Especial – O modo sustentável de fazer negócios – Parte 1

Especial – O modo sustentável de fazer negócios – Parte 1


As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por desastres ambientais e alertas de cientistas em relação às ameaças das mudanças climáticas e outros desequilíbrios causados pelo homem na natureza. Foi nesse período que a sociedade se organizou para cobrar posturas responsáveis das empresas em relação ao meio ambiente. Com o tempo, as companhias perceberam que incorporar a variante ambiental em seus processos era muito mais vantajoso do que remediar eventuais danos à natureza. Além de benefícios econômicos, essa postura trouxe ganhos de imagem e reputação para as empresas. A partir daí, a abordagem da questão ambiental sofreu mudanças significativas nas corporações, saindo de um cenário de risco para o de oportunidade de negócios.
Nesse processo, algumas iniciativas e eventos transformaram-se em marcos históricos na defesa do meio ambiente, como a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972. “Foi a partir daí que a discussão sobre a questão ambiental se acirrou”, recorda Fernando Almeida, presidente do Cebds (Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável). No Brasil, ele destaca, esse movimento partiu de ações do governo federal, com a edição de normas e políticas de meio ambiente e a criação, em 1975, da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), no âmbito do Ministério do Interior. A formulação da Política Nacional de Meio Ambiente, em 1981, e a exigência da realização de estudos e relatórios de impacto ambiental, a partir de 1986, ajudaram a fomentar o debate em torno das questões ambientais e da necessidade de se estabelecer padrões que tornem possível o desenvolvimento sustentável.
Como reflexo da ordem vigente no período de ditadura, as poucas organizações não governamentais existentes na época tinham caráter conservacionista. Portanto, a pressão por condutas ambientalmente responsáveis das empresas era exercida pelo Estado, por meio  de seus órgãos reguladores. As empresas eram autuadas, mas as deficiências de fiscalização e lentidão do Judiciário permitiam que muitas delas driblassem a legislação.
As mudanças só começaram a acontecer de maneira efetiva quando o setor privado percebeu os benefícios que poderia alcançar com a incorporação da variante ambiental nos seus processos. Isso se tornou evidente com a divulgação do conceito de ecoeficiência, que consiste na capacidade de produzir e realizar atividades com o menor impacto ambiental possível, por meio do mínimo consumo de recursos naturais e a mínima geração de resíduos e subprodutos para o meio ambiente.
Esse conceito é uma das bases para a atuação sustentável das empresas de todo o mundo. “As empresas introduziram as primeiras mudanças no setor de controle de poluição e segurança do trabalho, áreas nas quais a legislação  é mais incisiva. Elas ocorreram por meio de projetos e programas de ecoeficência, em que tanto os ganhos econômicos quanto os ambientais são positivos. Por exemplo, a partir da co-geração de energia (siderurgia), utilização de biomassa e lixo na combustão (papel e celulose), reciclagem de papel e latas etc”, afirma a cientista econômica Dália Maimon, autora do livro Passaporte verde: gestão ambiental e competitividade.
Segundo ela, a resposta das empresas à pressão da sociedade em matéria ambiental pode ser analisada com base em três estágios típicos. No primei¬ro, ocorre a adaptação da empresa à regulamentação ou exigência do mercado, com a adoção de tecno¬logias de fim de processo (end of pipe), como equipamentos de controle de poluição, por exemplo. No entanto, não há ainda, nessa fase, modificação da estrutu¬ra produtiva e do produto. A segunda etapa se caracteriza pela adaptação das atividades empresariais à regulamentação ou exigências do mercado relativas à questão ambiental, modificando os processos e pro¬dutos com o objetivo de prevenir a poluição e problemas que prejudiquem a consecução da estratégia empresarial. O último estágio é mar¬cado pela antecipação aos problemas ambientais futuros a partir da adoção de um comportamento pró-ativo a fim de integrar a função ambiental ao planejamento estratégico da empresa.
Os instrumentos de auto-regulação, como as certificações ISO, também contribuíram nesse processo de evolução. Na maioria das empresas, a gestão ambiental surgiu como uma evolução dos sistemas de qualidade, implementados com a ISO 9001 a fim de alcançar a melhoria contínua dos processos e produtos. As certificações seguintes (ISO 14001, OHSAS 18001) ampliaram essa visão, passando a incluir a preocupação com o meio ambiente, com a saúde e a segurança do funcionário e da comunidade.
Outro avanço provocado pelas certificações foi a disseminação da ferramenta de análise do ciclo de vida do produto (ACV), que consiste na avaliação dos aspectos e impactos ambientais associados a um produto, compreendendo etapas que vão desde a retirada de matérias-primas da natureza até a disposição do produto final. Além de ser uma exigência da ISO 14001, os resultados da ACV podem ser úteis para a tomada de decisão, funcionando como um critério para avaliação de projetos, produtos, processos e planejamento estratégico da empresa.
Para Heloisa Bedicks, secretária-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a influência desses instrumentos de adesão voluntária é maior do que a regulamentação legal. “Toda auto-regulação acaba tendo um engajamento muito maior do que aquilo que é obrigatório. Tudo o que a empresa faz por que acredita que é importante tem um efeito muito maior”. Além disso, a empresa tem condições de multiplicar as boas práticas ambientais em toda a cadeia de valor na qual está inserida. “Se a pessoa está engajada em não poluir, em reciclar o lixo, ela faz isso não só no trabalho. Vai exigir que isso aconteça no edifício onde mora, no município etc. E o universo em que as empresas atuam é muito grande, se nós pensarmos na quantidade de colaboradores, clientes e fornecedores com os quais elas se relacionam, nós podemos ter o engajamento de parcela significativa da sociedade na promoção de boas práticas ambientais e sociais”, ressalta Heloisa.
A partir da disseminação do conceito de desenvolvimento sustentável, mencionado pela primeira vez em 1987 no Rela¬tório Nosso Futuro Comum, da  Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas, muitas empresas passaram a perceber a questão ambiental, juntamente com os aspectos sociais e econômicos, como componente essencial para a perenidade dos seus negócios. Por essa nova perspectiva a estratégia da empresa deve estar baseada no tripé econômico, ambiental e social para desenvolver um modelo de negócio que satisfaça as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.“As empresas que não adotarem a sustentabilidade como estratégia de negócio – e não somente no discurso, que já está estabelecido, mas, principalmente, na apresentação de resultados -,  estarão fora do mercado no máximo em 15 anos. Não importa o tamanho, aquelas que não se recriarem, vão desaparecer”, afirma Almeida.
As mudanças, contudo, não têm acontecido com a velocidade e escala necessárias para reverter as tendências e modelos de desenvolvimento que levaram à crise atual. “A forma como se trabalha a base da pirâmide é outro aspecto a ser equacionado. Alguns exemplos são interessantes, mas é preciso multiplicar as boas práticas  e reverter a tendência, porque ela continua sendo de degradação”, ressalta o presidente do Cebds.
Outra questão, ele alerta, é a exigência de profissionais capazes de resolver crises e administrar interesses muitas vezes divergentes. “Em primeiro lugar, o profissional precisa ter o conhecimento do problema, em sua dimensão histórica, geográfica e técnica. Precisa, ainda,  saber avaliar o risco e como aquela questão o afeta, seja na empresa ou na vida pessoal. Por último, vem a sua própria atitude como cidadão, a sua responsabilidade com o coletivo”, diz. Uma competência muito além da exigida no passado recente, em que a gestão ambiental era responsabilidade de auditores, gerentes ou técnicos que detinham o conhecimento dos processos, parâmetros e legislação relacionados ao meio ambiente. Hoje, a questão ambiental deve estar presente em todas as áreas do conhecimento, um desafio para empresas, governos e toda a sociedade.
“A idéia de empresa sustentável é uma bobagem, o que é sustentável é a sociedade, Não existe empresa saudável em sociedade falida.”, defende Almeida. “Na medida em que a sociedade se conscientiza, ela exige mais das empresas que, pressionadas, passam a fazer mais. Porém, as companhias que se movimentarem primeiro, vão ter uma aceitação melhor e  passarão a liderar esse processo”, acredita.
Linha do tempo
1972 – realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Estocolmo, Suécia
1975 – criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), no âmbito do Ministério do Interior, no Brasil
1986 – formulação da Política Nacional de Meio Ambiente e a exigência da realização de estudos e relatórios de impacto ambiental no Brasil
1987 – o termo desenvolvimento sustentável é citado pela primeira vez no Rela¬tório Nosso Futuro Comum , da  Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas
1992 – divulgação do conceito de ecoeficiência pelo World Business Council for Sustainable Development – WBCSD
1992 – Realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), chamada também de ECO-92, no Rio de Janeiro
1993 – criação da ISO 14001
1997 – criação do Cebds (Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável)
1997 – assinatura do protocolo de Kyoto, que estabeleceu metas para redução das emissões de gases causadores do efeito estufa
2002 – realização da Rio +10 ou Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, África do Sul
2006 – relatório do IPCC alerta que 90% das mudanças climáticas são causadas pelo homem

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