Natureza do negócio – Fazer negócios com a base da pirâmide

Natureza do negócio – Fazer negócios com a base da pirâmide

Fernando Almeida destaca as oportunidades de negócios com a base da pirâmide, um imenso mercado a ser explorado
A visão empresarial de longo prazo deve estar atenta à redução da desigualdade. A incapacidade do capitalismo de reverter o quadro de pobreza, além de moralmente condenável, pode significar a falência empresarial e social.
Palco de uma competição muitas vezes predatória e ruinosa para todos os envolvidos, o mercado dos países ricos está saturado. Já os mercados dos países em desenvolvimento são, quase sempre, relegados ao segundo plano pelas empresas. Nesses países, os investimentos chegam apenas aos “bolsões” de riqueza, muitas vezes de forma ambientalmente irresponsável e, sempre, de forma socialmente excludente.
O cenário atual é preocupante e desafiador. Entre 1950 e 2005, o valor do Produto Mundial Bruto subiu nove vezes, passando de US$ 7 trilhões para US$ 60 trilhões. A distribuição dessa crescente riqueza permanece injusta. Há uma parcela de 1,1 bilhão de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia. No Brasil, um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo revela que, em 2005,  os 6,9 mais ricos gastavam mensalmente com jóias, bijuterias, sabonetes, brinquedos e jogos R$ 91,6 milhões, enquanto os 54 milhões mais pobres desembolsavam R$ 65 milhões por mês na compra de frango.
O modelo de desenvolvimento ainda prevalente, além de concentrador e injusto, tem acelerado o processo de degradação dos recursos naturais. O inventário da ONU intitulado “Avaliação Sistêmica do Milênio”, lançado em 2005, ao analisar 24 serviços ambientais considerados essenciais para a nossa vida, entre eles a água e o ar limpos, a regulação do clima e a produção de alimentos, fibras e energia, concluiu que 15 deles estão desaparecendo ou perdendo gradativamente a função.
Dos 6,2 bilhões de seres humanos que vivem no planeta, 2,4 bilhões são crianças e adolescentes, concentrados predominantemente nas nações pobres e emergentes. Em 2020, o contingente em idade produtiva representará 70% da população. A projeção nos deixa diante de um dramático desafio, tanto do ponto de vista ambiental como social: precisamos gerar mais energia para incluir uma parcela gigantesca da população marginalizada no mercado e, ao mesmo tempo, reduzir os níveis de emissão de CO2 para evitar os efeitos avassaladores do aquecimento global.
Não vejo outra saída a não ser uma ruptura estruturada e planejada dos modelos de negócios e do padrão de desenvolvimento. As duas linhas estratégicas devem ser conduzidas pelos principais setores da sociedade, em especial empresas e governos, de forma transparente e articulada. Políticas públicas e empreendimentos devem estar focados na eficiência econômica, na inclusão social e na conservação dos recursos naturais.
A aplicação correta do conceito de negócios com a base da pirâmide está entre as principais vias para a ruptura preconizada. Trata-se de uma evolução e um aprofundamento do conceito de Responsabilidade Social Corporativa, que, ao ser popularizado e adotado por um número crescente de empresas, passou em muitos casos a ser confundido com filantropia. E fazer negócios com a base da pirâmide nada tem a ver com filantropia. Significa que a empresa encara as populações como parceiras, induzindo melhorias de qualidade de vida com gestão ambiental responsável, obtendo e compartilhando lucros.
Empresas com visão de futuro instaladas no Brasil começam a seguir por este caminho. Vale citar alguns exemplos extremamente positivos: o sistema de microcrédito, inaugurado aqui pelo Banco Real para fomentar empreendedorismo nas periferias urbanas; as parcerias da Amanco com pequenos agricultores para projetos de irrigação; e o fabuloso Projeto Ouro Verde desenvolvido pela Michelin na Bahia para produzir borracha vegetal e incentivar a agricultura familiar.
Contudo, os bons exemplos, no Brasil e no mundo, ainda são rarefeitos e insuficientes para alterar de forma significativa o IDH (Índice de Desenvolvimento Urbano) das regiões mais carentes e, muito menos, para inverter a curva de perda dos serviços ambientais.
É preciso ir além dos modelos pontuais. Se explorado corretamente, com base na relação harmoniosa entre as três dimensões da sustentabilidade, o imenso mercado latente espalhado por nações pobres e emergentes terá a resposta para a construção de um novo modelo de desenvolvimento.
(*) Fernando Almeida é presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

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