Enfrentamento do problema da mobilidade determinará futuro das grandes metrópoles

Enfrentamento do problema da mobilidade determinará futuro das grandes metrópoles

Revista Idéia Socioambiental-São Paulo
Em 2007, pouco mais de meio século de atividade no Brasil, a indústria automobilística registrou 2,5 milhões de carros vendidos. Contraposto aos sucessivos recordes de congestionamentos nas grandes cidades brasileiras, esse resultado expõe as fragilidades de um modelo de desenvolvimento e urbanização que privilegia o transporte motorizado individual, prejudica a mobilidade e até a produtividade das pessoas –segundo pesquisa do Citigroup, com 26 milhões de automóveis, o Brasil perde 5% em produtividade ao ano por causa do trânsito. O carro, no entanto, não é o único vilão. A solução para o problema da mobilidade passa pela criação de alternativas ao uso do transporte individual.
“Como as opções alternativas ao transporte individual são pouco eficientes, seja pela falta de conforto, segurança ou rapidez, as pessoas continuam optando pelos automóveis, motocicletas ou mesmo táxis ainda que permaneçam presas no trânsito”, afirma Shona Grant, diretora da área de desenvolvimento do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD).
Muitas das respostas para o problema do trânsito nas grandes cidades estão na falta ou ineficiência de investimentos em transporte público. Desde a década de 60, a cidade de São Paulo já teve oito planos para tratar da questão, porém nenhum deles foi implementado na sua totalidade. As obras do metrô, por sua vez, seguiram muito lentamente. Foram construídos, em média, 1,5 km por ano. Dos 400 km previstos para serem construídos em 20 anos, foram feitos apenas 60 km.
“A não mobilidade é o caminho natural das metrópoles que optaram por sistemas de transporte sem planejamento ou por políticas que privilegiam o transporte motorizado individual e não investem em redes estruturadoras de transporte público”, afirma Manoel da Silva Ferreira Filho, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Metrô (AESMESP).

Em busca de alternativas
Segundo Silva, esse modelo de desenvolvimento e urbanização transformou as metrópoles em “ilhas de ineficiência”. Para se ter uma idéia, um passageiro de automóvel consome sete vezes mais energia
que um de ônibus e 25 vezes mais do que um passageiro de metrô, segundo dados da AEMESP.
Ainda assim, o carro passou a ser a opção preferencial dos usuários. Em 1978, 25% dos deslocamentos em São Paulo eram feitos com automóveis, enquanto hoje esse índice chega a 50% das movimentações da cidade.
Apesar de reconhecerem o problema do trânsito, que segundo pesquisa do Datafolha é considerado ruim ou péssimo por 87% dos paulistanos, parcela significativa da população ainda resiste a qualquer restrição no uso do automóvel: 44% não concordam com a ampliação do rodízio para dois dias por semana e 74% refutam a proposta do pedágio urbano.
A idéia de tarifar a circulação de automóveis no centro é inspirada em Londres que adotou a medida em 2003 e conseguiu reduzir o tráfego em 16% e as emissões de CO2 em quase 20%. Em contrapartida, o número de ônibus no horário aumentou 25% e o tempo de viagem foi reduzido em cerca de 20%. Além disso, o volume de passageiros nos ônibus aumentou 14%.
Para Shona, restringir o uso do carro não resolve o problema. “Em cidades como São Paulo, as opções de transporte público já estão operando na sua capacidade limite e por isso não teriam condições de absorver as pessoas que deixassem de usar o automóvel”, diz.
De acordo com Peter Ludvig Alouche, consultor em transportes, a tecnologia é uma das ferramentas para equacionar o problema do trânsito, desde que escolhida e implementada com competência. “Ao definir um sistema de transporte deve-se levar em consideração que tipo de cidade se quer no futuro. Por isso, a análise para escolha de uma determinada tecnologia não pode ser meramente econômica. Precisa levar em conta, por exemplo, a segurança e a comprovação técnica, além introduzir melhorias na qualidade do serviço”, afirma.

Mobilização social
Silva concorda que a discussão de soluções para o problema do trânsito não se reduz a elementos técnicos. Para ele, pesam muito a falta de continuidade dos projetos e a integração entre os diferentes níveis de governo, problemas que apenas serão superados com a participação ativa da sociedade civil. Silva cita como exemplo a experiência dos moradores da Freguesia do Ó. Em 2003, eles se organizaram no Fórum de Debates e Luta Pró Metrô Freguesia/Brasilândia que iniciou a articulação junto a lideranças políticas para trazer o metrô para a Freguesia que não estava contemplada em nenhum dos planos de extensão das linhas.
A idéia inicial do grupo era reivindicar uma extensão da linha 1 do metrô para o bairro. O então secretário estadual dos transportes, Jurandir Fernandes, descartou a idéia, mas logo apresentou um projeto da Linha 6 (Freguesia do Ó-São Joaquim). No último mês de março, os moradores foram surpreendidos com o anúncio feito pelo prefeito de São Paulo Gilberto Kassab do início das obras em 2010.
Com 9,5 quilômetros, o novo trecho beneficiará cerca de 500 mil passageiros por dia. “Essa é uma conquista da sociedade que se organizou para discutir o que é bom não só para um, mas para todos em termos de solução para o problema do sistema de transportes em São Paulo. Ganha a região Norte, a Sul e o centro. Ganha a cidade e consequentemente o País com a implementação de um modelo que proporciona qualidade e eficiência em termos de deslocamento”, afirma Silva.
Para o arquiteto Luiz Antonio Cortez Ferreira a consciência tem que avançar muito em termos de mobilização social. “Estabelecer um estado que dê pleno conforto a todos já não basta. É preciso garantir que as próximas gerações tenham condições de continuar usufruindo desse pleno conforto. O legislador ou ocupante do cargo executivo responde às demandas da sociedade que precisam ser mais sofisticadas”, ressalta.

Mudanças comportamentais
As empresas, por sua vez, acompanham as tendências do mercado de modo que as escolhas individuais podem influenciar no desenvolvimento de alternativas de transporte mais eficientes com vistas à mobilidade sustentável.
Segundo Shona, as companhias já estão procurando se adaptar a essa nova realidade. “Muito da questão da mobilidade está relacionada às escolhas individuais. As corporações já começam a adaptar seus processos e oferecer alternativas mais eficientes diante do crescimento de uma classe de consumidores cada vez mais exigente. O sucesso de vendas do Prius, veículo híbrido da Toyota, é um exemplo”, ressalta.
A crise de mobilidade já começa a ser considerada pelas indústrias automobilísticas. Estudo da consultoria da Ernst & Young, feito com base na opinião de 70 empresários e analistas, revela que a pressão de consumidores pode inviabilizar o modelo de negócios atual das companhias automobilísticas. Assim como aconteceu com o cigarro, o carro pode passar de ícone a objeto de repúdio. Por outro lado, o risco representa também uma oportunidade para as empresas que avançarem na área de tecnologias limpas.
Essa movimentação já é percebida em grandes companhias como a Ford. A empresa mantém desde 2007, o projeto megacidades, cujo objetivo é oferecer soluções de mobilidade sustentável nos países em desenvolvimento capazes de reverter tendências que estão mudando a realidade dos transportes e dos negócios ao redor do mundo (veja box abaixo). A Ford divide esse desafio com outras instituições parceiras como o WBSD, a National Science Foundation e o Centro de Pesquisa e Soluções Avançadas para a sociedade da Universidade de Michigan.
Para Alouche, experiências como essa são positivas, mas não interferem no modelo de negócio que continua sendo insustentável. “Não sei se a indústria automobilística está interessada na melhoria do transporte público. Seria sábio se pensasse assim, mas o que vemos é justamente o contrário. Na Índia, estão produzindo carros por quatro mil dólares. A tendência é que esse modelo venda muito, ganhando espaço em outros países como Brasil e China. Imagine o impacto disso. Não vai ter mais lugar para tanto carro. As cidades, as pessoas e o meio ambiente não vão suportar esse crescimento por muitos anos”, ressalta.
Obras de infra-estrutura de transporte exigem intervenções complexas na cidade que foram constituídas sem planejamento, o que demanda muitos investimentos. Segundo o consultor em transportes, a iniciativa privada pode e deve atuar em parceria com o Estado para prover soluções mais eficientes de transporte. “As Parcerias Público Privadas (PPPs) abriram um campo de atuação conjunta para empresas e governos e são cada vez mais comuns.  Nelas, o governo assume a infra-estrutura e a operação fica por conta da iniciativa privada. Assim, divide-se as responsabilidades”, explica.
Alouche, contudo, não vê espaço para sistemas de transporte conduzidos unicamente pela iniciativa privada. “O sistema de transporte, por definição, não dá lucro. Como a infra-estrutura de transporte é uma questão social, o governo e a sociedade têm que participar. Eles devem exigir qualidade, confiabilidade, segurança e conforto, características essenciais para o bom funcionamento de um sistema de transporte público. As empresas podem atender essas demandas porque possuem recursos, conhecimento técnico e de mercado”, completa.
Para Cortez, a solução dos problemas relativos ao transporte urbano não é só uma questão de investimentos. “Exige também uma mudança na nossa maneira de viver. Pensar na sustentabilidade, pensar nas gerações futuras, que não sejam simplesmente meus filhos e netos, significa tomar agora decisões que podem ser prejudiciais. A decisão mais fácil e a mais prática, certamente, não é a que pensa na geração futura”, ressalta.
Veja mais no site:
www.ideiasocioambiental.com.br
Box. Desafios para a mobilidade sustentável:
– Reduzir as emissões convencionais e de efeito estufa a níveis sustentáveis;
– Reduzir significativamente o número de acidentes;
– Reduzir o ruído relativo ao transporte;
– Atenuar os congestionamentos relativos ao transporte;
– Diminuir a “divisa de mobilidade” existente entre o cidadão médio dos países mais pobres e o cidadão médio dos países mais prósperos;
– Preservar e melhorar as oportunidades de mobilidade disponíveis para a população em geral.

Fonte: Relatório “Mobility 2030”, elaborado pelo WBCSD (World Business Council for Sustainable Development).

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?