As negociações internacionais da Convenção da ONU sobre Mudanças de Clima (UNFCCC na sua sigla em inglês) e do Protocolo de Kyoto entraram em fase crucial para permitir decisões sobre o fortalecimento do acordo e novas metas do Protocolo de Quioto, a serem tomadas na próxima Conferência das Partes, a CoP-15, em Copenhague, no final desse ano.
As negociações cobrem dezenas de aspectos, agrupados em cinco áreas temáticas: mitigação das emissões de gases de efeito estufa; adaptação aos efeitos irreversíveis; mobilização de recursos financeiros; desenvolvimento, aplicação e transferência de tecnologias; e visão compartilhada para os objetivos de longo prazo do acordo mundial para limitar o aquecimento do planeta. As negociações ocorrem em dois grupos de trabalho ad-hoc: um sobre o Protocolo de Quioto (AWG-KP), no qual serão definidas as metas de redução de emissões dos países industrializados listados no Anexo 1 do Protocolo. Outro grupo (AWG-LCA) lida com questões pertinentes a todos os países no âmbito da Convenção Quadro.
São três as etapas de negociação em 2009: duas em Bonn, em abril e de 1 a 12 de junho, e outra em Bangkok (de 28/9 a 9/10). A primeira reunião de Bonn foi concluída no dia 9 de Abril, mas ainda não há rascunhos públicos das decisões para o acordo mundial. Na próxima rodada (Bonn-2) espera-se que tais documentos sejam a base das novas reuniões dos grupos da UNFCCC. Na reunião no início de abril (leia artigos de Gaines Campbell nesse boletim) definiu-se uma sessão informal de consultas internacionais, também em Bonn, de 10 a 14 de agosto. Nessa avalanche de encontros internacionais estão previstas sessões finais do AWG-KP e do AWG-LCA de 2 a 6 de novembro, pouco antes da CoP-15, marcada para o período de 7 a 18 de dezembro desse ano.
Na próxima rodada de sessões, em junho na cidade de Bonn, Alemanha, ocorrerão também as reuniões ordinárias dos órgãos da Convenção: o de assessoramento técnico e cientifico (SBSTA) e o de implementação (SBI).
Mas devemos estar atentos também a outros eventos políticos importantes, como os encontros a Cúpula do G-8 na Itália, em julho e a Assembléia Geral da ONU em Setembro. Esses eventos podem, eventualmente, oferecer caminhos e decisões “de cima para baixo” para as decisões políticas que, nas negociações internacionais, são multilaterais e adotadas por consenso (em geral). Mas não devem ser excluídos os vetores de “fora para dentro”, ou seja, as pressões que a sociedade civil em todo o planeta pode e deve fazer, para que os tomadores de decisões de políticas, sejam mais responsáveis e ágeis.
De fato, é preocupante a resistência de vários países, especialmente aqueles com maiores parcelas de emissões de gases, com maior “responsabilidade histórica” pelo aquecimento global ou com maior capacidade, para colaborar na execução de políticas e medidas de desenvolvimento sustentável . Com grande freqüência circulam noticias com evidencias e fatos que indicam o grave ritmo do aquecimento global. Diplomatas e lideranças governamentais buscarão, em Copenhague, tomar decisões que não desagradem seus eleitores e os principais grupos de interesses econômicos, ainda mais com o argumento da crise financeira internacional, e muito provavelmente dirão que se chegou a um “acordo possível”. Esse acordo estará longo de atender, com urgência, as medidas para diminuir os riscos para populações mais vulneráveis a efeitos irreversíveis, desde secas, enchentes, aumento do nível do mar, ruptura de sistemas agrícolas, deslizamento de encostas, migrações, etc.
É fundamental reconhecer que há diferenças gritantes entre os países em desenvolvimento, e destes com os países industrializados, e que em prol da sobrevivência e dignidade de vida de centenas de milhões de pessoas, avanços profundos no regime multilateral precisam acontecer para que a inação ou inadequação de alguns não signifique morte de muitos. Argumentos como crise financeira, direito ao crescimento econômico como forma de desenvolvimento, busca de alternativas mais baratas em outros países são frequentemente usados por aqueles que tentam evitar opções comprometedoras e sérias. Essas apontam dilemas que envolvem, de um lado, a expectativa de obter metas e ações muito mais robustas dos países industrializados, e, doutro lado, alavancar efetivação de medidas associadas a objetivos mensuráveis de redução de crescimento, limitação e redução de emissões de gases em vários países em desenvolvimento. Isso significa ir contra o preceito defendido pelas delegações dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, de que no acordo global de 1992 foi estabelecido sem a obrigação desses reduzirem suas emissões, pois,pelo contrário, tem direito a aumentá-las em nome do seu “direito ao desenvolvimento” .
Campanha global – O momento demanda a articulação e diálogo entre diversos segmentos da sociedade civil, com o objetivo de ampliar a cobrança por decisões que sejam pertinentes á promoção de justiça e sustentabilidade ambiental, social e cultural dentro de novos padrões de produção e consumo. Enfim, não são suficientes medidas de mitigação e de adaptação dentro do atual modelo de desenvolvimento econômico. A Campanha Global para Ações de Proteção do Clima e da Vida, conhecida em inglês pelo título Global Campaign for Climate Action (GCCA) é uma das diversas iniciativas de ampliar a interação e cooperação de grupos da sociedade que atuam em diversos campos: defesa do meio ambiente, direitos humanos, erradicação da pobreza, acesso a justiça, agroecologia, segurança alimentar, governança e cidadania, movimentos sindicais e sociais, grupos religiosos, etc.
A campanha global será lançada em junho, e deverá ter atividades especiais em pelo menos cinco países, incluindo o Brasil. A Campanha foi sugerida, ainda em 2007, por lideranças da CAN – Climate Action Network, para permitir o engajamento independente de amplo conjunto de organizações da sociedade nas ações voltadas a fortalecer as demandas junto aos negociadores da CoP-15 em Copenhague. Um conselho internacional, formado por pessoas de organizações de diversos segmentos e países, em consulta com dois grupos de trabalho e centenas de grupos da sociedade civil, vem estabelecendo as diretrizes para as iniciativas, descentralizadas e coordenadas ao longo do processo que leva a atenção mundial sobre o tema até Copenhague. Como membro desse Conselho, tenho entrado em contato com grupos bem diversos da sociedade civil brasileira, para que nos próximos meses possamos compartilhar informações, visões e ações. Nesse processo é fundamental a participação tanto das organizações de base local, como também de redes nacionais e de ONGs de caráter internacional. Greenpeace, Oxfam, Avaaz são algumas, entre várias, das redes internacionais que participam do GCCA.
Entre as diretrizes gerais estabelecidas pela Campanha Global (GCCA), em seminário que reuniu o Conselho e dezenas de outras lideranças, em Nova York, em janeiro de 2009, com minha participação, destaco as seguintes:
- cooperação que celebre nossa humanidade comum e responda efetivamente à escalada do clima e ao desenvolvimento da crise através de novos modelos de cooperação em torno do financiamento, atenuação (incluindo a redução do desmatamento), adaptação e compartilhamento de tecnologia.
- uma meta para estabilizar as concentrações dos gases do efeito estufa tão rapidamente quanto possível, em níveis que evitem as piores conseqüências da mudança climática, de acordo com o conhecimento científico mais recente (limitando o aquecimento global médio bem abaixo de dois graus Celsius nesse século)
- transformação participatória do modelo de desenvolvimento e confiança recíproca onde todos têm uma voz e uma capacidade para agir em nossa transição para um mundo com baixo nível de carbono e mais justo
- equidade, a qual reconhece nossas comuns, mas diferenciadas responsabilidades e capacidade para agir, além do direito a um desenvolvimento sustentável
- justiça, a qual reconhece amplamente a responsabilidade histórica das nações industrializadas e a urgente necessidade de ação rápida e transformacional e apoio para adaptação por nações ricas, e habilitar outras para participar no novo acordo
No momento é importante juntar forças em torno de demandas contundentes, mesmo que as organizações tenham propostas e estratégias diversas de lidar com a questão. Por exemplo, na questão de redução de emissões associadas ao desmatamento e degradação florestal (tema conhecido pela sigla REDD, tanto em português como em inglês ), há diversas abordagens e instrumentos, desde que as sinalizam papel exclusivo de políticas públicas até aquelas que valem-se de instrumentos econômicos e fiscais, passando obviamente por combinações de instrumentos. O que precisa ser evidenciado é que o Acordo de Copenhague não pode ser omisso, negligente ou hipócrita com as questões de REDD, e devem ser tomadas as decisões , no regime multilateral de Mudanças de Clima que fortaleçam medidas, inclusive de outros acordos internacionais, voltados à proteção dos ecossistemas florestais, de sua biodiversidade e das populações humanas que vivem e dependem das florestas.
Seminário nacional – Está previsto para os dias 1 e 2 de junho, em Brasília, um encontro de representantes de diversas ONGs e redes de entidades da sociedade civil para dialogar sobre expectativas e demandas junto ao Governo Brasileiro e aos negociadores da CoP-15. O evento, em fase de organização no âmbito da Campanha Global GCCA por iniciativa do Vitae Civilis, com o apoio do FBOMS, Oxfam, Greenpeace, IDEC, GTA, entre outros, buscará também reconhecer e valorizar iniciativas e campanhas em curso.
Leia a seguir notícias sobre as negociações internacionais em mudança de clima e sobre diversas iniciativas da sociedade para demandar decisões necessárias para salvaguardar a Vida no Planeta, com uma apropriada distribuição de compromissos e responsabilidades, a fim de lidar com urgência e justiça no enfrentamento das causas e conseqüências do aquecimento global.
Copenhague – Outra iniciativa de articulação, mas de abrangência internacional, é a do Fórum de ONGs dinamarquesas Danish 92 Group, coalizão voltada para o seguimento dos acordos da Rio-92. Entre os dias 12 e 15 de maio, em Copenhague, estarão reunidos cerca de 180 lideranças da comunidade global de ONGs, sendo pelo menos 70 de países em desenvolvimento, para coordenar e estabelecer estratégias conjuntas, fortalecendo-se mutuamente, para ações de conscientização do público e defesa de propostas junto aos governos que negociam os acordos da CoP-15.
Os participantes discutirão as propostas que estão na pauta dos cinco blocos temáticos (acima mencionados), mas com a perspectiva de atender critérios de justiça e equidade, urgência e responsabilidade, capacidade para atuar, entre outros.
No final do seminário, algumas lideranças se reunirão com a Ministra de Mudança de Clima e Energia da Dinamarca, que presidirá, na prática, a CoP-15. Trata-se de um segundo diálogo promovido pelo Danish 92 Group entre representantes de ONGs de diversos países com autoridades dinamarquesas. O primeiro diálogo, ocorrido em fevereiro, contou com cerca de 30 pessoas, entre as quais o coordenador do Vitae Civilis. Para o evento de maio, os dinamarqueses convidaram a gerente do FBOMS, Esther Neuhaus, e o coordenador do Vitae Civilis. Informações sobre o evento podem ser obtidas em http://www.cso2cop15.dk/
*Rubens Born, coordenador do Vitae Civilis e conselheiro da Campanha Global para Ações de Proteção do Clima e da Vida