O CEO da multinacional Tereos Amido & Adoçantes Brasil, Kwami Alfama, sempre se sentiu um tanto diferente nos lugares que frequentava, especialmente depois que assumiu a liderança de uma grande empresa. Essa inquietação acabou se tornando um de seus objetivos de vida: aumentar a representatividade negra nos altos cargos corporativos.
Alfama levou longe essa ideia: no dia 17 de setembro, Alfama representou o país no SDGs in Brazil, evento do Pacto Global da ONU, que aconteceu em Nova York, e colocou esta discussão na mesa.
O executivo mostrou às Nações Unidas o exemplo do Pactuá, iniciativa que visa promover a capacitação para abrir mais espaço para pretos executivos, criada por ele e outros 17 empresários. Fundado em junho do ano passado o Pactuá tem como intuito a inclusão de pessoas negras em cargos C-levels (como CEO etc.). A ideia é realizar uma espécie de mentoria para jovens gerentes superarem o teto que gera estagnação da carreira. Segundo dados do IBGE divulgados no ano passado, menos de 3% de pessoas negras alcançam cargos de diretoria ou gerência no Brasil. “É muito pouco”, declara o executivo.
Formado em Engenharia Mecânica, fã do escritor Jorge Amado, Alfama nasceu em Cabo Verde, e mora há 26 anos no Brasil. Em conversa com NetZero, Kwami Alfama explica a recepção das iniciativas da Tereos e do Pactuá na conferência do Pacto Global, além de contar o impacto que elas trazem nas companhias que incluem o tema de diversidade na pauta ESG.
NETZERO: Como foi representar o Brasil no evento em Nova York?
KWAMI ALFAMA: Foi interessante, abriu espaço com pessoas que estavam ali e queriam fazer diferença com responsabilidade social, ambiental e ESG como um todo. Quando recebi o convite, achei importante porque o Pacto Global tem objetivos muito interessantes, e raça é prioridade. Minha história no Brasil é de 26 anos.
Eu escuto bastante falar de trabalhar e construir a base. Logicamente, em qualquer ação, o alicerce é extremamente importante. Mas eu gosto muito de olhar para a questão de diversidade e inclusão não como uma construção normal, que começa pela base. Eu entendo que ela começa de qualquer lado, de qualquer lugar.
Quando levei o tema ao painel sobre raça, tive o objetivo de falar sobre a importância da representatividade. Ou seja, de outra diversidade, de gênero ou orientação sexual; como é importante olhar para a alta posição da empresa e conseguir enxergar pessoas parecidas. Um exemplo é o de CEOs negros: eu sou um dos pouquíssimos no Brasil, tirando os vários CEOs que são empreendedores [em pequenas e médias empresas].
No meio corporativo, a maioria das pessoas negras que conseguem prosperar na carreira acaba parando no meio da gestão e dificilmente conseguem evoluir. Muito disso está atrelado a duas questões principais: falta de representatividade, e aí é enxergar nesse local e dar tudo de si; e a outra logicamente é oportunidade, seja na diretoria, C-Level ou mesmo conselho de administração.
E como isso é trabalhado na Pactuá?
Abrimos uma turma na qual cada executivo negro, ou até gerente sênior e diretores, dão mentoria no sentido de compartilhar com as pessoas a sua experiência. Mesmo sabendo que cada um de nós terá uma experiência única, mas o fato de compartilhar o que fez de positivo, onde errou, os caminhos que levaram a subir, e o que fez bater a cabeça e não evoluir – isso traz reflexões, os trajetos que podem trilhar, quais as barreiras e como podem ultrapassa-las. Dentro do processo, a gente observa os gaps, sejam de soft ou hard skills [habilidades], ou um segundo e terceiro idioma. A gente consegue observar isso e vem endereçando esse ponto com parcerias, como a Fundação Cabral, para sanar esses gargalos e facilitar a capacitação em boas escolas.
A terceira etapa é como fazer a melhor parceria de hunting de executivos para conhecer profissionais, e estamos abrindo essa porta. Quando as pessoas passam pelo processo de capacitação e já estão prontas, as empresas de hunting vão poder conhecê-las para trabalhar para as posições que apareçam. É uma relação um pouco mais próxima, na qual você conhece o profissional, sabe o background e as potencialidades e faz um “fit” quando aparece uma vaga.
É comum ver empresas apresentando iniciativas de diversidade, mas mantendo-as nos mesmos cargos básicos.
De forma geral, as empresas estão colocando energia, e eu conheço empresas sérias. Mas mesmo essas trabalham muito na base, e estamos falando de pessoas que já estão ali [no meio] e têm fome de conhecimento e desenvolvimento, com um potencial que, de alguma forma, a empresa não enxerga ainda.
Por isso que é importante a representatividade. Não é só para a pessoa negra que quer almejar a evolução, é para as pessoas em cima abrirem mais espaço para ter pessoas negras competentes e capazes. Para que quem já evoluiu e está na posição enxergue isso. São ações afirmativas e propositais, que são de fato criar espaço para que pessoas possam se desenvolver.
As políticas públicas deveriam incentivar isso?
Eu sou um cara de mercado, sou um capitalista, trabalho no meio de empresas. Não é algo ruim, não quer dizer que não se olha para as pessoas: eu olho muito para que desenvolvam, cresçam e tenham poder de compra, educação, saúde, lazer etc. Quando se fala de o governo dar algum benefício, teoricamente implica que a empresa teria prejuízo a ser compensado. Não acho isso, a empresa tem a ganhar, são pessoas capazes, com potencial, que podem trazer muito ganho.
Desde o fato de se ter pessoas diferentes – sim, somos diferentes. Não somos todos iguais, isso é mentira. Ainda bem! Porque acho que assim a gente cria riqueza de pensamento, de cultura, que traz diversidade.
É um olhar do mercado quando traz uma pessoa negra, ou mulher, ou com outra orientação sexual, porque traz uma forma de pensar que talvez outros não tenham. E quando eu falo de negras, pretas e pardas, são 56% da população, que é consumidora e para as quais as empresas vendem os produtos.
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O caminho para o empreendedor promover a diversidade:
Por Kwami Alfama
1 – Estudar para entender a importância e a profundidade da diversidade e equidade;
2 – Promover o conhecimento na equipe para que possam espalhar a cultura.
3 – Na Tereos, Alfama implantou grupos multidiversos para a inclusão. “Isso é importante porque não basta criar diversidade e trazer pessoas negras e mulheres, precisa criar ambiente para elas sejam respeitadas como elas são”.
4 – Como líder, deve-se aprender a ajudar pessoas a aprenderem, incentivar e provocar para saírem da superficialidade. “E criar espaços de segurança e de diversidade para que pessoas possam aprender, se desenvolver e ser elas mesmas, plenas nas potencialidades e fragilidades”.
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