Mentoria especial – parte 6: “Quer trabalhar com ESG? Aprenda a escutar”

Mentoria especial – parte 6: “Quer trabalhar com ESG? Aprenda a escutar”

No artigo anterior desta mentoria aberta para NetZero, abordei o walk the talk, uma das principais crenças de um profissional de sustentabilidade/ESG. Recorri à história de Fabio Barbosa, CEO da Natura & CO, personagem inspirador do meu primeiro livro, Conversa com Líderes Sustentáveis. Hoje, quero tratar da escuta ativa como ferramenta fundamental para quem quer ser bem sucedido na área.

Emprestarei, para tanto, um pouco do muito que aprendi – e tenho aprendido- com Franklin Feder.
Ex-CEO da Alcoa, Franklin ocupa hoje a cadeira em alguns dos mais importantes conselhos de administração do Brasil. Para os que, como eu, atuam há mais tempo na área da sustentabilidade corporativa, ele é um “sustentabilista raiz”, referência de protagonismo na valorização dos temas socioambientais na estratégia e gestão de empresas. Para mim, em especial, é um exemplo de integridade, transparência e walk the talk.

Aos mais jovens, vale lembrar: o campo da sustentabilidade empresarial não nasceu fértil e viçoso como hoje se apresenta nos posts de LinkedIn. Se CEOs hoje colhem flores coloridas e primeiras páginas de jornais de negócio, e parecem os donos antigos do jardim, é porque há duas décadas líderes como Franklin Feder, Fabio Barbosa, Paul Polman, Anita Roddwick, Ray Anderson e Guilherme Leal, para ficar em alguns bons exemplos, semearam com as próprias mãos um solo seco, cheio de pó, pedra e areia.

Com Franklin aprendi, entre outras coisas, o valor estratégico da escuta ativa. Foi numa entrevista inesquecível, há 13 anos, para o meu livro Conversas com Líderes Sustentáveis. Na conversa, o executivo lembrou que não foi recebido com tapete vermelho, quando chegou, em 2005, a Juruti (PA), para apresentar uma nova planta de extração de bauxita. Boa parte dos 35 mil habitantes da cidade, em sua maioria (60%) pequenos produtores rurais, não estava muito interessada no empreendimento. Nem no discurso, defendido pela empresa, de que adotaria “o modelo mais sustentável” para este tipo de negócio no mundo.

Os moradores da cidadezinha situada à margem direita do rio Amazonas receavam que, junto com o pacote de US$ 2 bilhões de investimento, viessem também os problemas normalmente ligados a empreendimentos de mineração, como a destruição de recursos ambientais, pressão por moradia e serviços públicos, aumento dos índices de violência, de doenças e de gravidez precoce. “Um projeto como este não tem a menor chance de dar certo se a comunidade não sentir confiança e se apropriar dele”, disse Franklin, em 2011, à Plataforma Liderança Com Valores.

A HORA E A VEZ DA LIDERANÇA COM VALORES

Como construir confiança em situação tão adversa? Liderando com valores, defendeu Franklin. Na prática, isso significou colocar em ação algumas virtudes cardeais, como a prudência e a justiça. E todas as qualidades a elas vinculadas como a verdade (dizer tudo sem esconder os impactos negativos), a humildade (de reconhecer que se sabe menos do que as comunidades a respeito da realidade e da região), a empatia (para se colocar no lugar dos moradores e compreender exatamente os seus anseios, necessidades e inseguranças), a serenidade (para saber lidar com as oposições e obstáculos) e, claro, a escuta ativa, atenta e sensível, para estabelecer um diálogo franco e horizontal. “Os executivos, regra geral, são treinados nas escolas de negócio para falar. Nunca para ouvir. Quando não se ouve não se cria conexões fortes com as pessoas”, relatou. Não poderia concordar mais com Franklin.

Ouvir, com o desejo de servir, demanda tempo, presença, atenção e cuidado genuíno. Implica abrir mão da posição de protagonista na relação. Requer ferramentas, processos, medidas concretas.

Como primeira medida, lembrou o executivo, a empresa envolveu a comunidade para definir prioridade de investimentos na região, criando um conselho com representantes da sociedade civil, governo e empresas locais. Em seguida, estabeleceu indicadores socioambientais para orientar o modelo de desenvolvimento. E logo depois lançou, em conjunto com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) um Fundo, chamado Juruti Sustentável, para financiar melhorias na cidade. Apesar de ter recebido licença ambiental para derrubar 1500 hectares de árvores, encerrou o projeto com 800 hectares – o que só ocorreu, disse Franklin, por ter ouvido atentamente e atendido expectativas dos moradores locais.

Erros foram cometidos, admitiu o ex-CEO, nunca por má vontade ou falta de cuidado. Estratégias precisaram ser alteradas, segundo ele, para “alcançar o equilíbrio entre a vontade da empresa e o justo a se fazer pelas pessoas e pelo meio ambiente.” O resultado foi bom para as partes? Parece haver um consenso de que sim. Hoje a região dispõe, por exemplo, de um excelente hospital para a comunidade. Com uma aprovação de 90% dos moradores ao empreendimento, a empresa obteve a sua licença social para operar.

AGORA REFLITA

Se você quer trabalhar com ESG, considere a história sobre Juruti para fazer as seguintes reflexões sobre escuta ativa:

(1) QUEM OUVE MAL PODE ACABAR NÃO SENDO OUVIDO.

Como bem destacou Franklin, falamos mais do que ouvimos nas empresas. Este é um vício corporativo que, aplicado a ESG, traz prejuízos claros. Vejo jovens profissionais de sustentabilidade gastando mais tempo do que o necessário em longas argumentações ou na defesa acalorada de pontos de vista sem, antes, compreender expectativas, opiniões, inseguranças de seus líderes. Vejo também consultores apostando em verborragia tecnicista como forma de convencer (na verdade, hipnotizar ou entorpecer), pulando o tempo necessário para entender como os clientes pensam, o que querem e como querem realizar suas ideias de ESG. Chamam a atenção, na minha experiência profissional, tanto o volume de retrabalho quanto o de decepção entre as partes, fruto de incompreensão e desajuste de expectativas.

Salta aos olhos, entre os mentorados, o número crescente dos que se dizem frustrados por não serem ouvidos. No jogo de luz e sombra, ação e reação, quem agora não se sente ouvido, será que teve o cuidado, durante o processo, de praticar a escuta ativa, atenta, cuidadosa e interessada?

(2) OUVIR COM DISCIPLINA É PREVENÇÃO.

Quando reforço a importância da escuta ativa, não estou me referindo apenas aos interlocutores imediatos – os chefes diretos ou clientes. Não desperdice a oportunidade de ouvir com atenção os demais líderes direta ou indiretamente ligados ao tema. Se a empresa tem comitê de ESG ou sustentabilidade, pratique a escuta ativa com cada um dos seus representantes. Saiba o que pensam e como enxergam o assunto as pessoas da área de sustentabilidade e das áreas com responsabilidades sobre os planos de ação de ESG. Até mesmo os líderes mais refratários à noção de sustentabilidade têm o que dizer quando “bem” ouvidos. Ouvir, com disciplina, ensina sobre eventuais objeções, pontos de vista comuns e discordâncias. Sobre quem pode ser aliado. Sobre onde podem estar as cascas de banana. Ouvir, sem julgamento, envolve, aproxima e cria confiança. Do ponto de vista prático, ouvir intencionalmente é uma ferramenta de prevenção: reduz os riscos de incompreensão ao longo do processo.

(3) OUÇA PARA VALER. E SEMPRE.

Quem atua com ESG conhece muito bem o valor atribuído à escuta de stakeholders. É um mantra cuja origem provém da ideia, pregada pelo GRI, de que só se consegue elaborar uma matriz de materialidade legítima envolvendo as partes interessadas. Isso não significa que as empresas explorem adequadamente essa possibilidade. Muitas recorrem á prática uma vez ao ano ou na revisão dos temas materiais, e o fazem utilizando as pesquisas online, de resposta fria e protocolar. Outras costumam ouvir stakeholders em processos pontuais como a validação de uma estratégia ou posicionamento de ESG/sustentabilidade. Mas já participei de situações desse tipo em que, feita a escuta, sugestões/recomendações são olimpicamente ignoradas sem nenhum aparente constrangimento.

Ouvir é para valer. Não para inglês ver. Ouvir é sempre. Não de vez em quando. Requer planejamento e disciplina. As empresas que melhor lidam com escuta ativa de stakeholders são as que dispõem de um método, um sistema operacional de relacionamento.


(4) OUÇA A COMUNIDADE E, SE NECESSÁRIO, MUDE PROJETOS.

Sua empresa está pensando numa nova iniciativa para a comunidade? Ouça com sinceridade os seus representantes, teste as ideias, avalie prós e contras, incorpore sugestões. Não tenha receio de mudar todo o projeto se ele não estiver alinhado com as expectativas daquele grupo de pessoas. O que importa não são as conveniências da empresa, mas as necessidades da comunidade.

(5) NA ESCUTA, SEJA HUMILDE.

Sua empresa vai instalar uma nova planta industrial? Identifique todos os impactos potenciais, antecipe-se e apresente, do modo mais transparente possível, o que a empresa fará para eliminá-los, minimizá-los ou compensá-los. Na escuta ativa, aceite a oposição como parte do jogo. Seja humilde para compreender as razões dos resistentes. Não imponha, não ameace. Convença com atitudes que demonstrem o compromisso de fazer o melhor pelas pessoas e pelo meio ambiente.

(6) O PRÓXIMO PODE SER VOCÊ.

Se você trabalha com ESG, colaborador ou consultor, desconfie – e muito! – da empresa que não tem nenhum interesse em ouvir stakeholders. Nem pontualmente. Nem para constar. O próximo stakeholder a deixar de ser ouvido pode ser você.

**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero.

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