Livre pensar – Criando uma cultura de sustentabilidade na empresa

Livre pensar – Criando uma cultura de sustentabilidade na empresa


“Se existe, deve ser possível”, afirma Amory Lovins, fundador e cientista-chefe do Instituto Rocky Mountain. A frase se refere à minha empresa Interface Inc. Quatorze anos atrás, quando ousei descrever a alguns amigos industriais as aspirações que me motivavam a construir o modelo de empresa que tenho hoje, ouvi que elas eram impossíveis de serem realizadas. Há dez anos, o CEO da maior concorrente me olhou nos olhos e disparou: “Ray, você é um sonhador”. Ainda sim, como Amory diz, “Se existe, deve ser possível”
O “impossível” hoje se traduz, em nossa companhia, no uso altamente eficaz do petróleo (para fins energético e de matéria-prima) para a fabricação do carpete manufaturado, com redução de 88% (em toneladas absolutas) nas emissões de gás de efeito estufa e de 80% no uso de água em relação a 1996. Tudo isso ocorreu em um contexto de aumento de dois terços nas vendas e de 100% no faturamento. Em 1994, a Interface desenvolveu uma nova missão: “Ser a primeira companhia industrial a mostrar – através de seus atos – para todo o mundo industrial, o que é sustentabilidade em todas as suas dimensões: pessoas, processos, produto, lucro e lugar.” O item lugar se refere á Terra. É nosso objetivo operar um modelo de companhia petróleo-intensiva de forma a tomar da Terra apenas o que for natural e rapidamente renovável, não fazendo nada de mal para a biosfera.

As afirmações elaboradas no âmbito da missão que desenhamos representam uma profunda mudança para a companhia. Mas elas só terão aplicação prática quando transformarmos completamente a organização, tarefa complexa mas não impossível. A Interface é uma manufaturadora global com vendas em 110 países e 4.000 empregados. Precisamos, portanto, mais do que uma nova missão para estimular nossos funcionários. Necessitamos de um propósito maior. E isso é exatamente o que a sustentabilidade nos deu.
A pergunta que mais respondo em minhas palestras pelo mundo é como fizemos para chegar lá? Em 1994, a Interface tinha 21 anos de idade. Éramos bem-sucedidos na avaliação de analistas de mercado e pessoas comuns. À época, como todas as outras empresas, mantínhamos a nossa atenção no bottom line, isto é, nos resultados financeiros. Não notamos nem demos nenhuma importância para o fato de que a empresa consumia, por ano, energia suficiente para iluminar e aquecer uma cidade. Nem que processávamos mais do que um bilhão de libras de matéria-prima anualmente (a maioria derivada de petróleo), e queimávamos sete bilhões a mais de libras em combustíveis fósseis, transformando tudo isso, com os elementos de alquimia da indústria, em placas de carpete usadas em escritórios e hospitais, aeroportos e hotéis, escolas e universidades e em lojas em todo o mundo. Também não nos atentamos para o fato de que, todos os dias, apenas uma de nossas fábricas descarregava seis toneladas de sobras de carpete nos aterros locais. Não tínhamos a menor idéia do que aconteceu com todo aquele resíduo. Por que deveríamos? Isso era problema de alguém, não nosso. Afinal—pensávamos — aterros servem exatamente para isso.
A produção constante de fumaça em nossas chaminés, a ligação de nossos canos aos afluentes, as nossas montanhas de lixo (todas completamente legais) formavam a prova tangível de que o negócio era bom. Elas significavam empregos. Representavam pedidos entrando, produtos saindo e dinheiro no banco.
Essa situação mudou em 1994 com um questionamento. Nossos clientes faziam perguntas que nunca havíamos ouvindo e para as quais não tínhamos boas respostas. “O que a Interface está fazendo para preservar o meio ambiente?” Para uma companhia que tentava manter o cliente muito próximo, isso pareceu-nos indefensável. Na busca dessas respostas, passamos a seguir um novo caminho, munidos de muita determinação para tornar nossa credibilidade demonstrável, apresentando resultados mensuráveis e contabilidade transparente.
Para que você, leitor, não fique imaginando até onde ser sustentável faz sentido em negócios, justifico-me rapidamente: apenas a iniciativa de eliminar resíduos gerou um economia de custos de U$ 372 milhões em 13 anos, montante mais do que suficiente para cobrir todos os investimentos e as despesas incluídas no nosso esforço de implantar a nova missão da Interface, à qual, mais recentemente, demos o sugestivo nome de “Missão zero™” – zerar os impactos ambientais até o ano 2020. Isso assegurou a transparência do nosso caso de negócio sustentável.
Entre outras métricas vigiadas de perto, como complemento aos índices financeiros de contabilidade convencionais, estão algumas diversas e não-convencionais como, por exemplo as seguintes: 42% de nossos montes de fumaça e 81% dos nossos abandonados canos conectados a afluentes foram evitados em virtude de mudanças de processos; 133 milhões de libras de produtos usados e coletados no end-of-life foram reciclados em carpete novo, mais de 20% de nossas matérias-primas orginam-se de fontes renováveis, recicladas ou bio-materiais ( a meta é 100% até 2020.); a energia derivada de combustíveis fósseis foi reduzida 55%; seis de nossas 11 fábricas estão operando com 100% de eletricidade decorrente de fontes renováveis (solar, eólica, geo-termal e biomassa); e economizamos, acumulativamente, algo em torno U$ 372 milhões por eliminar desperdício. Nossa meta é eliminar 100% dos desperdícios até 2020. Na Interface, definimos desperdício como qualquer custo que não adiciona valor aos nossos clientes. E para evitar a sua ocorrência, esforçamo-nos para fazer tudo certo na primeira vez, em todas as vezes. Nessa definição de desperdício, contabilizamos até mesmo a economia de custo da energia que ainda esta por vir de combustíveis fósseis.
Poupando recursos naturais escassos, tornamos nossos custos mais baixos e ganhamos em eficiência. Mais do que isso, contribuímos para desfazer o falso dilema entre meio ambiente e economia. Surpreendentes três quintos da redução de nossos gases de efeito estufa provêm de nossa eficiência e renovação.
Nossos produtos são bastante reconhecidos hoje, em mercados crescentemente competitivos, por seu valor estético mas também por serem os mais ambientalmente corretos. As lentes do design de sustentabilidade, especialmente Biomimicry (inspirado na natureza), resultaram em uma nova safra de inovação, da qual surgiram produtos inimagináveis 13 anos atrás. Nossos designers rotineiramente se fazem perguntas esotéricas do tipo “como a natureza desenharia a cobertura de um chão?” ou “como um lagarto se penduraria de ponta-cabeça em um teto?” De indagações assim, aparentemente loucas, nasceram os mais espetaculares e bem-sucedidos produtos na história de nossa indústria.
Nosso colaboradores estão hoje reunidos, cada qual com sua cota de participação, em torno de um propósito maior que é a sustentabilidade. E as pessoas ficam melhores quando trabalham com um propósito. Em 52 anos de trabalho na indústria, nunca vi algum valor equivalente ao da sustentabilidade para atrair motivação e unir indivíduos. Ninguém mais vai à empresa só para fabricar e vender carpetes. Vai também para ajudar a salvar o planeta.
Na outra ponta, a boa vontade do mercado tem se mostrado surpreendente para este tipo de decisão empresarial. Os lucros não deixam margem para dúvidas. Nenhuma publicidade ou despesa com marketing poderiam gerar tanto, significar tantas vendas ou melhorar de forma mais evidente o próprio bottom line do que os feitos em práticas sustentáveis.
Talvez o mais espetacular resultado seja que essa iniciativa produziu um modelo de negócios melhor, um jeito melhor e mais legítimo de lucrar. Trata-se de um modelo empresarial que desconcerta os concorrentes de mercado, sem jogar a conta pesada para a Terra e as gerações futuras. Em vez disso, as inclui em relações do tipo ganha-ganha-ganha.
Como inequívoca consagração deste tipo de modelo, o valor das ações da Interface subiu de U$2 para U$20 em quatro anos, mesmo tendo enfrentado a maior e mais longa recessão na nossa história industrial. Uma recessão a qual talvez não tivéssemos sobrevivido não fosse a enorme explosão da sustentabilidade – no chão de fábrica e no mercado.
Em futuro indefinido, uma sociedade sustentável dependerá total e absolutamente de um vasto redesenho do sistema industrial, orientado por uma igualmente vasta e gradual mudança de paradigmas – uma mente de cada vez, uma organização de cada vez, uma tecnologia de cada vez, um prédio, uma companhia, um currículo universitário, uma comunidade, uma região e uma indústria até que todo o sistema se transforme em um sistema sustentável, convivendo em equilíbrio ético com os sistemas naturais da Terra dos quais dependem todo ser vivo e toda a civilização. Ao final deste artigo, aproveito para deixar a seguinte provocação: “O que você vai fazer hoje para a sustentabilidade do Planeta?”

Ray Anderson é chairman da Interface. Inc., considerada a primeira indústria norte-americana e uma das primeiras do mundo a adotar os princípios e práticas sustentáveis na gestão do negócio

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