Desenvolvimento da Amazônia é possível sem devastação

Desenvolvimento da Amazônia é possível sem devastação

Revista Idéia Socioambiental/São Paulo
A Amazônia voltou a ser o centro das atenções mundiais depois da recente divulgação pelo Governo Federal do aumento dos números do desmatamento da floresta na segunda metade de 2007. Em princípio, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais anunciaram que, entre agosto e dezembro, teriam sido derrubados 3.235 quilômetros quadrados de mata, o equivalente a cerca de 320 mil campos de futebol. Pouco tempo depois, MMA e Inpe retificaram a estatística, alegando que o volume da devastação era bem maior, na verdade o dobro – aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados – o que levou o presidente Lula a contestar publicamente os dados.
Na maior floresta do planeta, no entanto, nem tudo é devastação. Diante da ameaça do desmatamento, muitas empresas que dependem dos recursos da Amazônia encontram meios de explorar a região de maneira sustentável, aliando crescimento econômico com preservação ambiental e justiça social nas comunidades locais. Em um cenário que se destaca pela preocupação de chefes de Estado do mundo todo, começam a surgir boas soluções para o desenvolvimento mais sustentável da região amazônica. “Se não dermos um basta nesse processo de devastação, o país vai começar a sofrer boicotes internacionais, de consumidores e de investidores. O absurdo que ocorre na Amazônia está sendo veiculado em todo mundo e os que boicotam estão no seu direito de exercer pressão. Será que só vamos agir com firmeza depois que estivermos perdendo mercado?”, adverte Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Para quem procura resultados, entretanto, é preciso conhecer melhor os motivos do problema.
Embora a área esteja sob vigilância da União, as causas exatas do assustador índice de desmatamento ainda freqüentam o campo das suposições, já que não há consenso. O MMA destacou que o motivo do crescimento foi a seca prolongada de 2007, somada ao avanço da agricultura (soja em especial) e pecuária na região. “Não acredito em coincidências”, observou a ministra Marina Silva, ao comentar o bom desempenho comercial da cultura de soja no exterior. Com a mesma defesa do governo, organizações da sociedade civil, tais como o WWF-Brasil, também debitam a derrubada da Amazônia na conta dos agricultores e pecuaristas, que aumentam sua área útil de plantio e criação com o desmatamento. “Os números do INPE refletem o estado de impunidade e de irresponsabilidade que se enraíza na região. A sociedade brasileira não pode assistir de braços cruzados os índices de desmatamento da Amazônia aumentarem mais ou menos de acordo com a demanda, por exemplo, do mercado internacional da soja”, argumenta Almeida do CEBDS.
Do outro lado da cerca, os proprietários se defendem. Em nota oficial publicada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da entidade, Assuero Doca Veronez, repudiou as acusações do governo ao argumentar que a União possui 76% das terras da Amazônia Legal e, por isso, a culpa do desmatamento é a ausência do Estado, falta de regularização e grande número de assentamentos rurais. O problema requer, assim, a regularização fundiária, separação das terras públicas das privadas e o combate à grilagem. “É preciso não deixar que a Amazônia simplesmente se transforme em um grande parque ecológico, onde tudo será proibido. Devem-se criar mecanismos de remuneração, a exemplo do que acontece em outros países do mundo, para proprietários de áreas destinadas à conservação, de modo que os serviços ambientais sejam reconhecidos e valorados. Deste modo, os proprietários não ficariam apenas com o ônus da conservação das florestas como é hoje, um bem de interesse de toda a humanidade”, declara Veronez.
Se a Amazônia é uma rica fonte de recursos a serem utilizados com responsabilidade, como as empresas podem explorar a floresta sem cruzar o limite da devastação? Para Almeida, o progresso não deve ser sinônimo de devastação e descumprimento da Lei. “O ecoturismo, o investimento em biotecnologia e os projetos de reflorestamento são alguns exemplos de exploração sustentável da Amazônia”, observa. Ele afirma que as soluções para o desmatamento partem da aplicação da Lei, com auxílio de fiscalização e punição das Forças Armadas e da Polícia Federal. O combate à grilagem de terra e ao comércio ilegal de madeira são exemplos de ações nas quais o governo deve focar sua atenção. “A devastação começa com o cometimento desses dois crimes. Depois, vem a pecuária e por fim o plantio de grãos, até que se esgotem os nutrientes do solo. Aí, começa um novo ciclo de devastação. O resultado já é conhecido: perda de biodiversidade e de outros recursos naturais, aceleração da miséria e violência, entre outras coisas”, complementa.
Outra questão importante que pontua o pesquisador Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), é a dificuldade de implementação das decisões governamentais. “Medidas passadas de cima para baixo não dão certo na Amazônia, porque batem de frente com o fato do desmatamento ser ilegal. As pessoas já não respeitam o governo, então não adianta ficar apenas criando novas leis. Quem está em Brasília acha que pode definir o que vai acontecer na Amazônia, mas as medidas esbarram na realidade da região e não decolam”, diz.
Monitoramento, segundo Fernando Almeida, do CEBDS, não deveria ser um problema, na medida em que já existe tecnologia instalada. Em sua opinião, é necessário, porém, agir mais intensamente sobre as atividades ilegais detectadas, nunca de modo isolado, mas estabelecendo parcerias inter-setoriais que ampliem o alcance das ações de preservação. “A pior das táticas é a falta de ação integrada. Junto com o combate eficaz, sistemático e irredutível para conter o desmatamento, é preciso integrar, de forma transparente e sustentável, a região amazônica ao mercado. O mecanismo de mercado pode exercer forte ação contra o desmatamento, fomentando a atividade econômica, invertendo a curva da perda de serviços ambientais e ampliando a inclusão social”, defende Almeida. Uma possível estratégia – sugere – são os acordos dos governos estaduais para utilizar apenas madeira certificada (postura defendida também pelo MMA). Isso “já representaria um golpe certeiro na ação criminosa dos destruidores de florestas”. A mesma tática pode ser aplicada no financiamento de obras particulares, e por isso os bancos também têm sua parcela de responsabilidade.
Por acreditar nisso também, o Banco da Amazônia é uma das empresas preocupadas em desenvolver a região de maneira mais sustentável. Entre as iniciativas de responsabilidade socioambiental, a instituição trabalha para diminuir suas emissões de carbono e financia tanto empreendimentos que não contribuem para o desmatamento quanto pesquisas na área de biotecnologia para a preservação da natureza.
“Percebe-se que a ganância por riqueza não tem limites e muito menos ética. Sabe-se das formas como a região vem sendo depredada e saqueada em seus recursos minerais, florestais e na fauna. Para um desenvolvimento mais equilibrado, além de resultados eficientes do ponto de vista financeiro, as empresas precisam equilibrar também sustentabilidade ambiental e justiça social”, afirma Oduval Lobato Neto, gerente executivo de Desenvolvimento Regional do Banco da Amazônia. Neto compartilha da opinião de Almeida de que há legislação, mas esta sofre com falta de regulamentação e fiscalização frágeis. A solução, segundo ele, é o fortalecimento das instituições de monitoramento, para que as punições à ilegalidade sejam mais severas.
O Banco da Amazônia é um dos membros do recém formado Fórum Amazônia Sustentável, uma iniciativa de parceria entre o setor privado e organizações da sociedade civil que buscam construir uma agenda comum para o combate ao desmatamento e a promoção do desenvolvimento sustentável na Amazônia [veja quadro].
Outro membro do fórum é o Grupo Orsa, que tradicionalmente trabalha a sustentabilidade na base de seus negócios. “Acreditamos ser importante a abertura de um espaço democrático para o diálogo entre os setores público e privado, que tenha como objetivo comum o desenvolvimento de práticas sustentáveis na maior floresta tropical do planeta, a Amazônia. As empresas também precisam ter um olhar mais abrangente e menos ganancioso. É imprescindível que sigam a legislação e as normas descritas pelos órgãos certificadores, pois eles impõem regras àqueles que insistem em burlar os limites da natureza”, diz Sérgio Amoroso, presidente do Grupo Orsa.
Exemplo da ação empresarial sustentável é a Jari Celulose (empresa do grupo), produtora de celulose de eucalipto de mercado instalada numa área de 1,7 milhão de hectares na Floresta Amazônica, que segue modelos de gestão sustentável. A madeira extraída das reservas de lá tem a certificação do FSC (Forest Stewardship Council) e o ISO 14001, de responsabilidade ambiental. A Orsa Florestal, por sua vez, realiza o manejo florestal sustentável (pelo FSC) em 545 mil hectares da Amazônia e administra 92 mil hectares de uma área de preservação absoluta. As ações, chamadas com entusiasmo por Amoroso de “laboratório de sustentabilidade”, envolvem também o trabalho de educação, cidadania, capacitação e geração de renda com as comunidades locais.
“Em uma região complexa e repleta de desafios sociais e ambientais, é preciso pensar não somente na construção de negócios rentáveis, mas também na capacitação, na geração e na distribuição de riquezas para as comunidades locais. Investir em alternativas de exploração consciente, além de ser uma política ambientalmente responsável, é uma forma de oferecer à sociedade alternativas sustentáveis de desenvolvimento”, observa Amoroso. (Colaborou Caio Neumann)

Veja mais no site www.ideiasustentavel.com.br
BOX
O que é o Fórum Amazônia Sustentável?
Constituído em novembro por mais de 70 organizações da sociedade civil e do setor privado (como Natura, Alcoa, Companhia Vale do Rio Doce, Grupo Orsa, WWF-Brasil e Instituto Ethos), o Fórum Amazônia Sustentável promete trazer mudanças para o modelo de desenvolvimento da Amazônia. Em princípio, o grupo deve criar uma agenda mínima para a promoção do desenvolvimento sustentável da região.
“A Amazônia não precisa mais do desmatamento para se desenvolver. Do ponto de vista econômico, é um erro porque mantém a fronteira aberta e estimula a atividade extensiva”, observa Adalberto Veríssimo, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que lidera a iniciativa do fórum. Ele explica que outro foco do grupo é o combate à desigualdade social na região, já que o retorno financeiro da exploração nem sequer beneficia a população local a ponto de transformar a realidade econômica.
Foram formados grupos de trabalho do fórum que devem se debruçar sobre questões cruciais da Amazônia, como crédito a empreendimentos na região, qualificação de pessoas e a área de ciência e tecnologia. “Precisamos mostrar que o os objetivos do fórum são para valer. É uma iniciativa ousada que promete uma nova forma de relação entre empresa e comunidade”, empolga-se.
De acordo com o pesquisador, existem três princípios básicas no fórum: o primeiro é que não há uma “bala de prata” (com a qual se mata de forma certeira o problema) ou uma única solução para a questão do desmatamento; o segundo é que o mercado não é necessariamente um inimigo da floresta e, o terceiro, é que para fazer a Amazônia dar certo, é preciso construir um ambiente de negociação política, com objetivos comuns.
“O papel das empresas privadas deve ir muito além do que se vê hoje. Elas não podem esperar que o governo faça tudo. O Estado tem que fazer, mas não cabe ao resto da sociedade sentar e esperar resultados. Se não acreditássemos que o mercado é a solução para a Amazônia, não teríamos chamado as empresas para o fórum”, diz.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?