Mover-se para a empresa ou mover a empresa

Mover-se para a empresa ou mover a empresa

Por Marcio Nigro
 

Após as manifestações de junho, ficou fácil falar de mobilidade. Pode-se dizer que este virou um tema semelhante ao da escalação da seleção brasileira: cada um tem, na ponta da língua, a melhor solução – e normalmente contempla somente a sua realidade.

Esse cenário aplica-se a todas as grandes capitais, onde o caos do trânsito trouxe paralisia para grande parte da população, mas também fez com que muitos cidadãos repensassem o modo de se deslocar nas cidades e refizessem seu próprio planejamento de mobilidade pessoal, independente de ações do governo ou de melhorias no transporte público ou privado: uma revolução que certamente se estenderá às novas gerações.

Infelizmente, somente quando estamos à beira do abismo é que repensamos nossas escolhas. Mobilidade realmente não é um assunto simples e requer planejamento de longo prazo, integração com o plano diretor, investimentos em infraestrutura e segurança e, acima de tudo, uma mudança de cultura.

Mas o que a empresa tem a ver com isso? A resposta é simples: poder de influenciar, estimular e educar.

Ao fixar uma organização em determinado ponto da cidade, o empresário normalmente avalia, entre outros quesitos, os custos de ocupação, condomínio, acessibilidade, mercado e mão de obra. Após instalada e em operação, ela promove impactos positivos em seu entorno, gerando novos comércios e serviços, alterando a paisagem original. Temos como exemplos recentes, em São Paulo, as avenidas Luiz Carlos Berrini, Faria Lima e Juscelino Kubitschek.

Com o desenvolvimento empresarial, as condições sociais locais se alteram, assim como o seu entorno, e rapidamente surgem empreendimentos acima da capacidade instalada de transporte da região. Podem-se conferir as consequências diariamente ao final do dia: superlotação de transporte público e trânsito até mesmo para sair do estacionamento.

Portanto, as empresas, além de polos de desenvolvimento, são também “polos geradores de tráfego”, pois atraem para seus quadros funcionais um contingente que se desloca entre regiões da cidade em períodos normalmente muito semelhantes – 8/9h00 e 17/18h00.

Outros fatores, como a melhoria da qualidade de vida, o aumento do poder aquisitivo, a falta de segurança pública e o desconforto do sistema, fazem com que muitos desses indivíduos optem pelo transporte individual privado, gerando quilômetros de filas por toda a cidade.

Mas o carro, por si só, não é o grande vilão da história. No Brasil, a quantidade de automóveis por habitante ainda é comparável à de países que nem sequer possuem montadora: São Cristovão e Nevis, Omar e Sérvia. Ocupamos a 57ª posição no ranking mundial, e o país que tem mais carros por habitante, Mônaco, só vê trânsito em dia de corrida de Fórmula 1:


Já a cidade de Nova Iorque oferece tantas opções de mobilidade que um carro, em vez de conforto, gera transtornos, principalmente para estacionar. Dessa forma, o cidadão escolhe andar de metrô, trem, bicicleta ou a pé. Em contrapartida, em Los Angeles, a situação é inversa: o carro é protagonista e há uma cultura de usá-lo para tudo, até para trechos que poderiam ser percorridos a pé.

Portanto, posse do carro não significa uso diário. E uso está associado a incentivo, cultura, educação, mas principalmente à oferta de opções de mobilidade. Quando o nova-iorquino sai de transporte público da região central da cidade e chega aos condados, passa novamente a utilizar o carro ou a bicicleta como modal – a integração, a multimodalidade e o planejamento do transporte fazem toda a diferença na qualidade de vida do usuário, em sua produtividade e, consequentemente, em sua empresa.

Dessa forma, como os programas de retenção de funcionários, qualidade de vida e sustentabilidade fazem parte do planejamento de muitas empresas, ao promover o gerenciamento da demanda de transporte (TDM – Travel Demand Management) a empresa consegue reunir tudo isso dentro de uma mesma ação de mobilidade, com impacto na cidade e que ainda gera resultados financeiros. Listamos, abaixo, algumas medidas sugeridas durante o projeto-piloto de TDM organizado pelo Banco Mundial no Centro Empresarial Nações Unidas – WTC-CENU – em São Paulo:

1. Flexibilizar horários

A criação de horários de entrada escalonados ajuda a estabelecer um fluxo contínuo ao invés de um fluxo de pico.

2. Incentivar programa de caronas

A matemática dos grandes centros ajuda muito: uma empresa instalada numa cidade que tenha 100 bairros (como São Paulo ou Rio de Janeiro), a partir de 100 funcionários, estatisticamente, gera caronas. Portanto, podemos imaginar a capacidade de transporte ociosa da frota de seu efetivo atual, com apenas um ocupante.

Instalar um programa de caronas e promover benefícios a usuários que compartilham seu veículo gera impacto no meio ambiente (um veículo a menos = uma árvore nativa/mês), no trânsito (um carro a menos ou um usuário a menos no transporte público) e na empresa (pode significar a redução de uma vaga de estacionamento, redução de custos com fretados e com deslocamentos entre filiais). A carona oferece conforto e capacidade de carga simular ao ônibus fretado:


3. Alterar as regras para vagas demarcadas

A partir do momento em que a empresa cede gratuitamente uma vaga a um funcionário, ela, em outras palavras, diz: “Venha de carro.” A cobrança por vagas ou o incentivo financeiro para a não utilização delas pode render economia para a empresa e para o usuário, que passa a analisar se realmente precisa.

Vagas podem ser ofertadas com desconto para carros com mais de dois ocupantes – caso, por exemplo, da Cidade Administrativa de Minas Gerais, que reserva 50 vagas para carros com mais de três ocupantes.

4. Pesquisar estacionamentos próximos a pontos de integração

Empresas localizadas em pontos onde o transporte público é eficiente e tem disponibilidade podem incentivar seus usuários a deixar o carro próximo a estações de metrô, trem ou terminais de passageiros. Muitas vezes a troca da vaga na empresa por uma vaga externa gera economia de tempo e dinheiro para ambos.

5. Estimular o teletrabalho

O trabalho remoto não está disponível a todos os ramos de atividade, mas pode ser executado em grande parte delas. Criar políticas e monitorar os resultados são desafios do gestor para promover a redução de viagens, mesmo que isso se aplique somente a alguns departamentos ou dias da semana.

6. Incentivar o uso da bicicleta

Muitos funcionários estão a uma distância convidativa para o uso da bicicleta, mas, por razões de segurança pessoal ou viária, não a utilizam. Uma alternativa para isso é justamente o compartilhamento de trajetos – achar um parceiro para a viagem -, o mesmo princípio da carona.

Além disso, é importante que haja uma estrutura disponível com vestiário, ducha e bicicletário. Convênios com academias podem ser uma alternativa e normalmente têm custo menor que uma vaga de garagem. Muitas vezes a bicicleta é uma opção até o um ponto de integração com o transporte público ou mesmo até um ponto de carona.

A lista não acaba aqui, é extensa, e cada região ou empresa terá sempre suas particularidades. Mas um discurso comum que sempre ouço nas empresas é que “faltam vagas de garagem e salas de reunião”. Respondo: Que tal transformar as vagas em salas de reunião? Ainda estamos em tempo para exercer o poder de influenciar a mobilidade do funcionário antes que a imobilidade das cidades obrigue as empresas a se mudarem.

Marcio Nigro é engenheiro e fundador do programa Caronetas, Caronas Inteligentes.

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