Entendimento de fato dos desafios da sustentabilidade

Entendimento de fato dos desafios da sustentabilidade

Por José Gonçales Junior

No final de abril deste ano saiu o relatório Sustainability Leaders – The 2013, A GlobeScan/SustainAbility Survey, expondo a opinião que milhares de especialistas em sustentabilidade ao redor do mundo possuem a respeito de quem são de fato as lideranças que estão voltadas para atuar no setor público ou privado direcionados a promover modelos de desenvolvimento inclusivos e sustentáveis.

Entre os especialistas ouvidos, há um mix entre os que atuam no setor privado, governos (incluindo instituições multilaterais), organizações não governamentais, instituições acadêmicas de pesquisa e, por fim, do setor de serviços, como consultores e especialistas de mídia.

Foram entrevistados 1.170 líderes entre as regiões da América Latina, Ásia, Oceania, África e América do Norte. Nos resultados apresentados, alguns já eram esperados: em uma visão geral, os governos e líderes das empresas estão em último lugar nas expectativas a respeito de setores que se constituam na ponta das transformações que o mundo pede para se tornar sustentável no futuro. Entre os dados que chamaram a atenção está o fato de que, em média, 38% dos entrevistados atribuíram a governos e líderes empresariais1,0 a2,0 pontos, em uma escala de atuação em busca da sustentabilidade que vai de 5 (excelente) a 1 (pobre ou fraco), enquanto que em setores da sociedade como os empreendedores sociais ou as lideranças científicas apresentaram mais de 44% das notas entre 4,0 ou 5,0.

Acompanhando a evolução das avaliações no relatório desde 2010, também se observa que lideranças científicas e os empreendedores sociais (social entrepeneurs) sofreram quedas sutis nas avaliações dos entrevistados; porém, ao longo de três anos, passaram por um upgrade no percentual dos que atribuíram notas 4,0 e 5,0 no período. Paralela a essa performance, houve uma queda constante sofrida pelas lideranças políticas mundiais e oscilação que tendeu para queda na liderança das empresas.

Na avaliação dos entrevistados, essa mesma tendência se repetiu: praticamente, em todas as regiões do planeta, os líderes do governo e das empresas receberam as menores notas com relação às estratégias voltadas para a sustentabilidade. Com exceção do continente africano (13% de notas 4 ou 5), nas demais regiões os líderes no governo receberam menos de que 3% dos votos; paralelo a esse fato, os líderes corporativos receberam 20% de notas 4,0 ou 5,0 na Europa, América do Norte, América Latina e Caribe e na Oceania. Indo em direção oposta aos dois setores mencionados, os empreendedores sociais receberam mais de 50% da menção excelente (4,0 a5,0) em todas as regiões do mundo, chegando a obter 62% na América do Norte.

As análises de tal survey devem ser avaliadas não somente em um contexto pós-Rio+20, quando os governos deixaram a desejar quanto ao seu desempenho e dedicação nas questões fundamentais do relatório final da conferência; porém, os mesmos sofreram notas baixas devido ao acirramento de diversos problemas socioambientais mundiais, que lamentavelmente ainda têm seu curso fatalista em andamento. Analisemos alguns que tiveram peso no balanço negativo dos setores público e empresarial:

– apesar da produção de incessantes e inquestionáveis relatórios dos alertas sobre o aquecimento global, há morosidade na mudança das matrizes não renováveis – como petróleo e carvão – para as matrizes renováveis como – eólica e solar. Em vários casos, o que temos acompanhado é uma evolução da euforia e insistência nas matrizes fósseis por parte de países que já deveriam estar à frente das matrizes ecológicas; a discussão da possibilidade da exploração do gás de xisto no Brasil e sua ampliação na matriz energética nos EUA é um dos símbolos desse atraso (mais do mesmo na economia marrom);
– mesmo após inúmeras conferências sobre desenvolvimento de cidades, onde foram propostas centenas de ideias para tornar as cidades mais sustentáveis em todo o planeta, o cotidiano das nossas metrópoles, principalmente nos chamados “países emergentes”, aponta retrocessos em diversos setores, como caos no trânsito, aumento das habitações em áreas de risco, aumento da violência urbana expressa na criminalidade, delitos em família, trânsito, aumento das denúncias de contaminação de solos urbanos por antigos depósitos clandestinos de produtos químicos, somado ao aumento da violência na repressão de manifestações sociais desde as capitais brasileiras, passando pela Turquia, Egito, Madrid, Londres e até Novo Iorque;
– Energias tidas como limpas e ratificadas por acordos internacionais como a nuclear começou a dar sinais de que não é tão segura, devido ao acidente de Fukushima no Japão, e passou a ser questionada seriamente pela opinião pública, sofrendo ataques cada vez mais fundamentados. Nesse mês de setembro a empresa TEPCO, que administra Fukushima, admitiu que houve perda do controle sobre os vazamentos de materiais radioativos no oceano, somado a ameaça iminente de grandes partes do oceano Pacífico ficarem contaminadas pelos mesmos. Até a data presente, o governo japonês ordenou o fechamento da última usina nuclear em operação no país;
– Os reflexos da crise de 2008 nos Estados Unidos, somados aos efeitos recessivos da crise em vários países europeus, como Espanha, França, Grécia, Inglaterra e Itália, trouxe para as TVs em todo o mundo as imagens de milhares de jovens protestando nas ruas, pedindo por políticas públicas inclusivas, empregos, melhores escolas e hospitais e o fim da crise. Esse cenário de descontentamento é incompatível com qualquer proposta que fora lançada de desenvolvimento sustentável, onde os 3P’s sejam levados em conta em políticas públicas ou investimentos privados (pessoas, preservação ambiental e a lucratividade e retorno dos investimentos);
– Os constantes casos de corrupção e distorção na contabilidade de várias empresas, bancos renomados e fundos de investimento, somados a novas descobertas de trabalhos em condições análogas às de escravo, precárias, insalubres, construíram uma imagem de insatisfação e repulsa na opinião pública mundial e nacional;
– No caso específico brasileiro, a exposição do péssimo estado do sistema de saúde pública, aliado às falhas do atendimento no setor privado, chamou a atenção de demandas sociais pretéritas ainda não satisfeitas no país. Antes de se propor ou discutir consumo ou modelos de desenvolvimento sustentável futuro, a sociedade brasileira passou a debater com razão a respeito da necessidade do governo inserir milhões de cidadãos brasileiros nos benefícios da medicina construídos no século XX; disso resulta a enorme insatisfação com as lideranças políticas que no mundo todo ainda não cumprem suas promessas de campanha, ligadas às demandas e anseios de assistência básica para com a população;
– A morosidade das mudanças de milhares de produtos para cadeias de consumo e produção e a capacidade de governos e empresas comporem amplos pactos pela construção de modelos de produção e consumo sustentáveis vieram alimentando os mais céticos com relação a qualquer proposta de sustentabilidade: essa tendência é facilmente observável na morosidade que governo e vários setores empresariais vieram construindo os acordos setoriais para solução dos problemas gerados pelos resíduos sólidos, e também na lentidão da implantação de novos produtos que reduzam os resíduos gerados em todo processo de produção, consumo e pós-consumo.

Tais fatores alimentam ceticismos e colocam em risco todo o rico debate e práticas de sustentabilidade empresarial, classificando-os como utopia e, portanto, inalcançáveis.

O relatório GlobeScan/SustainAbility Survey auxilia-nos a perceber como anda a performance das várias lideranças mundiais a respeito do seu desempenho com vistas na sustentabilidade, como também a reiterar o recado para que  os líderes do setor público e das empresas realizem o exercício de compreensão sobre o que está ocorrendo com o grande público, com os stakeholders, impactados de forma direta ou indireta pelos seus atos.

Não somente as ruas estão dando tom das insatisfações e anseios da população, como também o fato de que as pessoas estão expressando o que sentem e sabem a respeito de seu país. Sua cidade é um elemento fundamental a ser discutido dentro dos gabinetes do setor público e das salas de reunião do conselho de administração das empresas, como subsídio primordial para se pensar em mudanças de fato para a sustentabilidade.

Sustentabilidade não é projeto que se construa somente em pranchetas de marqueteiros políticos em época de campanha ou nos novos projetos de marketing para lançamento de produtos, mas na discussão séria de como anda a capacidade de ouvir e dialogar serena e seriamente com o presente, com as massas e com as emergências que estão não mais batendo às portas de todos, mas, estourando nas ruas, nas esquinas e em cada lar.

É preciso ouvir e compreender mais o momento histórico mundial, caso contrário, qualquer proposta de desenvolvimento sustentável lançada irá ser classificada “para além de utopia”, correndo o risco de cair na casa da esquizofrenia ou da chacota daqueles setores que ainda lucram muito com a economia marrom e todas as suas desgraças socioambientais conhecidas por parte de todos nós.

José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade pela FGV/SP, consultor em Desenvolvimento Sustentável, docente de pós-graduação em faculdades em Campinas e São Paulo na área ambiental – sustentabilidade e ambientalista.

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