Natureza do negócio – Sustentabilidade do lucro

Natureza do negócio – Sustentabilidade do lucro

Os dilemas contidos na relação do lucro no contexto da sustentabilidade nos levam de imediato a uma pergunta: é possível implementar, mesmo que lentamente, o desenvolvimento sustentável com a visão e realização dos atuais níveis de lucro nos modelos vigentes? Acredito que não. E explico por quê.
Para se adaptarem ao modelo de desenvolvimento preconizado há 20 anos pela Comissão Brundtland, a visão e realização de lucro devem considerar, intrinsecamente, a perenidade dos recursos naturais e seus serviços ambientais, assim como a estabilidade política e democrática. No viés ético da sustentabilidade, a equação do lucro precisa incorporar o “S” de sobrevivência latu senso como nova variável: L= $ + S.
Naturalmente, a transição do modelo de negócios pressupõe que os padrões de desenvolvimento, definidos por políticas públicas, também estejam afinados com as premissas dessa nova lógica da sobrevivência.
Esclarecendo melhor. A atividade da pesca mundial, puramente extrativa, tem seus dias contados: em 2040, aproximadamente, este essencial serviço ambiental se esgota em função de uma extração predatória sem precedentes no topo da cadeia alimentar nos oceanos. Já temos alguns exemplos concretos, como o desaparecimento do bacalhau na região de Newsfoundland, no Canadá e da sardinha, na costa do Rio de Janeiro, por insensibilidade e incompetência de um modelo de negócio tecnicamente conhecido como sobrepesca.
Modelos de negócios vestidos de antolhos, visando unicamente o lucro econômico e retroalimentando-se, mutuamente, por políticas públicas incompetentes, induzem, inexoravelmente, à degradação socioeconômica e ambiental de áreas urbanas que já tiveram seu apogeu. Os bairros da Zona da Leopoldina carioca já desfrutaram do status de área industrial do Rio e hoje concentram estruturas civis fantasmas e são identificados como “Faixa de Gaza”, alusão aos índices de violência.
A filantropia não resolve. Não capacita para a sobrevivência, não pereniza a atividade econômica nem a cidadania. Políticas públicas neste viés levam à acomodação. Naturalmente, ninguém pode ser contra o combate a fome com medidas de curto prazo. Contudo, no médio prazo, é muito mais eficaz investir em educação para a produção do que criar um mercado de venda de eletrodomésticos artificial, que, além de dificultar o caráter transformador da sociedade, terá seu prestígio popular finito.
No setor privado, há muito nos dedicamos à responsabilidade social corporativa, um engenhoso conceito formulado no final da década de 90 para se contrapor à filantropia. Contudo, ainda não conseguimos dar uma guinada significativa nos índices de IDH. Relatórios são produzidos aos milhares, com transformações, no máximo, locais. Não temos obtido sucesso em inverter as tendências de degradação, tanto dos indicadores sociais, quanto ambientais. Salvo raras exceções, que confirmam a regra, os bons exemplos não alcançaram sequer escala regional.
Quando unimos o fator tempo e o senso de urgência a uma análise honesta e sensata tanto dos modelos de negócios hoje praticados como das políticas públicas implantadas, concluímos que há necessidade premente de uma ruptura planejada. Estratégica para a sobrevivência da empresa, a implementação desse planejamento começa pela revisão da noção de lucro, aqui, sim, baseado na ética da sustentabilidade.
Não há receita pronta nesse sentido: percentual, valor, formas e função da cada empresa serão avaliados pelo resultado de replicar regionalmente e globalmente o que se mostrou viável em escala-piloto. Vale quando for auferida a reversão das tendências de degradação ambiental e miséria em escala, no mínimo regional, transformando-se em referência replicável.
No âmbito das empresas, a liderança indutora da mudança virá – tenho esperança – daquelas que melhor se apresentam na Bolsa de Valores de São Paulo. Não há tempo a perder.
Fernando Almeida é presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)

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