidores se convertem em usuários. A economia do acesso tem nos pequenos negócios seus poderosos agentes de desenvolvimento, pois eles estão mais preparados para customizar serviços, agilizar atendimentos, ter contato direto com o cliente por meio da escuta personalizada e em pequena escala.
Negócios sociais
Situados entre o segundo e o terceiro setor (indústria e organizações sociais, respectivamente), inspirados no revolucionário Grameen Bank criado pelo Prêmio Nobel indiano, Muhammad Yunus, os negócios sociais têm potencial econômico já comprovado por estudos como o da ANDE – Aspen Network of Development Entrepreneurs (2011). Já há, no Brasil, 140 tipos de negócios sociais. Com gestão profissionalizada, focam-se no bem-estar da população, assim como em promover o aumento da fonte de renda e o acesso aos serviços essenciais para os setores de baixa renda. Alguns exemplos de negócios sociais: comunidades de costureiras, de catadores de sucata, centros de incentivo ao esporte, entidades de educação, organizações de defesa de minorias.
A feminilização da economia
Inovações sustentáveis têm sido geradas por mulheres empreendedoras, que estão feminilizando a economia por meio de práticas pautadas na responsabilidade social empresarial. Essas mulheres já representam 51% do contingente brasileiro de empreendedores (Global Entrepreneurship Monitor). Mais mulheres nos empreendimentos significam mais mulheres também no mercado consumidor, no qual reinam as decisões femininas na compra de bens e serviços. Quanto mais sustentáveis suas decisões de compra, mais consciente tende a ser o consumo – e mais sustentável, o planeta.
Vantagem colaborativa
As novas tecnologias, os sistemas open-source, as cooperativas, o fenômeno das redes sociais e das novas mídias, plataformas de inovação aberta têm trazido fluidez e flexibilidade na administração das empresas, fazendo com que a colaboração gere mais vantagens do que a competição. Os pequenos negócios têm, em sua própria natureza, maior abertura para o estabelecimento de parcerias e mais facilidade em se beneficiar do que chamamos de vantagem colaborativa.
Sustentabilidade interior
Pressionados pela falta de equilíbrio da vida moderna, estamos todos querendo resgatar o bem-estar interior e a saúde por meio de produtos e serviços. A sustentabilidade interior passa a se instalar na dimensão pessoal, psicológica e até espiritual, gerando novos negócios. Massagens em domicílio, spas urbanos, cuidado para com os idosos, academias de ginástica, espaços de terapia holística e restaurantes orgânicos são algumas das ofertas que se apresentam nesse mundo de crescente carência de bem viver. De acordo com dados globais da Euromonitor de 2012, os mercados do Brasil e da China foram responsáveis por US$15 bilhões nas vendas de 2011, e crescimento contínuo é esperado (em torno de 8% ao ano), até 2017. Prevê-se um volume de vendas da ordem de US$1 trilhão, até 2017.
Por essas e outras evidências também destacadas neste excelente estudo da consultoria Ideia Sustentável, é inegável que as transformações na economia global estão mudando de eixo: do local para o global, e do pequeno para o grande. Como se tudo fosse um só sistema em movimento, em plena transformação, vamos reinventando a vida na Terra, ouvindo o futuro bater em nossas portas e deixando-o entrar.
Rosa Alegria é mestre em Estudos do Futuro pela Universidade de Houston (EUA), vice-presidente do Núcleo de Estudos do Futuro (NEF), da PUC-SP, e presidente da Perspektiva – tendências, cenários e estratégias.
A Ideia Sustentável constrói respostas técnicas eficientes e oferece soluções com a melhor relação de custo-benefício do mercado, baseadas em 25 anos de experiência em Sustentabilidade e ESG.