Executivos deixam setor privado para defender causas sociais

Executivos deixam setor privado para defender causas sociais

Revista Idéia Socioambiental/São Paulo
Em férias da empresa, no final da década de 1990, o norte-americano John Wood, então alto executivo da Microsoft, decidiu realizar um trekking (caminhada em montanhas) nas cordilheiras do Himalaia. Ao chegar ao Nepal, porém, deparou-se com um cenário em nada paradisíaco: ignorância, miséria e escassez reinavam nos vilarejos locais. De tudo o que viu, o que mais o impressionou foi a precariedade das escolas visitadas e a ausência de livros nas salas de aula.
A viagem fez com que o executivo retornasse ao local para fundar a Room to Read, organização que ajuda crianças carentes a aprender a ler e escrever. Resultado dessa experiência foi o livro Saí da Microsoft para mudar o mundo, publicado em 2007 (Editora Sextante), no qual Wood relata as motivações e processos pelos quais passou e que resultados sua visão empresarial trouxe para a nova atividade no campo social.
“O mais difícil ao sair da Microsoft foi saber que estava deixando uma vida e um estilo de viver muito bem estabelecidos. Quando saí, não tinha um plano de como a Room to Read iria acontecer, só sabia que tinha que agir”, conta Wood. O impulso humanístico, porém, evoluiu para a vontade de devolver à sociedade a oportunidade que ela lhe proporcionou.
A trajetória de John Wood revela, na verdade, uma tendência que, guardada às devidas proporções, também tem sido verificada na vida de alguns executivos brasileiros. Idéia Socioambiental reuniu a história de cinco desses executivos que, depois de atingir um alto posto na carreira profissional, mudaram radicalmente a direção do leme de suas vidas e decidiram dedicar-se a causas sociais. A carga de trabalho não é menor. As dificuldades também não o são. Mas o sentimento de dever cumprido e a satisfação pessoal compensam a rotina desgastante.

Espaço para novas gerações
O alto salário da executiva Vânia Ferro não pagava os custos de deixar a vida e projetos pessoais de lado. “Quando parei, aos 45 anos, comecei a refletir sobre a importância do que vinha fazendo para mim mesma e para outras pessoas”, conta. Depois de 30 anos de atuação em empresas, ela resolveu quitar uma espécie de “dívida de gratidão” pelas boas oportunidades recebidas na vida. “É como um sentimento de culpa. Você vai elevando seu padrão de vida, mas, no fundo, sente-se um pouco sozinha, já que não consegue levar com você todos os que conviviam ao seu redor.”
Vânia destacou-se no mundo corporativo como presidente da 3Com, nos Estados Unidos, no final da década de 1990. O auge de sucesso profissional veio acompanhado, porém, de pressões e dificuldades que resultaram em sua demissão. O programa de recolocação profissional a ajudou a traçar caminhos até a Care Brasil – organização internacional de combate à pobreza –, onde permaneceu como executiva principal durante dois anos e meio.
Hoje, aos 56 anos, Vânia aposta na qualidade de vida e num negócio mais intimista: a Pousada da Amendoeira, na Praia do Toque, em Alagoas, idealizada com o apoio de dois sócios. O empreendimento é resultado de todas as suas experiências anteriores como gestora. Além disso, dá aulas em Faculdades e atua como conselheira de ONGs e empresas, trabalhos esporádicos que se adaptam perfeitamente à sua nova rotina.
Vânia acredita ser preciso dar oportunidade aos mais jovens de ocupar posições de ponta no setor privado. “Se todas as empresas tivessem uma gestão mais moderna, os processos seriam mais democráticos e mais eficientes. As pessoas com mais experiência deveriam estar nos conselhos, assim têm a oportunidade de dividir seus conhecimentos e, ao mesmo tempo, dar oportunidades aos mais jovens.”
Cidadãos 24 horas
A participação em associações de bairro foi a porta de entrada de Kimy Tsukamoto, diretora da Ashoka Brasil-Paraguai, para o terceiro setor. “As organizações da sociedade civil exercem um impacto maior e com desafios muitas vezes mais difíceis do que os existentes no mundo corporativo. Ficamos na empresa durante cerca de oito horas por dia, mas somos cidadãos 24 horas”, argumenta.
Depois de oito anos a serviço de empresas brasileiras, e mais 12 no exterior, trabalhando e estudando, especializou-se no desenvolvimento de tecnologias da informação em companhias estrangeiras – entre elas a Dun & Bradstreet (EUA), líder mundial no fornecimento de informações para áreas de crédito, marketing, compras e áreas de suporte a serviços. “Minha vida era passar 12 horas no escritório. Para nós, da empresa, provocar impacto social era dar emprego para as pessoas. Eu queria ir além”, diz.
Foi o que fez. Decidida a dedicar-se integralmente a uma causa e interessada em urbanismo, procurou programas com metodologia reconhecida internacionalmente para trabalhar com patrimônios da humanidade. A falta de iniciativas exatamente como queria levou Kimy a fundar o Beyond Funding Institute, com projetos bilaterais no Brasil e nos Estados Unidos. Aos poucos, foi voltando ao país de origem por considerar as necessidades daqui bem maiores. O envolvimento com o terceiro setor a levou, em 2007, à posição de diretora da Ashoka.
Para ela, um dos desafios que mais a motivam é colocar empresários em contato com uma realidade social com a qual nunca se depararam na vida. Esse foi um dos motivos pelos quais ela retornou à terra natal. “Talvez eu não tivesse o mesmo empenho se não estivesse em um ambiente no qual eu visse tanto a necessidade de mudança e não me considerasse parte da solução de longo prazo. Minha vida hoje em dia é 100% social, de volta ao país onde nasci.”
Soluções de mercado para questões socioambientais
Encabeçando o programa New Ventures, da World Resources Institute (WRI), organização sem fins lucrativos ligada ao setor privado, o economista brasiliense Luiz Ros levantou 18 milhões de dólares, em seis anos, para projetos de desenvolvimento sustentável de 150 empresas na China, Índia, Indonésia, no Brasil e México.
Depois de marcar sua passagem pelo governo e por organizações privadas, Ros novamente mudou de setor, mas não de área de atuação. Hoje, faz parte do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com o programa Oportunidades para a Maioria. Em conjunto com o indiano C.K. Prahalad, um dos maiores pensadores mundiais em estratégia corporativa, o brasileiro conversa com líderes empresariais e chefes de Estado da América Latina em busca de soluções que aumentem a participação das camadas mais pobres no mercado consumidor.
A possibilidade de aplicar conceitos e práticas de negócios na busca de soluções de mercado para problemas sociais e ambientais foi a principal motivação de Ros para a nova empreitada. “Estamos vivendo um momento único, em que avanços tecnológicos combinados com novos modelos de negócios inclusivos e parcerias com a sociedade civil organizada permitem que as empresas acessem mercados e populações de baixa renda antes inteiramente negligenciados”, empolga-se.
Preocupado com o Brasil
Quando completou 60 anos e teve que se aposentar de seu alto cargo no Unibanco por conta de um dispositivo estatutário da empresa, Paulo Bravo impôs-se um desafio: colocar seus conhecimentos adquiridos no setor privado a serviço do terceiro setor. Aproximou-se, em 1998, da Ação Comunitária, organização da sociedade civil existente há 41 anos. Acabou por tornar-se presidente e, por conta da rotatividade dos cargos, é atualmente o vice.
“O terceiro setor é extremamente carente de know how em gestão e administração. Nos meus mais de 40 anos de trabalho em empresas bem-sucedidas, estruturadas e organizadas, aprendi uma série de conceitos e ferramentas que quis colocar à disposição de uma ONG para torná-la melhor gerenciada, mais produtiva, e mais eficaz, no sentido de obter mais resultado social com os mesmos recursos”, explica.
Contudo, se a necessidade de discussão e de ações para mudar a realidade social brasileira não fosse tão urgente, Bravo confessa que não teria se dedicado à causa. “Pelo menos, não 100%”, reflete. Ele acredita ser responsabilidade sua e de todos os que tiveram oportunidades de crescer profissional ou socialmente, de gerar as mesmas possibilidades em quantidade e qualidade para o restante da população. “Já que as classes dirigentes não são capazes de equacionar esse problema – pelo menos de forma não paternalista –, senti a obrigação de me engajar para ficar mais confortável comigo mesmo e com a minha consciência.”
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Estratégias corporativas aplicadas ao empreendimento social

Aos 35 anos, Marcos Azzi deixa o posto de sócio da Hedging Griffo, empresa que gerencia e potencializa fundos de investimentos de clientes com alto poder aquisitivo, para dedicar-se à construção de um instituto que levará seu sobrenome e atuará em três frentes: habitação, educação e valores. Azzi representa uma nova geração de executivos que atingem o ápice da carreira precocemente e decidem repartir com a sociedade os bens – materiais ou não – que angariaram.
Ingressou na Hedging Griffo em 1995, como estagiário do terceiro ano de Administração da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). De lá para cá, a movimentação da empresa saltou de R$ 10 milhões para R$ 40 milhões, e o mineiro de Poços de Caldas viu sua fortuna pessoal crescer na mesma proporção.
O diferencial que Azzi promete levar ao novo empreendimento está, em primeiro lugar, na visão empresarial que imprime ao investimento. “Será tratado de maneira totalmente profissional, com a visão do segundo setor”, diz. Além disso, ele garante que não irá manter o conceito de caridade, “em que o de cima doa e o de baixo recebe”. “Somos todos iguais, só tive mais oportunidades do que outras pessoas”, conjectura.
Em segundo lugar, ele propõe um novo modelo de contribuição financeira: doar com base na porcentagem do patrimônio. Desta forma, 3% de toda a sua fortuna deverá ser destinada, em princípio, ao instituto. Quando completar 40 anos, serão 4%, e 5% com 50. “Não considero certo incentivar para que as pessoas doem a maior parte do seu patrimônio. São poucos os que têm essa disponibilidade. Se selecionarmos um grupo grande, que consiga doar 1% do seu patrimônio independentemente do salário, já é possível fazer uma transformação muito grande sem reduzir o padrão de vida de ninguém”, empolga-se.

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