Gestão de valores – A crise que é oportunidade

Gestão de valores – A crise que é oportunidade

A crise que é oportunidade
Vivemos um momento de grande oportunidade apesar da parada cardíaca do sistema financeiro global e das previsões apocalípticas soltas. Outro dia vi um artigo[1] particularmente sombrio que sugeriu um futuro onde apenas quatro ‘commodities’ teriam valor – ouro, munição, comida enlatada e água potável. Mais adiante, seguindo esta lógica, até o ouro perderia valor pelo simples fato que não dá para comê-lo.
Além de problemas coronários, o sistema sofre de ‘diabetes’ de ‘pressão alta’ e uma boa dose de toxicidade, o que dificulta a ‘operação’ de salvamento por parte dos governos. A pesar das declarações daqueles que querem voltar aos bons tempos de ganhos fáceis usando dinheiro que não existia para comprar um futuro que não tinha acontecido ainda, o modelo econômico tão venerado por tantos fracassou. A era de capitalismo turbinado acabou.
Há 11 anos publiquei um livro chamado ‘Endoquality’[2] no qual falei da dificuldade de criar valor verdadeiro do nada:
“Não é necessário ir muito longe para encontrar amplas evidências da nossa tolice. A natureza abundante que nos cerca transmite uma mensagem permanente da interdependência de tudo e de todos. Mesmo assim, continuamos como se fôssemos imunes ao efeito das nossas ações. Vivemos num mundo que é claramente um sistema fechado com limites de ar, de água, de recursos naturais e de espaço. Contudo, agimos como se a natureza fosse uma fonte inesgotável de matéria prima para alimentar nossa mania produtiva e o seu filho, o consumismo.
Quem afinal inventaria um sistema financeiro mundial no qual todas as trilhões que circulam jamais podem ser convertidos em bens? Apenas 18% de todo o dinheiro que existe poderia ser tocado de alguma maneira. Se todos os indivíduos e organizações fossem correr às instituições financeiras para retirar o que têm depositado ou investido, encontrariam apenas 18%. Os outros 82% são registros eletrônicos cujo valor é basicamente uma questão de fé que os bancos centrais dos países manipulam.”
Hoje estas palavras escritas quando o ‘ganhar, ganhar e ganhar’ estavam no seu auge, ressoam nos meus ouvidos. Mesmo assim, falo em oportunidade por várias razões.
A primeira e mais óbvia é que qualquer paciente humano que recebesse o diagnóstico descrito antes, pensaria seriamente em mudar de dieta e iniciar a prática de exercícios apropriados. Neste caso, é o momento para checar as três atitudes principais que têm sido responsáveis pela crise – a ganância desenfreada, a arrogância cega e o medo paralisante. Os pequenos investidor até os grandes banqueiros caíram na ilusão do ‘cassino’ das bolsas. O pequeno querendo ser grande e o grande vendendo ‘lixo’ para outros grandes.
É a grande oportunidade de rever nossos modelos políticos e econômicos e entender que o sucesso de longo prazo depende de uma integração dos desafios ambientais e sociais com uma governança responsável.
Embora muitos indivíduos e corporações procurarão medidas de sobrevivência, é a oportunidade de olhar a saúde daquelas empresas que adotaram medidas de sustentabilidade. Aquelas que instituíram práticas e políticas verdadeiramente sustentáveis, estão dando a grande prova de que elas são capazes de se sustentar.
Para os menos cegos, a onda de questionamento atual certamente gerará mais consciência sobre os impactos sociais associados com o modelo econômico de ganhos fáceis, de desperdícios grandes e de salários obscenos dos seus protagonistas. Imagino que isso alimentará mais interesse na sustentabilidade como o modelo de conduzir negócios. Cuidar dos seus empregados e reduzir o desperdício também são maneiras de criar uma sobrevivência sustentável.
Um dos grandes benefícios desta calamidade financeira é que haverá muitíssimo mais cuidado e sensatez com os gastos. O consumidor gastará menos e poluirá menos. Estará mais atento para apagar as luzes e usar menos água no seu banho. Pensará duas vezes antes de sair com seu carro. Ao invés de comprar produtos cujos preços são inflados por embalagens sofisticados, procurará suas versões mais simples e muitas vezes a granel. Para os graúdos executivos, há iniciativas como a do primeiro ministro australiano que já anunciou a criação de um teto salarial para os CEO’s daquele país. Como o poeta americano, Ralph Waldo Emerson disse: “Só estudamos a geologia depois do terremoto.”
Enfim, vivemos num mundo mais cauteloso e nessas alturas a cautela é extremamente benéfica. Há muita gente estudando a ‘geologia’ e haverá muitas oportunidades para melhorar nossas atitudes e nosso planeta como conseqüência.
Ken O’Donnell é autor de diversos livros, consultor, coordenador para América do Sul da Organização Brahma Kumaris e presidente do conselho do Instituto Vivendo Valores.
[1] “What comes after the Great Unwinding?” de James Saft no www.forbes.com
[2] Ed. Casa da Qualidade (1997)

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